domingo, 8 de junho de 2025

junho 08, 2025



 A hegemonia da "crítica" Zé Ruela 


Nestes tempos onde meios de comunicação e informação instantâneos constituíram um dos maiores fenômenos de desinformação, ignorância e obscurantismo da história, um autêntico retrocesso intelectual (sim, não guardo entusiasmo nenhum pelo mundo digital), tornou-se muito comum o revisionismo do papel e da importância de certos autores e obras literárias.


Já vi muitas vezes gente dizendo que Machado não é essas coisas todas, que Cem Anos de Solidão é um livro confuso e ilegível, que o povo diz que gosta de Grande Sertão: veredas para passar por inteligente, mas que a obra é na verdade um saco, sem falar na crítica woke, incapaz de penetrar na obra ela mesma e que ressuscita a "crítica moral"...uma iconoclastia generalizada.


As pessoas podem ou não gostar de um livro. Inclusive obviamente de um livro tido como clássico. Eu pessoalmente, quando não gosto ou não consigo ler um gigante da literatura universal (travei na Ilíada/Odisséia, quase ficou pelo caminho em Dom Quixote, nunca ultrapassei as primeiras estrofes d'A Divina Comédia e dos Lusíadas, para ficar em poucos casos), evito emitir qualquer opinião sobre ele, respeito litúrgicamente sua condição de clássico, sua contínua presença na cultura através dos séculos, que por si só desautoriza uma diatribe mal educada de minha parte.


Mas é perfeitamente normal não gostar de obras que a coletividade mundial considera vigentes, válidas depois de tanto tempo de sua primeira publicação. Ninguém é obrigado a gostar de nada.


O que me incomoda é a critica do zé ruela que em duas ou três linhas, normalmente, desinformadas, esculacha de Homero e Dante a Machado, Guimarães e Gabo. Chato é o juízo ligeiro e debochado com que se descartam obras que, ignorando a ignorância do zé ruela, perduram. 


Insuportável é a arrogância e o orgulho com que a incultura detona os clássicos como se falasse da sobremesa de que não gostou. Pior ainda é aquele clima de "agora vou dizer toda a verdade que ninguém teve coragem de dizer sobre Vidas Secas", tão típico destes tempos infernais de podcasts.


Meu filho, vai esculhambar Camões, pois então se arme, leia, se aprofunde na obra, em suma, estude.  Não seja este personagem protagonista do mundo virtual, o zé ruela.


Eudes Baima, professor da UECE

domingo, 18 de maio de 2025

maio 18, 2025



CARTA N.º 2 SOBRE CONJUNTURA: A CARESTIA

 

 

Nesta segunda carta, abordo o tema da carestia, aproveitando que o assunto diminuiu a sua circulação na mídia em geral, o que permite uma reflexão mais cuidadosa. Exposta a tese fundamental da carta, destaco que ela se divide em três pequenas partes: o legado do golpe (de Temer a Bolsonaro), os limites da resposta do governo Lula ao problema e, por fim, a apresentação de possíveis soluções.

 

O legado do golpe

 

Na esteira do golpe de 2016, que derrubou o governo de Dilma Rousseff, a internacionalização dos preços no Brasil deu um salto de vara que, entre outras coisas, liberou os preços dos combustíveis como gasolina e diesel (além do gás de cozinha), problema que ainda hoje afeta a população brasileira, embora o governo Lula tenha se desvencilhado do Preço de Paridade de Importação (PPI). 

Constata-se que essa questão não será resolvida sem recuperar a Petrobrás como estatal estratégica (conduta que deve orientar as ações das estatais de um modo geral), pondo um fim, inclusive, ao processo de privatização-financeirização da empresa, posta a serviço da sanha incontrolável dos especuladores por mais dividendos.

Como se sabe, o impacto do preço alto dos combustíveis e do GLP na economia geral do país é descomunal, provocando a elevação do custo de uma infinidade de produtos, tornando um inferno a vida do brasileiro comum.

