domingo, 5 de maio de 2024

206 ANOS DE KARL MARX

maio 05, 2024
 

Há 206 anos, em 1818, nascia Karl Marx que, ao lado de Friedrich Engels, formulou os fundamentos teóricos, as chaves básicas para o entendimento objetivo do sistema capitalista, identificando seus limites e apontando as determinações de sua superação positiva (posto que a barbárie é uma possibilidade) pela via da revolução proletária. Marx não formulou teses acadêmicas mas os pilares para a construção do instrumento da revolução, um partido operário independente da burguesia. Aí está porque em sua homenagem se publica aqui um pequeno trecho de O Marxismo de Nosso Tempo (também conhecido como O Pensamento Vivo de Karl Marx) em que Leon Trotsky faz breves indicações acerca da relação entre o marxismo, uma doutrina na construção do partido e da revolução socialista, e a ciência oficial. 

Eudes Baima - Professor da FAFIDAM/UECE.

 

 

O Marxismo e a Ciência Oficial

Marx teve predecessores. A economia política clássica — Adam Smith, David Ricardo — floresceu antes que o capitalismo tivesse se desenvolvido, antes que começasse a temer o futuro. Marx rendeu aos grandes clássicos o perfeito tributo de sua profunda gratidão. No entanto, o erro básico dos economistas clássicos era considerarem o capitalismo como a existência normal da humanidade em todas as épocas, ao invés de considerá-lo simplesmente como uma etapa histórica no desenvolvimento da sociedade. Marx iniciou a crítica dessa economia política, mostrou seus erros, assim como as contradições do próprio capitalismo, e demonstrou que seu colapso era inevitável.

A ciência não atinge sua meta no estudo hermeticamente fechado do erudito, e sim na sociedade de carne e osso. Todos os interesses e paixões que dilaceram a sociedade exercem sua influência no desenvolvimento da ciência, principalmente da economia política, a ciência da riqueza e da pobreza. A luta dos trabalhadores contra os capitalistas obrigou os teóricos da burguesia a dar as costas para a análise científica do sistema de exploração e a ocupar-se com uma descrição vazia dos fatos econômicos, o estudo do passado econômico e, o que é muitíssimo pior, com uma falsificação absoluta das coisas tais como são com o propósito de justificar o regime capitalista. A doutrina econômica ensinada até hoje nas instituições oficiais de ensino e que se prega na imprensa burguesa não está desprovida de materiais importantes relacionados com o trabalho, mas não obstante é inteiramente incapaz de abarcar o processo econômico em seu conjunto e descobrir suas leis e perspectivas, nem tem o menor intuito de fazer isso. A economia política oficial está morta.

Leon Trotsky – O Marxismo de Nosso Tempo.

terça-feira, 16 de abril de 2024

DERMEVAL SAVIANI: UM INTELECTUAL MARXISTA SEM REPOUSO

abril 16, 2024

I

HOMEM FORTE E ARRETADO

É REFERÊNCIA NA EDUCAÇÃO.

DERMEVAL SAVIANI É O SEU NOME,

PROFISSIONAL ILUMINADO

QUE TRAZ CONSIGO A DOCÊNCIA E A POLÍTICA

E PESQUISAS RENOMADAS

NA ÁREA DA FILOSOFIA E DA EDUCAÇÃO.

 

II

GRADUADO EM FILOSOFIA, EM 1966,

COM MUITA DEDICAÇÃO

ALI COMEÇOU A SUA JORNADA

E LUTA PELA EDUCAÇÃO.

NA UNICAMP TEVE PALCO NA GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO

E HOJE É PROFESSOR EMÉRITO APOSENTADO

POR ESSA MESMA INSTITUIÇÃO.

 

III

COM DOUTORADO E MESTRADO

EM FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

É MUITA SABEDORIA EM CIMA DE SÓ UM CRISTÃO.

PENSE NUM CABRA OUSADO E SABIDO

E QUE NOS TRAZ MUITA INSPIRAÇÃO.

DÁ PARA MONTAR UMA ESTANTE DE LIVROS

SÓ COM AS OBRAS E ARTIGOS DE SUA AUTORIA,

POIS O CABRA TEM PRA LÁ DE TRINTA E SE JUNTAR COM AS OBRAS EM COAUTORIA

VAI SE PERDER DE VISTA A TAMANHA PRODUÇÃO.

 

IV

É UM INTELECTUAL DE PRIMEIRA GRANDEZA E POR ISSO MESMO

RECEBEU VÁRIOS PRÉMIOS E HOMENAGENS  DE GRANDE BELEZA, ENTRE OS QUAIS DESTACAMOS: O PRÊMIO ANÍSIO TEIXEIRA, ESTE EMITIDO PELA CAPES, EM 2016, PELA SUA CONTRIBUIÇÃO À EDUCAÇÃO BRASILEIRA; FRISAMOS TAMBÉM A HOMENAGEM REALIZADA PELA ANPED, EM 2020, EM RECONHECIMENTO A IMPORTÂNCIA DO SEU GRANDE LIVRO ESCOLA E DEMOCRACIA; E AGORA PARA FECHAR ESSE EXEMPLO COM CHAVE DE OURO MENCIONAMOS O PRÊMIO MAIS TRADICIONAL DA LITERATURA BRASILEIRA CONCEDIDO A SAVIANI, EM 2008, PELA CÂMARA BBRALEIRA DO LIVRO, O JABUTI DE OURO, UMA CONGRATULAÇÃO PELA PUBLICAÇÃO DE HISTÓRIA DAS IDEIAS PEDAGÓGICAS NO BRASIL, LIVRO DE MUITA ACLAMAÇÃO!

 

V

E NÃO PARA POR AÍ NÃO!

TENDO ELE RECEBIDO PELA UNICAMP

O TÍTULO DE LIVRE-DOCÊNCIA, EM 1986,

ELE TAMBEM FEZ PÓS-DOUTORADO

NA ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS

COM FOCO NA HUMANA FORMAÇÃO

E NA BENDITA E JUDIADA EDUCAÇÃO.

