A hegemonia da "crítica" Zé Ruela
Nestes tempos onde meios de comunicação e informação instantâneos constituíram um dos maiores fenômenos de desinformação, ignorância e obscurantismo da história, um autêntico retrocesso intelectual (sim, não guardo entusiasmo nenhum pelo mundo digital), tornou-se muito comum o revisionismo do papel e da importância de certos autores e obras literárias.
Já vi muitas vezes gente dizendo que Machado não é essas coisas todas, que Cem Anos de Solidão é um livro confuso e ilegível, que o povo diz que gosta de Grande Sertão: veredas para passar por inteligente, mas que a obra é na verdade um saco, sem falar na crítica woke, incapaz de penetrar na obra ela mesma e que ressuscita a "crítica moral"...uma iconoclastia generalizada.
As pessoas podem ou não gostar de um livro. Inclusive obviamente de um livro tido como clássico. Eu pessoalmente, quando não gosto ou não consigo ler um gigante da literatura universal (travei na Ilíada/Odisséia, quase ficou pelo caminho em Dom Quixote, nunca ultrapassei as primeiras estrofes d'A Divina Comédia e dos Lusíadas, para ficar em poucos casos), evito emitir qualquer opinião sobre ele, respeito litúrgicamente sua condição de clássico, sua contínua presença na cultura através dos séculos, que por si só desautoriza uma diatribe mal educada de minha parte.
Mas é perfeitamente normal não gostar de obras que a coletividade mundial considera vigentes, válidas depois de tanto tempo de sua primeira publicação. Ninguém é obrigado a gostar de nada.
O que me incomoda é a critica do zé ruela que em duas ou três linhas, normalmente, desinformadas, esculacha de Homero e Dante a Machado, Guimarães e Gabo. Chato é o juízo ligeiro e debochado com que se descartam obras que, ignorando a ignorância do zé ruela, perduram.
Insuportável é a arrogância e o orgulho com que a incultura detona os clássicos como se falasse da sobremesa de que não gostou. Pior ainda é aquele clima de "agora vou dizer toda a verdade que ninguém teve coragem de dizer sobre Vidas Secas", tão típico destes tempos infernais de podcasts.
Meu filho, vai esculhambar Camões, pois então se arme, leia, se aprofunde na obra, em suma, estude. Não seja este personagem protagonista do mundo virtual, o zé ruela.
Eudes Baima, professor da UECE