Compare-se agora esse fenômeno articulado ao aumento do preço de alimentos que constituem parte inseparável do cotidiano das pessoas, e, decerto, esse inferno excede, em muito, as fantasias de Dante Alighieri, lembrando aqui o velho Marx. 

Nesse caso, a discussão exige um recuo no tempo. No caso dos produtos agrícolas, como no caso dos derivados do petróleo, os preços “se ajustam”, cada vez mais, às condições do mercado global. Nesse caso, também, os capitalistas não levam em conta nem as necessidades, sequer as particularidades, do mercado brasileiro.

A verdade é que, a pretexto de reestruturar a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), Jair Bolsonaro encerrou as atividades de 27 unidades do conjunto de armazéns que formam a estrutura material da companhia, o que trouxe prejuízos para agricultura familiar e, sobretudo, para os estratos mais socialmente desprovidos da população nacional. Em situação exatamente inversa, o governo do inelegível disponibilizou linhas de financiamento para o agronegócio cerealista construir ou expandir armazéns privados.

Antes de seguir, porém, cabe uma observação. A CONAB existe desde o começo da década de 1990 e, sem dúvidas, é a mais importante ferramenta política do Estado com relação à agricultura familiar. Logo, não surpreende como a extrema-direita, em seu ultraliberalismo, adote, no que se refere a essa companhia, uma atitude drasticamente destrutiva. Em suma, os 22 armazéns fechados e os outros 64 desprovidos de manutenção dão uma ideia exata do caráter antipopular e antioperário que marcou o governo liderado pelo golpista Bolsonaro.

Assim, em lugar da falsa história decantada pelos bolsonaristas, o que se viu foi o governo da extrema-direita zerar os estoques públicos de arroz, exatamente no ano da eleição presidencial, 2022. Aqui, não custa lembrar, no governo Dilma, as reservas de arroz eram da ordem de 1 milhão de toneladas. Por seu turno, o inelegível reduziu em 500 mil toneladas a capacidade de estocagem da CONAB (que, aliás, tem atualmente uma restrita capacidade de armazenar apenas 1,6 milhão de toneladas) e, como já citado, zerou o estoque de arroz. Eis o resumo da ópera.

 

Como o governo Lula responde ao tema da carestia?

 

Toda essa discussão remete o leitor a um assunto estratégico para qualquer país: segurança (ou soberania) alimentar. Nesse sentido, é necessário frisar que, em meados de 2023, o governo Lula retornou a política de estoque público de alimentos. Como refutação objetiva das relações econômicas próprias à ultradireita, o governo de Lula da Silva adquiriu 500 mil toneladas de milho com objetivo anunciado de assegurar preço mínimo para o produto e salvaguardar a renda do agricultor. Aqui é preciso sublinhar o impacto do preço do milho, que pode incidir sobre itens que compõem “a mistura” da maioria da população: frango, ovo e carne suína.

Parece não haver necessidade de comentar esse assunto para além do que já foi exposto. Em contrapartida, há de se indagar: Como abordar questões como o armazenamento de feijão ou a estocagem de arroz? No caso do arroz, o governo alega a contradição entre a necessidade de estocar e o alto preço do produto na atual conjuntura.

Nessa ótica, quando pretende o governo começar a armazenar arroz nas unidades da CONAB? A necessidade de formar estoques é nítida, até porque a carestia se tornou o centro de gravidade da economia popular. Os trabalhadores que ganham até dois salários-mínimos gastam mais da metade do ordenado com alimentos. A fome ameaça bater na porta de uns e já bate na porta de outros. No curto prazo, autorizar a importação de arroz soa apenas como uma admissão da ausência de prudência prévia. Ademais, a importação de produtos, seja ele ou arroz ou não, é sempre algo emergencial, e nem deveria existir.