 

 VI

GRANDE DEFENSOR DA CLASSE TRABALHADORA,

E DIFERENTE DE SANSÃO

QUE EXTRAI DOS MITOS A FORÇA DE SEUS ATOS,

SAVIANI TEM NA CIÊNCIA REFERENDADA PELOS CLÁSSICOS DA LITERATURA A FONTE DE SUA FORÇA E CRIAÇÃO.

 

VII

SUA TRAJETÓRIA ACADÊMICA É DE SE ADMIRAR

PROFISSIONAL DESTACADO NAS ÁREAS DE FILOSOFIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA,

EDUCAÇÃO BRASILEIRA, PEDAGOGIA, POLÍTICA E LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL

TAMBÉM É PARECERISTA, REVISOR E AVALIADOR

DE PERIÓDICOS RENOMADOS POR SUAS CONTRIBUIÇÕES.

 

VIII

SUA CAMINHADA PROFISSIONAL

NO ENSINO SUPERIOR

FORTALECE TANTO O ENISINO E FORMAÇÃO

DO PROFESSOR QUANTO A DO PESQUISADOR

INTELIGÊNCIA NÃO LHE FALTA.

POR ONDE ELE PASSA PROPÕE

QUE O DOMINADO

DOMINE A MESMA ARTE QUE DOMINADOR,

DEIXANDO DESSE MODO A SUA MARCA

DE TEÓRICO E PROFISSIONAL DE VALOR.

 

IV

E AGORA MINHA GENTE

PREPAREM O CORAÇÃO

TEREMOS O GRANDE PRAZER

DE OUVÍ-LO COM ATENÇÃO

RECEBAM NOSSO CONVIADO

PROFESSOR DERMEVAL SAVIANI

TE ACOLHEMOS COM EMOÇÃO

E DE ANTEMÃO, TODA A NOSSA GRATIDÃO.

 

 

Cordel elaborado por Francisco Glauber de Oliveira Paulino e Maria Núbia de Araújo

 

Uma homenagem ao Prof. Dr. Dermeval Saviani realizada pelos coletivos:

 

Grupo de Estudos: História, Educação e Pedagogia Brasileira (GEHEPB). Criação e coordenação: Profa. Dra. Maria Núbia de Araújo e

Profa. Dra. Ruth Maria de Paula Gonçalves

 

Grupo de Estudos: Educação do senso comum à consciência filosófica. Criação e coordenação: Prof. Dr. Frederico Jorge Ferreira Costa e Prof. Esp. Francisco Glauber de Oliveira Paulino

 

Grupo de Estudos: Estudos newtoneanos.

Criação e coordenação: Prof. Dr. Frederico Jorge Ferreira Costa e Prof. Esp. Francisco Glauber de Oliveira Paulino

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Marx é mais atual do que nunca

dezembro 25, 2023


     No ocaso de 2023, não há como negar a profunda crise que atinge o mundo. As contradições surgem e crescem diariamente. Guerras, desemprego, genocídio, repressão, crimes ambientais, mas também, resistência e mobilizações populares. Desespero, frustrações coletivas, alienação combinam-se com esperanças e projetos de mudança. Em proporção assustadora, a situação atual exige mudanças profundas. 
     A barbárie avança sobre as mais diversas formas para manter privilégios e estruturas de dominação. A guerra por procuração dos EUA/OTAN/Ucrânia contra a Rússia, o genocídio do Estado colonial de Israel contra o povo palestino e os recentes ataques do governo fascista de Javier Milei contra a classe trabalhadora argentina indicam uma tendência do capital financeiro internacional (sistema imperialista) para superar a profunda crise capitalista. Isso mostra uma ruptura radical com todo um período histórico, que estava estabelecido desde 1945, e, também, uma ofensiva internacional sem precedentes contra direitos trabalhistas, conquistas democráticas, soberania das nações oprimidas e autodeterminação dos povos. 
      A tarefa urgente de nosso tempo é a defesa da existência das organizações de classe dos explorados e oprimidos, em qualquer lugar no mundo. Tal exigência é inseparável da luta ideológica contra inúmeras formas de consciência que são cúmplices na manutenção da exploração capitalista existente. Nesse sentido, não é possível deixar de afirmar a importância do marxismo para a luta emancipatória e socialista. 
                                                                           *** 

      As classes dominantes e seus intelectuais não medem esforços para produzir erros de interpretação e deturpações das formas de consciência e teorias produzidas pelos explorados e oprimidos. Que melhor exemplo do que o movimento nascido em torno de Jesus de Nazaré que, de expressão de resistência, foi transmutado em ideologia oficial do Império Romano. Imagine o que ocorre com um pensamento radicalmente anticapitalista. 
     Referências a Marx e ao marxismo são constantes na mídia e nas redes sociais. Políticos, jornalistas, cientistas sociais, religiosos, filósofos e palpiteiros de plantão sempre têm algo a dizer sobre os problemas e contradições do marxismo, no entanto, na grande maioria dos casos, parece que não se leu uma linha escrita, pelo menos por Marx, ou se satisfazem com o mínimo de conhecimento sobre a obra de um dos mortos mais perigosos do mundo para o mundo capitalista. 

