CARTA N. 1 SOBRE A CONJUNTURA
É difícil imaginar-se começar um texto de
conjuntura com uma digressão, mas é assim que principio esta carta.
A esquerda tem em si muitos desafios. Um
deles é de como unir análise e prática política. Há quem estabeleça no campo da
esquerda – que é vasto – uma relação exclusiva da análise concreta com os
desdobramentos teórico-estratégicos, quando, com efeito, a conexão mais imediata
é a que se dá entre análise e desdobramentos táticos. Algumas vezes, ao se
desprezar esse aspecto da questão, o analista da conjuntura tende a oferecer não
mais do que fórmulas gerais.
De fato, os desdobramentos táticos não
podem estar separados da teoria, dos princípios, do programa e da estratégia,
mas eles não podem ser um mero efeito repetitivo, automático e, portanto,
maquinal desses quatro elementos-chave.
Escrevo isso pensando, sobretudo, na
situação política nacional e internacional e no agrupamento de forças da
atualidade, questões que a esquerda, em suas distintas variantes, é obrigada a
enfrentar, exceto se vive em um mundo de fantasias.
Nessa quadra, em escala mundial, qual a
tarefa que deve mover centralmente os socialistas senão a de lutar contra a
extrema-direita? Isso quer dizer que o movimento socialista/comunista deve
desprezar o combate a uma esquerda de pequenas reformas, que, na América Latina
e em outras partes do mundo, segue o seu curso de inconsequência com relação ao
combate ao neofascismo em suas diferentes configurações?
Seguramente, não! Mas isso não significa
colocar um sinal de igual nos dois tipos de embate: o que se faz contra a
esquerda das pequenas reformas e o que se faz contra uma extrema-direita feroz
que quer esmagar os partidos de esquerda, os sindicatos e os movimentos
sociais. Na prática, essa geração nunca havia se deparado com um quebra-cabeças tão complicado.
Mirando o caso do Brasil, observa-se que
algumas vertentes políticas que apresentam uma crítica rotunda ao que
caracterizam como a “agenda neoliberal do governo Lula”, efetivamente, não
conseguem ir além do individualismo da subjetividade neoliberal, ao descolar a
sua crítica das “condições e da consciência de amplas camadas da classe
trabalhadora”, para tomar de empréstimo as palavras de Trotsky (2017, p. 21).
É verdade que as forças governamentais
preferem os bajuladores e não os militantes críticos. E, nesse sentido, é
louvável que haja militantes críticos ao governo, e não conformistas que passam
pano para os seus erros e as suas contradições. Nesse terreno pantanoso, de
certo, não é fácil encontrar um equilíbrio analítico e, muito menos, as táticas
justas que disso decorrem.
De minha parte, tenho acordo com o Lênin
(1989), particularmente quando ele assinalou que a correta teoria
revolucionária só assume forma final em contato estreito com a atividade prática
de um movimento verdadeiramente de massas e verdadeiramente revolucionário. Acontece
que esse contato estreito se faz inicialmente à luz de incontáveis mediações
táticas e, pensando nisso e na conjuntura nacional, entendo que nivelar o
lulismo e o bolsonarismo (“Fora todos”) é sugerir a validade da hipótese de que
o reformismo não apresenta diferenças importantes com relação à barbárie
política do neofascismo.
Nessa perspectiva, ainda que os
reformistas vacilem diante do enfrentamento à extrema-direita, isso não é
argumento que um marxista possa esgrimir para abdicar do chamado a táticas
unitárias diante da escalada da ultradireita, até porque, como já assinalara
Lênin (1989), não se deve desprezar os acordos e os compromissos com setores hesitantes
que influenciam ou dirigem amplas camadas da classe trabalhadora e do movimento
de massas.
A inflexão na correlação de forças no
Brasil é realizável, mas a condição necessária para isso é a classe
trabalhadora entrar em movimento, e, hoje por hoje, isso é improvável sem o
concurso das direções – social e politicamente – reconhecidas por essa classe.
Uns dirão que isso é difícil; outros que é impossível ou mesmo inadmissível por princípio. A meu ver, isso é renunciar ao combate, até porque é mais confortável falar sempre para o próprio auditório. Contudo, a linha de combate mais acertada nem sempre é a mais convidativa e agradável.
Fábio José de Queiroz, é professor da URCA-CE
Referências
LÊNIN, Vladimir. Esquerdismo, doença infantil do comunismo. Tradução de Luiz Fernando. 6. ed. São Paulo: Global Editora, 1989.
TROSKY, Leon. Programa
de Transição. Tradução de Ana Luiza da Costa Moreira. São Paulo:
Sundermann, 2017.