Nesse quadro, no momento em que escrevo esta segunda carta, não há estoque de arroz, de feijão, de trigo, de café etc. Ou seja: não há reservas para garantir abastecimento e regular os preços de produtos que constituem a zona de costumes do sistema alimentar histórico do(a) brasileiro(a).

Na questão que interessa aos que ganham menos, o fato é que os supermercados seguem majorando os preços amplamente. Desse modo, e ao lado de tudo que anotei há pouco, a inflação dos alimentos se articula à falta de espaço para estocar alimentos, constituindo  uma ameaça à soberania alimentar do povo brasileiro, que não consegue acompanhar a variação ensandecida dos preços. 

A julgar pelos dados da economia e pelo desespero do trabalhador e da trabalhadora dentro do supermercado e no meio da feira, o trabalho só perde, ao passo que o capital não se cansa de se valorizar. Nem a iniciativa de aliviar o ônus fiscal da cesta básica tem sido suficiente para resolver o problema. Longe disso.

 

Que fazer?

 

Nos limites de uma carta premeditadamente sucinta, não há como entrar em detalhes, restando trabalhar com aquilo que julgo substancial para elucidação do debate.

Os dados expostos são particularmente importantes não apenas para ressaltar a natureza repugnante do golpe de 2016, bem como dos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, que, inapelavelmente, abriram caminho para essa situação na qual o Brasil se encontra, carente de soberania alimentar.

Mas esses dados são também importantes para destacar que um governo de reformas mínimas, quase ínfimas, mostra-se aquém das necessidades da ampla massa que o elegeu e nele confiou para buscar as possíveis soluções para as questões mais cruciais que atingem a maior parte da população.

A situação exige do governo Lula uma mudança de rumo, o que implica enfrentar os radicais do mercado com política social, com política de Estado, com ampla formação de estoques públicos, reforma agrária, crédito barato para agricultura familiar, deixando para trás a triste ideia de que os homens do agronegócio são heróis nacionais. 

Nesse domínio, as reformas dos armazéns não podem ser feitas a passos hesitantes. Elas precisam ser tratadas como prioridade. Do mesmo modo, a estocagem de produtos básicos e a garantia de preços acessíveis aos produtos da cesta básica. Para que esse processo avance, com condições de armazenagem, preços nacionalizados (o que reclama a reestatização do Banco Central e a defesa do país frente a avalanche especulativa) e, no final de tudo, a soberania alimentar, é preciso renunciar ao arcabouço fiscal, pois só assim as políticas sociais deixarão de aparecer aos olhos das massas como mera pintura de paredes arruinadas, enquanto os super-ricos dançam rock and roll na Flórida.


Fábio José de Queiroz, professor da URCA

 

sexta-feira, 28 de março de 2025

março 28, 2025

 

Foto: resistenciapsol50.com.br


CARTA N. 1 SOBRE A CONJUNTURA

 

É difícil imaginar-se começar um texto de conjuntura com uma digressão, mas é assim que principio esta carta.

A esquerda tem em si muitos desafios. Um deles é de como unir análise e prática política. Há quem estabeleça no campo da esquerda – que é vasto – uma relação exclusiva da análise concreta com os desdobramentos teórico-estratégicos, quando, com efeito, a conexão mais imediata é a que se dá entre análise e desdobramentos táticos. Algumas vezes, ao se desprezar esse aspecto da questão, o analista da conjuntura tende a oferecer não mais do que fórmulas gerais.

De fato, os desdobramentos táticos não podem estar separados da teoria, dos princípios, do programa e da estratégia, mas eles não podem ser um mero efeito repetitivo, automático e, portanto, maquinal desses quatro elementos-chave.

Escrevo isso pensando, sobretudo, na situação política nacional e internacional e no agrupamento de forças da atualidade, questões que a esquerda, em suas distintas variantes, é obrigada a enfrentar, exceto se vive em um mundo de fantasias.