                                                                            ***

    Diferentemente dos pensadores de seu tempo, que buscavam apenas entender o mundo, Marx conformou-se como um homem de ação. Aos vinte e sete anos, afirmou: “Os filósofos não têm feito mais do que interpretar o mundo de diversas maneiras, o que importa é transformá-lo”. Isso demarcou a natureza de seus escritos como meios de ação para a luta revolucionária dos trabalhadores contra o capitalismo e a dominação burguesa. Nessa perspectiva, o conhecimento científico da realidade não acabava em si mesmo, mas estava a serviço da radical mudança da sociedade. Nas condições históricas da sociedade moderna, o conhecimento deve ser um instrumento das forças de emancipação social em luta contra as estruturas exploradoras e opressivas. 
     A vida de Marx, nos âmbitos público e privado, intelectual e político, torna-se incompreensível fora do contexto do movimento operário e das contradições do capitalismo. Marx iniciou a resposta mais radical à sociedade burguesa, indicando sua historicidade, lógica de funcionamento e possiblidades de superação. 
    Marx não descobriu a luta de classes. Antes dele, historiadores como Thierry, Guizot e Mignet já tinham estudado os conflitos entre burguesia e nobreza. Marx, no entanto, acrescentou que essa luta prosseguia, agora entre trabalhadores assalariados e seus patrões capitalistas. 
  Entendendo isso, participou, desde a juventude até o fim de sua vida, na organização e desenvolvimento de projetos revolucionários e classistas, chegando a ser o dirigente mais importante da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), entre 1864 e 1872. 
      Dirigiu o principal periódico da Alemanha durante a Revolução de 1848; durante a Comuna de Paris de 1871, mobilizou as forças da AIT em solidariedade incondicional aos "comunards". 
    Como atualmente o mundo passa por uma onda de guerras fomentadas pelo capital financeiro, é importante lembrar que Marx, em parceria com Engels, sempre buscou compreender os conflitos militares de seu tempo para elaborar uma estratégia de intervenção do proletariado em relação a eles. Exemplo disso são seus escritos sobre a Guerra da Criméia (1853-1856), a Guerra da Itália (1859), a Guerra Civil dos Estados Unidos (1861—1865), a intervenção francesa no México (1862-1867), o conflito franco-alemão (1870-1871) e a Guerra Russo-Turca (1877-1878). Noutras palavras, Marx tomava posição no sentido de construir situações progressivas para a luta de classes do proletariado; nunca ficou em cima do muro. 
    O que não deve ser esquecido é que as obras de Marx, inclusive "O capital", estão organicamente vinculadas, tanto teoricamente como na prática social, às crises, às guerras e às revoluções das quais acompanhou ou participou a partir da perspectiva do proletariado. De fato, por seu caráter histórico, a obra de Marx será sempre inacabada. Daí seu constante enriquecimento pela luta dos explorados e pelos intelectuais orgânicos ligados ao movimento operário. A atualidade da obra de Marx, não é nada mais do que a atualidade da revolução socialista, pois o capitalismo revela-se, cada vez mais, incapaz de desenvolver as capacidades humanas. 

2024 será um ano de muitas lutas. Venceremos!

Frederico Costa
Professor da Universidade Estadual do Ceará- UECE e coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário - IMO.

quinta-feira, 13 de julho de 2023

A identidade de Gênero e o Salário Mínimo

julho 13, 2023


Não foi a Damares e a extrema-direita que inventaram a “Ideologia” ou a “Teoria da Identidade de Gênero” para açular sobretudo o povo evangélico contra a esquerda. Elas apenas surfaram a onda em forma safada. A “Teoria da Identidade de Gênero”, criada em torno dos anos 1975, logicamente nos USA, teve como precursor o psicólogo John Money [1921-2006]. Ela difundiu-se como poderoso subproduto ideológico da maré liberal que varreu o mundo nas últimas três décadas, com o enorme enfraquecimento do mundo do trabalho.

Devido ao seu poder desorganizador do movimento social, a “Teoria da Identidade de Gênero” foi fortemente apoiada pelo imperialismo. Quando da aposta das administrações Bill Clinton [1993-2001] na globalização e na internacionalização do capital, com o consequente abandono do trabalhador manufatureiro estadunidense como base eleitoral privilegiada, o identitarismo e a “Teoria da Identidade de Gênero” transformaram-se em referências maiores do Partido Democrata.


Construto político-ideológico nascido e voltado para as classes médias liberais, o identitarismo (de raça, de gênero, de nacionalidade, etc.) contribuiu para o naufrágio da candidatura Hillary Clinton, em 2016, devido à migração eleitoral de importantes facções dos trabalhadores brancos e negros em direção a Donald Trump. O identitarismo retornou vitaminado com a vitória de J. Biden, em 2021. No Brasil, o lulo-petismo tem também procurado, sobretudo com o identitarismo negro, reconstruir uma nova base eleitoral, após o rompimento dos laços referenciais com o mundo do trabalho, devido a sua orientação social-liberal.

Reprodução da espécie

Biologicamente, a espécie humana divide-se em dois sexos, o feminino e o masculino, determinados pela incidência celular, nas mulheres, do cromossoma XX, e, nos homens, do XY. Esse é, desnecessário dizer, um padrão fortemente dominante, com diversos desvios estatisticamente marginais - hermafroditismo, etc. Entretanto, a orientação sexual não é definitivamente decorrência necessária da sexualidade biológica, não se constituindo, qualquer desvio desta última, doença ou perversão moral, como já foi e é ainda proposto.


Homens e mulheres podem ser atraídos pelo mesmo sexo (homossexualidade); pelos dois sexos (bissexualidade); por nenhum dos sexos (assexualidade); por crianças (pedofilia); por animais (bestialismo); por objetos inanimados, etc. Ainda que a atração heterossexual seja a tendencialmente dominante. As circunstâncias determinam circunstancialmente ou não a atração sexual.


Da interação sexual entre o homem e a mulher dependeu o desenvolvimento da humanidade. Nas últimas décadas, tem avançado, ainda que não em forma geral, com dificuldade e com eventuais recuos, o reconhecimento do direito democrático dos indivíduos de exercerem seus impulsos sexuais, forem quais forem, nos limites impostos pelo respeito aos seres e objetos de seus desejos. Um pedófilo não deve ser discriminado por sua orientação, tendo o direito, comumente negado, de satisfazer sua inclinação sexual de múltiplas formas, desde que não seja com as crianças - literatura, bonecos infláveis, etc. [RT, 17/01/2016.]


Tabula rasa

A “Teoria da Identidade de Gênero”, de viés irracionalista, impugnou esse consenso científico. Simplificando, ela propõe o desconhecimento da dualidade sexual biológica masculina e feminina, substituindo-a por uma identidade original de “gênero”. Para além dos órgãos sexuais, todos os seres humanos, ao nascerem, seriam fundamentalmente idênticos. A diferenciação em homens/masculinos e mulheres/femininos seria devido às influências culturais. O sexo seria uma determinação cultural e não biológica.


