segunda-feira, 27 de maio de 2019

Uma conversa sobre literatura: A angústia da existência




Olá, eu me chamo Antônio Marcondes, sou professor do curso do Pedagogia da UECE, membro do GPOSSHE, membro do GEM, Grupo de Estudos Marxistas da UFC, e hoje vamos conversar um pouco sobre literatura!

Bem pessoal, eu vou falar um pouco de três livros que li recentemente. Ivan Tuguêniev, um russo que escreveu o livro DIÁRIO DE UM HOMEM SUPÉRFLUO, essa obra é de 1850 e a crítica literária a considera como um marco no que na literatura russa, principalmente, muito conhecido a partir de Dostoiévski, ficou marcado a ideia de O Homem do Subsolo.


Então, essa perspectiva do personagem literário da literatura russa, aparece primeiro em Turguêniev, nesse livro. Turguêniev vai contar a história de um indivíduo chamado Tchulkatúrin, que se apaixona por uma jovem mulher da pequena nobreza de uma província da Rússia, ele acaba se apaixonando por essa jovem mulher mas o desenlace dessa história é trágico, pois a personagem, o Tchulkatúrin, acaba se desencontrando nessa relação, ele começa, então, a assimilar uma concepção de existência fortemente marcada pelo desencontro, pelo desacordo entre a vida e ele mesmo.

Ocorre que o amor de Tchulkatúrin não é correspondido, e a partir dessa recusa por parte da Liza, que é a mulher cuja qual o amor de Tchulkatúrin é efusivo e intenso, surge um desenlace, digamos, trágico, nessa relação. Trágico porque ele se apaixona de tal forma que a vida dele começa a mudar, porém, a não correspondência do amor o deixa numa situação de profundo pessimismo, de enclausuramento, de negação da própria existência, e Tchulkatúrin narra sua história em forma de diários, diários íntimos em que ele discorre sobre essa experiência amorosa trágica, ou seja, a não correspondência do seu amor por Liza.

E há uma peculiaridade nessa história porque Tchulkatúrin recebe um diagnóstico do médico de que terá poucos dias de vida, ele padece de uma enfermidade incurável, sabe que vai morrer e, nessa perspectiva trágica, ele começa a relatar nesses diários uma experiência de vida concreta que, no caso, é esse amor não correspondido que vai repercutir em toda sua vida, na sua concepção de mundo, na ideia que ele tem de existência como ele mesmo diz no início do livro, sabendo que vai morrer... e a consciência da morte o toma de tal forma, que o deixa em desespero, mas ele recusa o desespero afirmando que não vai fazer reflexões filosóficas sobre esse momento, sobre a ideia da morte, mas vai falar sobre um fato concreto da sua vida que o marcou profundamente.

Então, com esse livro, Turguêniev caracteriza o indivíduo enclausurado, torturado pelas suas angústias, que vive as opressões do sentimento amoroso, pois esse sentimento não é correspondido. O que é muito interessante nessa obra é que Turguêniev coloca em cena um personagem atormentado, um personagem oprimido por um amor não correspondido, mas essa opressão, ela também é um reflexo do regime opressivo do Tsar Nicolau I, que sufocava o pensamento crítico na Rússia do século XIX, que perseguia opositores, toda essa atmosfera opressiva vai repercutir na obra de Turguêniev.

Ele constrói um personagem que também é um reflexo dessa Rússia do século XIX, desse regime opressor que foi o Tsarismo, e a história é focada nisso. Então, a partir dessa personagem, o Tchulkatúrin, Turguêniev cria um personagem típico, que é o indivíduo que na literatura russa, de um modo geral, é conhecido, a partir de Dostoiévski, como o homem do subsolo. É aquele homem enclausurado, torturado, imerso nas suas próprias contradições existenciais, e eu trouxe esse livro do Turguêniev porque ele também suscita um assunto importante na literatura, principalmente na literatura europeia do século XIX, de final do século XIX e do século XX, que é a ideia do indivíduo moderno submetido às opressões da burocracia, e aqui já entro num outro assunto literário, que é a obra do Kafka, O PROCESSO.

Essa obra é considerada um dos marcos da literatura do século XX e a principal característica dessa obra do Kafka é a ideia do absurdo existencial, que se configura na história do Josef K. que é um funcionário de um banco que num determinado dia, repentinamente, quando tomava café da manhã, é surpreendido com a presença de dois representantes da justiça, que o acusam de um ato ilícito que ele não sabe o sentido, que ele não cometeu. A justiça está o acusando de tal forma que ele tem que responder a esse inquérito, mas toda essa narrativa do Kafka mostra o quanto o Estado moderno e seus aparelhos constitutivos, como a justiça, se constituem como instrumentos de opressão.

Então, Kafka é considerado, por exemplo, por Camus, o precursor de um debate fundamental na literatura, do final do século XIX e do século XX, que é exatamente o absurdo existencial. O Estado moderno cria mecanismos jurídicos, políticos e culturais que oprimem o indivíduo, criando um mal estar, e essa obra é um retrato desse indivíduo moderno oprimido pela burocracia do Estado.

Nessa obra Kafka cria um tipo literário que vai ser uma marca de sua literatura, que é o indivíduo angustiado, o indivíduo atormentado, que está submetido a mudanças de ânimo, de entusiasmo, e que ora é eufórico ora é depressivo, um indivíduo submetido a condições existenciais, que o tornam um indivíduo contraditório. Mas essa contradição existencial, essa contradição íntima, é uma expressão como reflexo das próprias contradições da sociedade moderna, e esse assunto, o absurdo, tão presente na obra de Kafka, O Processo, também presente em outras obras, como em A Metamorfose, e O Castelo, o absurdo é resgatado por Camus no Mito de Sísifo, onde o filósofo e escritor francês vai discorrer sobre a condição existencial do homem moderno.

O Camus, por exemplo, no Mito de Sísifo, vai perguntar o que constitui o absurdo? Para ele, o absurdo é a razão que constata seus limites. É o indivíduo submetido a circunstâncias sociais determinadas que se baseiam, na possibilidade de se escolher um modo de vida, mas as escolhas de um modo de vida estão submetidas a exigências da sociedade que, muitas vezes não liberta mas, do contrário, o oprime.

Então, nós vivemos uma existência absurda. Camus, ao suscitar esse tema ele está pensando as contradições do capitalismo moderno, as opressões de um sistema que sufoca o indivíduo, que o torna um sujeito submetido a situações existenciais que vão da razão lúcida a euforia pessimista, o que é muito próprio das contradições existenciais, essa mistura de sentimentos, de ideias, de visões de mundo de um autor como o Josef K. na obra do Kafka, representa exatamente isso que o Camus no Mito de Sísifo discute, a vida como uma condição que suscita paradoxos constantes.

Então, esses personagens da literatura, principalmente europeia, final do século XIX e final do século XX, mostram exatamente isso, que as contradições existenciais são um reflexo de contradições sociais, próprias de uma sociedade, de um Estado que oprime, que segrega, que dilacera o indivíduo a partir de seus instrumentos de burocratização. Então, trago essa breve e genérica reflexão sobre essas três obras literárias pra gente pensar, discutir, refletir aqui no canal do GPOSSHE a importância da literatura enquanto uma reflexão crítica sobre a condição existencial dos indivíduos na sociedade capitalista moderna. Então, é isso pessoal, obrigado pela leitura.

Antonio Marcondes dos Santos Pereira
Doutor em Educação (UFC)
Membro do GEM/UFC