Nessa quadra, em escala mundial, qual a tarefa que deve mover centralmente os socialistas senão a de lutar contra a extrema-direita? Isso quer dizer que o movimento socialista/comunista deve desprezar o combate a uma esquerda de pequenas reformas, que, na América Latina e em outras partes do mundo, segue o seu curso de inconsequência com relação ao combate ao neofascismo em suas diferentes configurações?

Seguramente, não! Mas isso não significa colocar um sinal de igual nos dois tipos de embate: o que se faz contra a esquerda das pequenas reformas e o que se faz contra uma extrema-direita feroz que quer esmagar os partidos de esquerda, os sindicatos e os movimentos sociais. Na prática, essa geração nunca havia se deparado com um quebra-cabeças tão complicado.

Mirando o caso do Brasil, observa-se que algumas vertentes políticas que apresentam uma crítica rotunda ao que caracterizam como a “agenda neoliberal do governo Lula”, efetivamente, não conseguem ir além do individualismo da subjetividade neoliberal, ao descolar a sua crítica das “condições e da consciência de amplas camadas da classe trabalhadora”, para tomar de empréstimo as palavras de Trotsky (2017, p. 21).

É verdade que as forças governamentais preferem os bajuladores e não os militantes críticos. E, nesse sentido, é louvável que haja militantes críticos ao governo, e não conformistas que passam pano para os seus erros e as suas contradições. Nesse terreno pantanoso, de certo, não é fácil encontrar um equilíbrio analítico e, muito menos, as táticas justas que disso decorrem.

De minha parte, tenho acordo com o Lênin (1989), particularmente quando ele assinalou que a correta teoria revolucionária só assume forma final em contato estreito com a atividade prática de um movimento verdadeiramente de massas e verdadeiramente revolucionário. Acontece que esse contato estreito se faz inicialmente à luz de incontáveis mediações táticas e, pensando nisso e na conjuntura nacional, entendo que nivelar o lulismo e o bolsonarismo (“Fora todos”) é sugerir a validade da hipótese de que o reformismo não apresenta diferenças importantes com relação à barbárie política do neofascismo.

Nessa perspectiva, ainda que os reformistas vacilem diante do enfrentamento à extrema-direita, isso não é argumento que um marxista possa esgrimir para abdicar do chamado a táticas unitárias diante da escalada da ultradireita, até porque, como já assinalara Lênin (1989), não se deve desprezar os acordos e os compromissos com setores hesitantes que influenciam ou dirigem amplas camadas da classe trabalhadora e do movimento de massas.

A inflexão na correlação de forças no Brasil é realizável, mas a condição necessária para isso é a classe trabalhadora entrar em movimento, e, hoje por hoje, isso é improvável sem o concurso das direções – social e politicamente – reconhecidas por essa classe.

Uns dirão que isso é difícil; outros  que é impossível ou mesmo inadmissível por princípio. A meu ver, isso é renunciar ao combate, até porque é mais confortável falar sempre para o próprio auditório. Contudo, a linha de combate mais acertada nem sempre é a mais convidativa e agradável.


                                           Fábio José de Queiroz, é professor da URCA-CE


 

Referências

LÊNIN, Vladimir. Esquerdismo, doença infantil do comunismo. Tradução de Luiz Fernando. 6. ed. São Paulo: Global Editora, 1989.

TROSKY, Leon. Programa de Transição. Tradução de Ana Luiza da Costa Moreira. São Paulo: Sundermann, 2017.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

BLOCO DE NOTAS: COORDENADAS DA IDEOLOGIA NEOLIBERAL

janeiro 03, 2025



O neoliberalismo vem sendo uma ideologia bem-sucedida desde a segunda metade do século XX até os dias atuais, representando uma ofensiva do capital contra as forças do trabalho, permeando inúmeros aspectos da totalidade social.