Os recém-nascidos seriam uma espécie de tabula rasa. Porém, devido à tradição cultural, a criança nascida com um pênis teria sido historicamente criada como homem, um ser do sexo masculino. E a criança nascida com uma vagina teria sido criada como mulher, um ser do sexo feminino. Portanto, crianças nascidas com um pênis ou com uma vagina teriam sua sexualidade determinada essencialmente pela educação. O gênero da criança se deveria dominantemente à cultura.


Essa concepção tem permitido, em alguns países e regiões, que os pais, que veem uma dissociação entre o sexo e o gênero de um seu filho ou filha, possam legalmente intervir com medidas educacionais, psicológicas, médicas, cirúrgicas, etc. para dissociá-los de seus marcadores biológicos de sexualidade, pênis ou vagina, ainda na infância e na pré-puberdade. Intervenções médicas e outras que têm resultado, há décadas, em graves sequelas, ressentidas pelas crianças, pré-adolescentes e adolescentes quando adultos.

O suicídio de David Reimer


David Reimer (1965-2004) foi o primeiro e mais célebre caso de redesignação sexual. Devido a um acidente com seu pênis, quando de circuncisão, foi criado como menina desde bebê, tendo seus testículos extirpados e recebendo tratamento hormonal, procedimentos médicos sugeridos pelo citado John Money, que supervisionou a experiência por longos anos. Em torno dos nove anos, Reiner passou a assumir-se como homem, sofrendo tentativas reparadoras cirúrgicas e hormonais de sua masculinidade, com penosas sequelas físicas e psíquicas. Aos 38 anos, David Reimer se suicidou, tendo deixado um relato publicado anteriormente sobre suas adversidades com a intensão de pôr um fim a tais procedimentos, antes da idade adulta. No que, como vemos, fracassou.


A “Teoria da Identidade de Gênero” defende, como vimos, que genitores que veem ou sintam uma filha no corpo de um filho, ou vice-versa, possam e devam implementar, em geral em forma irreversível, ablações de órgãos sexuais, tratamentos hormonais, interrupções da puberdade, etc. Em palavras simples, redirecionar, com recursos médicos, psíquicos e cirúrgicos, a orientação sexual da criança, antes mesmo que ala chegue à puberdade. Ou seja, antes que atinja o amadurecimento sexual e a maioridade que lhe permitam decidir sobre seu corpo. Os programas e iniciativas de redesignação sexual precoce são logicamente apoiados pelo complexo hospitalar-farmacêutico.


Essas intervenções intempestivas são defendidas eventualmente por pais, adultos e autoridades públicas como necessárias à saúde físico-psíquica de crianças sem capacidade efetiva de decidir sobre elas. Estranhamente, as comunidades ocidentais favoráveis à “Teoria da Identidade de Gênero”, que defendem, com um ardor talibã, o direito dos pais à mutilação dos filhos, são em geral os mais fervorosos críticos da ablação não apenas do clitóris que ainda hoje sofrem centenas de milhares de meninas através do mundo.

Imperialismo revolucionário

J. Biden tem-se pronunciado em forma dura contra os governadores conservadores ianques que estão proibindo intervenções na sexualidade de crianças e de adolescentes antes da maioridade, devido ao caráter irreversível e às graves sequelas desses tratamentos. Proibições acompanhadas, comumente, de medidas homofóbicas e retrógradas. Mas não devem reclamar, os que deixam a bola picar na pequena área! Nos anos 1990, antes da virada identitária do Partido Democrata, o senador J. Biden votou contra o casamento homossexual. [MARIE CLAIRE, 2022.]


A multiplicação incessante dos gêneros atualmente propostos exigiria a literal liquidação do binarismo biológico sexual homem-mulher. Os indivíduos seriam livres, portanto, para exigirem, além do direito inarredável de praticarem livremente suas orientações sexuais, o reconhecimento legal como seres em tudo idênticos ao gênero-sexo aos quais se identificam. Não se trata, portanto, do simples e indiscutível direito de registro nos documentos de identidade para superação de constrangimentos. Um travesti não apenas obteria registro de identidade com um nome de mulher, se transformaria em uma mulher.

Um homem que, em um determinando momento, decida definir-se como mulher, deveria ser tratado legalmente como tal pelo Estado, assumindo como única diferenciação, não necessariamente explicitada, ser mulher transgênero, ou trans. Portanto, teríamos, no mínimo, dois gêneros de mulheres, a transgênero ou trans e a cisgênero ou cis. Na última classificação estariam as mulheres ajustadas psicológica e sexualmente às suas determinações biológicas, superlativamente dominantes. O mesmo ocorrendo com os homens, agora divididos em trans e cis.


Essa construção ideológica de identidades abandona o porto seguro das reivindicações pelos direitos de expressão e defesa de todas as orientações sexuais, para navegar os mares do absurdo. Adotada em regiões do mundo liberal-imperialista, suas propostas naufragaram e naufragam inevitavelmente contra os escolhos do mundo real. E, sobretudo, ela permite que a direita e a extrema-direita aproveitem-se dela para reforçarem a agitação conservadora e a intolerância entre a grande população para com as comunidades e práticas sexuais ditas não ortodoxas.

Doce prisão

O mundo real ocupou-se de revelar os absurdos dessas propostas. Desde 2021, em Nova Jersey, nos USA, permite-se que homens, que se definam como mulheres, cumpram pena em presídios femininos, de convivialidade e regimes menos duros em relação aos masculinos. Demi Minor, homem que se definiu mulher trans, condenado à prisão perpétua por assassinato, exigiu e obteve o direito de ser encarcerado em cela com duas outras detentas, que engravidou em relações consensuais. O que ensejou o fim de tal prática. [GAZETA DO POVO, 2023.]


Tem-se registrado frequentes atos de violência contra prisioneiras, de transexuais aprisionados em prisões femininas, com destaque para os estupros. [CATRACA, 2018.] No Brasil, presos condenados por violação se declaram habitualmente homossexuais para terem direito ao espaço protegido garantido aos gays. Poderão optar por presídios femininos, caso aquele direito seja reconhecido no Brasil, como se tem reivindicado. [DORNELLES, 2020.]


Com atletas homens se auto-definindo como mulheres trans, avança a proibição de federações desportivas de que eles participem de competições femininas - natação, ciclismo, vôlei, basquete, atletismo, levantamento de peso etc. Decisão apoiada em suas vantagens relativas quanto às atletas mulheres. É a realidade biológica objetiva se impondo sobre os devaneios político-ideológicos. [CNNBRASIL, 2023.] J. Biden tem se pronunciado contra essa discriminação.


Nas competições mistas, as mulheres são tendencialmente prejudicadas devido à desigual conformação, em diversos aspectos da fisiologia feminina em relação à masculina, - altura, força, velocidade, etc. A diferença entre o maior valor feminino e masculino no levantamento do peso supera os cem quilos. Lideranças feministas têm denunciado a autodefinição de homens como mulheres como outra intervenção-invasão masculina no espaço feminino, pondo mulheres em situação de inferioridade, de insegurança, diluindo reivindicações históricas específicas às mulheres - maternidade, amamentação, etc. [DORNELLES, 2020.]

Em defesa da família

Os desdobramentos discursivos da “Teoria da Identidade de Gênero” têm alcançado pináculos do absurdo, como a proposta de que homens também podem ser mães! Proposta assustadora! Que me desculpe meu pai! Eu não o trocaria, jamais, pela minha querida mamãe! E não creio que meu filho aceite igual troca! Mas ninguém se assusta, já que não há esse perigo. Essa proposta da “Teoria da Identidade de Gênero” tenta apenas disfarçar em forma malandra o fato de que “homens transgêneros” são mulheres biologicamente em tudo iguais às demais, caso mantenham o sistema reprodutor. [FLEURITY, s.d.]


Essas formulações esdrúxulas permitem, como proposto, que a extrema-direita galvanize e, mesmo, aterrorize, sobretudo a população social e culturalmente mais atrasada. Em geral, a direita conservadora propõe como objetivo, dos governos que apontam de esquerda, a aplicação forçada e geral da “Ideologia de Gênero”. Em outras palavras, de pretenderem impor a manipulação arbitrária da sexualidade dos recém-nascidos e crianças pequenas, entre outras ações diabólicas. Trataria-se, assim, de um ataque à “família”. E vai argumentar contra essa doutrinação conservadora, no contexto da difusão das sandices revolucionárias da “Teoria da Identidade de Gênero”, que conhece o apoio da grande mídia.


E, não raro, servindo-se da denúncia da “Ideologia do Gênero”, setores políticos e religiosos de extrema-direita conquistam o consenso contra direitos do exercício e da expressão plena, sem restrições, das múltiplas orientações sexuais. Atacam o direito de casamento, de adoção, de expressão artística, etc. das comunidades homossexuais. Assim, a vanguarda da revolução da identidade de gênero contribui fortemente, no seu autismo individualista, ao recuou de avanços de direitos civis duramente obtidos.


Apoiados no compreensível e sadio medo de pais, avós, etc., hétero e homossexuais, de que seus filhos e netos pequenos e pré-púberes recebam como educação sexual os desvarios da “Teoria da Identidade de Gênero” [homens parindo e menstruando; filhos apenas de mães; escolha aleatória da orientação sexual, etc.], políticos reacionários conseguem barrar a necessária educação sexual nas escolas públicas. Na Florida, acaba de ser proibida a educação sexual e a divulgação da “identidade de gênero” nas escolas públicas, à exceção da informação sobre a reprodução. [G1, 19/04/2023.]

Idealismo e Materialismo


As origens da “Teoria da Identidade de Gênero” são múltiplas e complexas, salvo engano, carecendo de uma crítica marxista estrutural. Epistemologicamente, ela se insere no conflito histórico entre o idealismo e o materialismo, com a defesa de um mundo determinado subjetivamente, autônomo à materialidade dos fenômenos objetivos. Um mundo onde a vontade e a decisão individuais constroem uma materialidade fantasmagórica. Nele, eu sou o que pretendo ser. Ponto final. Amigo medievalista [gay] tem-se perguntado se, na “Teoria da Identidade de Gênero”, não teria a “influência do platonismo e do cristianismo nesse desrespeito” a um corpo “que teria de se ajustar à ideia?”


A “Teoria da Identidade de Gênero” materializou-se nas entranhas de facções liberais pequeno-burguesas centradas em suas sofrências, universalizadas e projetadas por sobre e para além das necessidades de todos que lhes são estranhos. Nessa dissolução do mundo e de suas contradições sociais objetivas, minha subjetividade se materializa como o epicentro do mundo, como o alfa e o ômega da minha história, que nasce e se encerra em mim.


Elevo-me a metro do mundo, senhor da fala, transformando-me em um estranho Prometeu que se aquece eternamente no fogo que produz, despreocupado com a humanidade que deveria iluminar. Constituo-me como profeta e libertador do meu próprio umbigo divinizado. Associo-me apenas a uma infinidade de outras individualidades auto-centradas, que me espelha e se espelha em mim.


A “Teoria da Identidade de Gênero” vive obcecada pelo protagonismo que abomina associação ou identificação que arranhe o meu empoderamento singular. Desemboca, portanto, na impossibilidade constrangedora de assinalar, mesmo que seja apenas com uma letra, os infindáveis gêneros singulares que emergem incessantes em suas especulações fantasiosas, elevados ao status de natureza humana. Negando-se a usar o alfabeto mandarim, agrega um + onde deveria colocar um ∞. Atualmente, os gêneros catalogados já superam os sessenta! Todos com seu programa próprio, singular e irredutível. [ABCNews, 13.02.2014.] A unidade do mundo social é dissolvida pela singularidade infinita.