O neoliberalismo orienta a ordem econômica mundial e a estruturação das instituições políticas. As ideias neoliberais transformaram o horizonte cultural contemporâneo, hegemonizando debates teóricos e disciplinas sociais, modificando o panorama intelectual e contribuindo para o fortalecimento de um senso comum cada vez mais alienado.


Mesmo não sendo um projeto simples e monolítico, é possível estabelecer coordenadas fundamentais do neoliberalismo. 


Em primeiro lugar, o neoliberalismo é um programa intelectual, isto é, um conjunto de ideias básicas compartilhadas por economistas, filósofos, sociólogos, religiosos, militares entre outros intelectuais orgânicos vinculados ao horizonte da ordem do capital.  No fundamental, dizem defender a restauração do liberalismo ameaçado pelas tendências democráticas, populares e coletivistas do século XX. 


Em segundo lugar, o neoliberalismo é, também, um programa político, ou seja, uma série de leis, arranjos institucionais, estratégias de política econômica e fiscal, resultantes de ideias liberais com o objetivo de deter e desmantelar conquistas sociais dos trabalhadores e povos.

O sociólogo mexicano Fernando Escalante Gonzalbo em seu livro História mínima do liberalismo (2024) indica um conjunto de teses básicas que formam a coluna vertebral da ideologia neoliberal presente em nossos dias.

   

Primeira tese, o neoliberalismo se caracteriza por ser diferente do liberalismo clássico do século XIX, inclusive ele faz uma crítica a esse liberalismo anterior. Os neoliberais recuperam, por exemplo, de Adam Smith a metáfora da “mão invisível” do mercado. No entanto, consideram que o mercado não é algo natural, porque não surgiria de maneira espontânea nem se sustentaria sozinho, precisando ser criado, apoiado, defendido pelo Estado. Noutras palavras, não é bastante o laissez-faire (deixar fazer) para que o mercado surja e funcione. Como consequência, para os neoliberais o Estado tem um papel mais ativo do que para os liberais clássicos. O programa neoliberal não pretende eliminar o Estado, nem o reduzir ao mínimo possível, mas transformá-lo para sustentar e expandir a lógica do mercado para todas as esferas da vida social.


Segunda tese, o mercado é, em essência, um mecanismo para processar informação, que por meio do sistema de preços permite saber o que os consumidores querem, o que se pode produzir, quanto custa produzir. Nesse sentido, o mercado é a única possibilidade real para processar toda essa informação, oferecendo a única solução eficiente para os problemas econômicos e a única opção realista para alcançar o bem-estar.  A melhor alternativa é a concorrência que permite aos preços se ajustarem automaticamente para que, simultaneamente, garantam o melhor uso possível dos recursos. Além dessa vantagem técnica, há o aspecto moral que permitiria a cada pessoa organizar sua vida em várias dimensões de acordo com seu próprio juízo, seus valores, suas ideias do que é bom e desejável. Logo, o mercado seria a expressão material e concreta da liberdade. Não existindo alternativa. Pior, toda interferência no funcionamento do mercado significaria um obstáculo, seja proibindo alguém trabalhar mais de doze horas ao dia ou buscar petróleo destruindo o meio ambiente. Por isso, os neoliberais tendem a desconfiar da democracia, isto é, da soberania popular. O mercado garantiria, em última instância, a liberdade individual.


Terceira tese, a superioridade técnica, moral e lógica do privado sobre o público. A explicação geral é que, em comparação com o privado, o público é sempre menos eficiente. O público seria, quase por definição, propenso à corrupção, algo inevitavelmente político, desonesto, turvo. Por isso, deve-se preferir, sempre que possível, uma solução privada.


Essas ideias básicas da ideologia neoliberal são enunciadas sob várias formas e implementadas de maneiras diversas, mas o resultado é sempre o mesmo: aumento da desigualdade social, da repressão estatal, das guerras e de inúmeros tipos de opressão.