Função Político-Social

A função político-ideológica conservadora da “Teoria da Identidade de Gênero” se registra quando suas reivindicações fantasmagóricas, próprias às classes médias liberais, ocupam o centro da atividade militante de esquerda e de organizações se reivindicando do marxismo. Consolidam-se, assim, o programa e as reivindicações de segmentos sociais voltados sobre si, que ignoram e desprezam às necessidades materiais das classes trabalhadoras, assalariadas, marginalizadas, etc., que não as atingem.


Insuficiências econômicas e sociais dramáticas que comprometem patologicamente todos os aspectos da existência humana - físicos, subjetivos, psíquicos, afetivos, sexuais, etc. Classes sociais exploradas das quais dependem a emancipação social e a superação tendencial de todas as opressões, sem exceções.


Facções das classes médias que vivem suas opressões, em geral sem contradições maiores, caso bem situadas socialmente. Através do mundo dito desenvolvido, temos banqueiros, generais, juízes, primeiro-ministros, governadores, senadores, prefeitos, sindicalistas, etc. homossexuais masculinos e femininos. Nesse universo, a homossexualidade se constitui como um nicho mercadológico do capital. [TRAVEL365, 2023.] E a pecha social que eventualmente conhecem constitui opressão não classista, a anos-luzes da classista, sofrida pelos trabalhadores, assalariados, marginalizados de todos os gêneros, opressão da qual o capital depende estruturalmente, não podendo viver sem ela. A análise científica exige a definição da interdependências e hierarquização dos fenômenos sociais.


A “Teoria da Identidade de Gênero”, parte do câncer identitário, realiza um enorme estrago político e social. Não apenas no Brasil, galvaniza sobretudo jovens das classes médias, com destaque para os universitários, com importante peso relativo nas organizações de esquerda. Em geral, essas organizações, com limitados vínculos com as classes trabalhadoras, abandonam o difícil objetivo de organizar-se por local de trabalho, junto aos oprimidos. Constroem, ao contrário, com sucesso, coletivos “negros”, “feministas”, etc., formados sobretudo por estudantes. Coletivos que definem suas próprias políticas e reivindicações, sob o pretexto da autonomia sectorial. Uma reorientação que permite realizar, com o voto das classes médias, o sonho dourado do eleitoralismo atualmente vicejante na esquerda marxista brasileira: eleger parlamentares pagos regiamente pelo Estado.

Revolucionários que o capital gosta

Uma frente estudantil de organização política que, ao menos, até há pouco, se assumia como marxista-revolucionária, propõe, para o 59 Congresso da Une, uma campanha nacional que defenda a “centralidade” da reivindicação de “cotas” universitárias para a “população trans”. Ou seja, privilégios no ingresso na universidade pública aos bissexuais, assexuais, homossexuais e todos os demais LGBTQIAPN+. O que torna semi-leprosos os jovens do sexo masculino e feminino ditos cis! Aquela frente estudantil propõe todo o pacote da “Teoria da Identidade de Gênero”. Com destaque para a irresponsável defesa de liberalização dos “procedimentos médicos para a transição de gênero” para “crianças” e a “participação” de homens que se definam como mulheres [“mulheres trans”] “nas competições esportivas” femininas. Imaginemos um Maguila trans em uma competição de boxe feminino! [Afronte, 2023/07/10.]


Essa adesão à pauta neoliberal “cotista” cobre com um verniz progressista o abandono miserável da luta histórica pela universidade pública, gratuita e de qualidade para todos, sem exceções. Reivindicação democrática que tem como corolário a estatização de todo o ensino superior privado. Programa de concretização possível, ainda mais em um país riquíssimo como o Brasil. Entretanto, tal proposta exigiria o deslocamento de ingentes recursos públicos para a satisfação da efetiva democratização no ensino. Recursos utilizados pelos governos atuais e anteriores para satisfazer e alavancar os grandes, médios e pequenos interesses privados. As cotas, ao contrário, distribui recursos já alocados para a universidade pública, em incessante regressão diante do ensino privado, sobretudo controlado pelo capital internacional.


Permitam-me agregar a essas ponderações as recordações e perplexidade de quem já foi, no passado distante, militante universitário que se pretendia marxista-revolucionário. Em 16 de junho de 1969, fui preso, em operação noturna, com a companheira Sandra Machado, já falecida, pela Brigada Militar, que nos parou disparando, felizmente para o alto, três tiros. Nosso crime: estarmos pixando com sprays, a modernidade da época, nos muros da entrada traseira da PUC-RS, além do “fora Rockefeller”, reivindicação então conjuntural, a exigência da “estatização da PUC”. Ela era parte da defesa do ensino público universal das organizações revolucionárias estudantis e da própria UNE. Passei dez dias preso, sofremos processo na Justiça Militar, que pediu condenação de dois anos de cárcere para mim e para Sandra. Não houve exagero na repressão. A luta pela universidade para todos era proposta da esquerda temida pela ditadura militar, já que capaz de mobilizar centenas de milhares de jovens. Fica por conta do atual “admirável mundo novo”, que literalmente nos assombra, ver militantes que se reivindicam da revolução defendendo pauta do grande capital e do imperialismo, que agradecem comovidos, em associação com o atual governo Lula-Alckmin, tais reivindicações.

E a ciranda segue

A centralidade do mundo do trabalho e suas reivindicações gerais e específicas são enviadas às calendas. Salta-se por sobre a necessária luta contra o caráter classista, patriarcal, sexista, etc. da linguagem. Uma luta que expressa tendências profundas da luta de classes, latentes nos padrões populares da fala. Questões que a linguista Florence Carboni e eu abordamos, há anos, no livro A Linguagem escravizada: língua, história, poder e luta de classes. [CARBONI, MAESTRI, 2003.] Avança-se, ao contrário, como pauta da linguagem de “gênero” a proposta de modificações arbitrárias e artificiais da língua, estranhas e opostas à imensa maioria da população. Como a defesa do uso, para uma linguagem mais inclusiva, em lugar dos pronomes “ele” e “eles”, os novos pronomes neutros “elu” e “ile”, entre tantos outros.


Tudo isso enquanto, em respeito ao mundo evangélico, não se enceta luta dura em defesa das multidões de mulheres pobres estropiadas, feridas e mortas devido à criminalização e não inclusão do aborto nas prestações dos SUS. As reivindicações da “Teoria da Identidade de Gênero” avançam de vento em popa, sem qualquer mobilização efetiva pela libertação imediata e incondicional das multidões de mulheres presas por venderem uma trouxa de maconha para sobreviverem à miséria. Libertação de uma população prisional inofensiva que aterroriza as classes médias, que entretanto compra e fuma seus baseadinhos. O que é, diga-se de passagem, um direito de todos.


Para não falarmos no verdadeiro genocídio silencioso de travestis pobres que se pratica impunemente no Brasil, sem qualquer mobilização real das ditas esquerdas. Sem esquecer, finalmente, da escravidão assalariada a que, no presente governo, como nos anteriores, é submetida uma imensa parcela das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros, de todos os gêneros imagináveis, pela decretação arbitrária do salário mínimo em 1.320 reais, uma pequena parcela do seu real valor. Uma outra mega carícia ao mundo do capital, pequeno, médio, grande.

Agradecemos à gentil leitura e comentários da linguista Florence Carboni, do historiador P.P. e do médico G.D.


Mário Maestri

75 anos, historiador, é autor, entre outros, de Revolução e contra-revolução no Brasil: 1530-2019. 2 edição. Porto Alegre: FCM Cultura, 2019.

Bibliografia citada

ABCNews, 13.02.2014. Aqui está uma lista de 58 opções de gênero para usuários do Facebook. https://abcnews.go.com/blogs/ headlines/2014/02/heres-a-list-of-58-gender-options-for-facebook-users

AFRONTE. Sonhar exige luta: Afronte! vai ao 59º Conune lutar pelas cotas trans nas universidades. https://esquerdaonline.com.br/2023/07/10/sonhar-exige-luta-afronte-vai-ao-59o-conune-lutar-pelas-cotas-trans-nas-universidades/

CARBONI, Florence & MAESTRI, Mário. A linguagem escravizada: língua, história, poder e luta de classes. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2003.

CATRACA LIVRE, 2018. Estupradora trans é acusada de abusar de mulheres na prisão. https://catracalivre.com.br/cidadania/estupradora-trans-e- acusada-de-abusar-de-mulheres-na-prisao/

CNNBRASIL, 07/04/2023, Federação de Atletismo proíbe mulheres transgênero em competições femininas. https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/federacao-de-atletismo-proibe-mulheres-transgenero-em-competicoes-femininas/

DORNELLES, Tatiana Almeida de Andrade. O Supremo Tribunal Federal e os transgêneros em presídios femininos: análise crítica da ADPF 527. Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 19, n. 55, jan./dez. 2020. [Disponível na internet.]

FLEURITY, sd. É possível um homem engravidar? Conheça como é a gravidez de um homem trans. https://loja.fleurity.com.br/blogs/blog/conheca-como-e-a-gravidez-de-um-homem-trans.

GAZETA DO POVO, 2023. Prisioneira trans engravida colegas e é transferida nos EUA. https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/breves/prisioneira-trans-engravida-colegas-e-e-transferida-nos-eua/

G1, 19/04/2023. Flórida bane educação sexual em escolas do estado https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/04/19/florida-bane-educacao-sexual-em-escolas-do-estado.ghtml

MARIE CLAIRE, 31.03.2022. Biden afirma que pessoas trans são 'feitas à imagem de Deus’. https://revistamarieclaire.globo.com/Feminismo/noticia/2022/03/biden-afirma-que-pessoas-trans-sao-feitas-imagem-de-deus.html]

RT, 17/01/2016. Chocante: empresa cria bonecas de meninas infláveis "para evitar crimes de pedófilos”. https://noticias.r7.com/internacional/fotos/chocante-empresa-cria-bonecas-de-meninas-inflaveis-para-evitar-crimes-de-pedofilos-18012016

TRAVEL365, Turismo LGBT: Top 5 Paesi più Gay-Friendly del Mondo. https://www.travel365.it/turismo-lgbt-paesi-piu-gay-friendly-del-mondo.htm

sábado, 3 de junho de 2023

Resenha crítica do Quarto de Despejo

junho 03, 2023


    O Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus teve o lançamento de sua primeira edição no ano de 1960. Essa referida obra tem por gênero textual prevalente o gênero narrativo, em qual Carolina utiliza-se do seu cotidiano em forma de diário pessoal. Além disso, no respectivo livro a linguagem prevalente é a coloquial, no qual Carolina Maria de Jesus escreve tal qual fala, e isso foi mantido na obra, para que ela não perdesse sua essência e se apropriando da licença poética.

    Carolina Maria de Jesus nasceu no estado de Minas Gerais, e acabou se mudando para a cidade de São Paulo em 1947, período em que o processo de favelização estava em um crescimento desordenado. Como resultado de sua escrita, que tinha e tem o poder de aproximação com o público, Carolina foi uma das primeiras escritoras negras do Brasil, e uma das mais lidas nesse país. A autora trouxe fortemente em seu livro a favela como um todo, e todas as especificidades e singularidades que permeavam o meio em que vivia. Carolina, morou com os três filhos durante a sua vida em uma das metrópoles mais industrializadas e com desigualdade do Brasil, em São Paulo na favela de Canindé, relatada por ela ao longo de sua escrita destacando a sua miserabilidade e sua marginalização.