 

Frederico Costa, professor da UECE

 

Referências

GONZALBO, Fernando Escalante. História mínima do neoliberalismo. São Paulo: Veneta, 2024.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

BLOCO DE NOTAS: A MÃO NA EVOLUÇÃO HUMANA

janeiro 01, 2025




A evolução da espécie humana e de suas características sociais possui inúmeras ramificações e becos sem saída. Em determinado estado evolutivo surgiram diversas formas, em seguida uma delas supera as outras progressivamente por causa de sua maior eficácia ou por outras razões. É um processo rico e complexo, que talvez não seja possível reconstruir em todos os detalhes, mas que pelo menos pode ser possível uma aproximação de seus contornos gerais.

É fato que a fabricação e utilização de ferramentas (meios de trabalho) exerceram uma pressão evolutiva sobre a biologia do desenvolvimento da espécie humana. Essa pressão seletiva agiu sobre a estrutura da mão e da cognição, na parte do cérebro que controla a mão.

 

De acordo com Silvana Condemi e François Savatier (2019), a evolução das fabricações líticas (instrumentos de pedra) corresponde à evolução da própria mão.  Pois, essa extremidade tão particular é um dos resultados distintivos da hominização, e a mão humana é muito distinta da “mão” de outros hominídeos. O processo evolutivo a diminuiu, o que é evidente em relação ao polegar, mas os outros dedos também, tornaram-se curtos em comparação aos dos chimpanzés, por exemplo.


A mão humana é constituída de 29 ossos, com um número idêntico de articulações, de 35 músculos e de uma vasta rede de nervos, artérias e, sobretudo, possui  mais de cem tendões. As falanges humanas não são curvas como as dos macacos. O polegar humano, o mais robusto dos dedos, é opositor, e seu controle mobiliza sozinho nove músculos e três nervos principais da mão. Por causa dessas diversas ligações é que os dedos humanos se movem individualmente com tanta destreza.


Na prática, isso se efetiva nas inúmeras posições que a mão pode adotar: desenha uma forma de gancho aberto ou fechado de diversas maneiras; constitui um ponto de apoio e um instrumento de preensão polivalente, tanto em força como em precisão; serve como percutor (um instrumento usado nas indústrias líticas, ferramentas de pedra); concha para beber; instrumento de medição, entre outras funções. A mão é usada, segundo Marx (2013), na apropriação imediata do objeto na atividade coletora serve como meio de trabalho. Em síntese, é uma espécie de máquina-ferramenta inteligente, que se reprograma quase instantaneamente em função das informações coletadas pelos múltiplos captadores sensoriais de que dispõe.


Esses micros sensores fazem da mão um órgão de informação e de comunicação. A existência de numerosas fibras, sobretudo na palma e nas extremidades dos dedos – mais de dezessete mil – proporciona um tato modulado pela sensibilidade, fazendo com que por meio dela se tenha contato com o mundo material.


Sem que os seres humanos tenham consciência, a mão fornece cotidianamente inúmeras informações sutis sobre a forma, a natureza, o aspecto de tudo que cerca os indivíduos e sobre o estado emocional de outros seres humanos. Também, reflete a extensão da cognição humana. Estima-se que essas atividades mobilizem cerca de um quarto de zonas do cérebro dedicadas aos movimentos, em particular, o córtex motor (situado na parte posterior do lombo parietal), associado aos movimentos voluntários, e uma parte dos neurônios do cerebelo, desencadeando movimentos coordenados. Dessa forma, as capacidades motrizes e sensitivas da mão puderam contribuir para o aumento de nossa cognição e para o tamanho do cérebro humano.


Frederico Costa, professor da UECE

 

Referências

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.

CONDEMI, Silvana e SAVATIER, François. As últimas notícias do Sapiens: uma revolução nas nossas origens. São Paulo: Vestígio, 2019.

 

* Foto:© Photka / Fotolia