   A estrutura do livro, como já mencionado aqui, deu-se por uma estrutura de tipo textual de Diário, o qual foi dividido por dias do mês, cada dia tinha sua característica própria, nunca trazendo informações repetitivas, a não ser pelo fato dela se referir da sua ocupação como catadora de papéis. Todo esse estilo presente no decorrer da obra traz uma singularidade pouco vista em outras obras renomadas da nossa literatura. Ademais, essa questão talvez seja uma das que mais me chamaram atenção durante toda a leitura, senti uma aproximação durante várias linhas com a Carolina, por conta da sua escrita mantida verdadeiramente como ela era, informal e coloquial, porém esplendorosa. Essa proximidade faz com que estejamos cada vez mais imersos no mundo dela, muitas vezes nos perdendo do nosso.

    Quarto de Despejo, também chamado por muitas vezes de: “Diário de uma Favelada”, tornou-se ao longo dos anos uma obra atemporal, na qual resguarda em seu seio expressões da questão social brasileira, ainda mais escancarada durante a Pandemia da Covid- 19. Além, da fome, que é por muitos a questão mais destacada durante a obra, Carolina relata várias situações cotidianas, do que acontece dentro e fora da favela. Porém, de formas tão convergentes e divergentes ao mesmo tempo. Talvez, por causa disso seu exemplar tenha sido considerado atemporal e sua leitura necessária para que se entenda as mudanças das expressões sociais, políticas, econômicas, raciais, culturais vigentes hodiernamente.

  Por conseguinte, as discussões trazidas por ela durante todo o desenvolvimento de sua escrita são, entre tantas outras: questões raciais e de gênero, violência contra a mulher, a fome, as desigualdades, as falhas do sistema capitalista, a política fraudulenta do Brasil, o consumo excessivo de álcool, a branquitude e sua hegemonia, como também a questão da favelização desmedida na grande metrópole São Paulina e o desemprego. Evidencia-se ao desenrolar da leitura, que a expressão social da fome, embora seja uma das mais citadas após o encontro e estudo desse livro, ela não é a única expressão presente nas entrelinhas da redação de Carolina Maria de Jesus. Outros assuntos trazidos por ela, são de extrema relevância, concomitante à fome. Aliás, um dos pontos pertinentes expostos é a politicagem, na qual ela se refere durante muitas vezes que os “tais políticos” só lembram do povo da favela em época de eleição, e as promessas são sempre as mesmas, após o período eleitoral todas as promessas se evaporam, se esvaindo com o mandato do(a) candidato(a).

    Outra discussão recepcionada por Carolina, trata-se da violência contra a mulher e a sua naturalização. Ela discorre sobre muitos atos de violências, inclusive a violência contra a mulher intrafamiliar e extrafamiliar. A exposição desses fatos é narrada por ela de maneira descritiva, tanto do ambiente, como na ação e omissão das pessoas que habitam ali naquele entorno da favela. A naturalização da violência de gênero contra a mulher é notória nos diálogos presentes na obra, quando ela insere a fala de algum morador ou moradora, trazendo justificativas tidas como consideráveis para a explicação daquela determinada conduta. Além dessas duas já citadas, pode-se trazer as desigualdades generalizadas e tão aparentes do desemprego, da fome e da marginalização, que estão presentes concomitantemente na obra e na contemporaneidade.

    Referindo-se a um dos pontos discutidos no exemplar, quando ela trata da fome, infere-se que é um ponto central trazido por Carolina. É algo que além de atingi-la fisicamente lhe atingia também moralmente e psicologicamente. Em muitos trechos do escrito, ela relatava a fome como uma das expressões sociais mais agressivas e desumanas. A necessidade de se apropriar do que tinha no lixo para se alimentar e alimentar seus filhos quando não conseguia catar materiais recicláveis necessários para seu sustento e dos seus, buscando algo menos fétido e apodrecido para que de alguma forma enganasse a fome. Em um desses trechos que têm a fome como personagem principal, pode-se citar:

Fui comprar carne, pão e sabão. Parei na banca de jornaes. Li que uma senhora e três filho havia suicidado por encontrar dificuldade de viver. (...) A mulher que suicidou-se não tinha alma de favelado, que quando tem fome recorre ao lixo, cata verduras nas feiras, pedem esmola e assim vão vivendo. (...) Pobre mulher! Quem sabe se de há muito ela vem pensando em eliminar-se, porque as mães tem muito dó dos filhos. Mas é uma vergonha para uma nação. Uma pessoa matar-se porque passa fome. E a pior coisa para uma mãe é ouvir esta sinfonia: - Mamãe eu quero pão! Mamãe, eu estou com fome! (p.56)

   A fome tem “cor amarela”, Carolina diz isso: "Eu sou negra, a fome é amarela e dói muito". Amarela da cor da bile que se vomita quando o estômago está vazio, amarela como o seu mundo embaçado pela tontura. Só sabe o desespero da fome, quem passa. Essa discussão é trazida pontualmente e expressivamente por Carolina, do começo ao fim de sua obra, apesar de ser uma das expressões da questão social mais mencionada, ela não era única, mas era a que mais doía, nela, e possivelmente no leitor também.

   Em síntese, o Quarto de Despejo é uma das obras excepcionalmente necessárias para a concepção e construção de uma criticidade referente a todas as desigualdades presentes em nossa sociedade, que perduram por décadas. O paralelo da década de 60 em qual a obra foi escrita com a contemporaneidade assusta e ao mesmo tempo instiga questionamentos e discussões pertinentes desse sistema capitalista vigente, e de todas as expressões que advêm dele. Tornando por si só, a naturalização de todas as desigualdades, sejam elas sociais, culturais, políticas, econômicas, raciais e de gênero. Carolina, evidencia com uma linguagem acessível e direta o que se passa dentro e fora da favela, fazendo com que se pense em situações de subalternidades. Há um fato narrado com grande repercussão que ela retrata que se o problema não é seu, e não é você que o sente ou o vê, ele não te atinge, ele não te toca e você fica indiferente a ele.

  Dessa maneira, ela expressa com maestria o que é a fome e a marginalização das favelas, porque ela sabe como ninguém as dores e as chagas que isso acarreta para as vidas dos favelados, pois ela, assim como tantos outros faz parte desse mundo, chamado favela.

Referências
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Francisco Alves, 2004.

Thaís Queiroz Castro