sábado, 25 de maio de 2019

Uma conversa sobre literatura: O Lobo da Estepe




Bem pessoal, iremos falar hoje sobre o livro de Harman Hesse, O Lobo da Estepe, foi escrito em 1927 e ele conta a história de Harry Haller, uma personagem que vive situações de angústia social, de angústia existencial, que o coloca numa situação própria de um período histórico que é marcado pela instabilidade, que é o período entre guerras, ou seja, aquele momento pós primeira guerra mundial, vésperas da segunda guerra mundial e da crise de 29, provoca abalos no sistema capitalista e essas contradições e desequilíbrios, essas desagregações sociais, vão repercutir na subjetividade das pessoas e o Herman Hesse vai tentar capturar nesse livro exatamente essas influências, e o Harry Haller vive uma personagem que tem muitas dubiedades, de caráter, de posições políticas de posições morais, e o livro está baseado em três versões sobre o personagem.

Na primeira, há um suposto editor que é sobrinho de uma proprietária de um albergue, no qual o Harry Haller vai se hospedar, vai passar alguns meses, e esse sobrinho da proprietária desse albergue vai narrar as impressões que ele tem sobre a personalidade de Harry Haller, um cara singular, solitário, de hábitos incomuns, e que vai representar, para o suposto editor, um verdadeiro choque, digamos, um choque cultural, de comportamento, pois o suposto editor é um típico burguês, muito apegado as convenções burguesas, a moral burguesa, a tradição da família, e o Harry é um sujeito solitário, enclausurado, que vive mergulhado nas leituras de Goethe, ouvindo as músicas de Mozart, e é esse sujeito que tenta afirmar a sua existência, em meio a tentativa de se consolidar enquanto um sujeito independente, ou seja, independente das convenções burguesas, das exigências do mundo social, capitalista, propriamente falando, então, nessa primeira versão do personagem de Herman Hesse há esse suposto editor que narra as impressões sobre essa figura singular que é o Harry Haller.

No segundo momento a história é, digamos, o pesadelo do Lobo Haller, que, em sua depressão, em sua incapacidade de se comunicar, está na base da crueldade da auto destruição, assim é que o autor se refere a esse personagem, ou seja, ele relata as experiências de angústia, de depressão, de instabilidade do Harry, de forma a mostrar que a ambivalência, do caráter de Haller, e por que o Lobo da Estepe? O Lobo da Estepe é uma personagem que representa exatamente uma metáfora do homem solitário, que vive tentando lapidar o seu destino sem projetar digamos, expectativas esperançosas, então, ele vive a sua vida, e imerso a essa contradição de existir, o autor vai desenhando uma personagem carregada de ambiguidades, então, o lobo da estepe seria essa segunda versão, o próprio Harry Haller, na personagem do lobo, ele vai narrar como esse personagem vai ser inserido na história, por exemplo, há uma passagem do livro que é muito sintomática sobre isso:

“Ah, é difícil achar esse trilho de Deus em meio a vida que levamos na embrutecida monotonia de uma era de cegueira espiritual, com sua arquitetura, seus negócios, sua política e seus homens, como não haveria de ser em o Lobo da Estepe, em um mísero eremita, em meio de um mundo cujo objetivos não compartilho, cuja alegria não me diz respeito. Por outro lado, o que se passa comigo nos meus raros momentos de júbilo, aquilo que para minha felicidade e vida, e êxtase, e exaltação, procura-o o mundo em geral nas obras de ficção, na vida, parece-lhe absurdo. E de fato, se o mundo tem razão, se essa busca dos cafés, essas diversões em massa, esses tipos americanizados que se satisfazem com tão pouco tem razão, então estou errado, estou louco. Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes, aquele animal extraviado, que não encontra abrigo, nem ar, nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível.”

Nessa passagem, podemos perceber o nível de descontentamento, de recusa, por parte do Lobo da Estepe, Harry Haller, do mundo burguês, das convenções burguesas, é importante lembrar que o contexto entre guerras é um momento histórico de emergência dos regimes totalitários na Europa, particularmente o nazismo na Alemanha, o fascismo na Itália, respectivamente, então o autor também se coloca diante da emergência dessa barbárie humana, ou seja, desse mundo que ao mesmo tempo desenvolve uma tecnologia que faz avançar vários processos sociais, culturais, como o automóvel, e outras conquistas tecnológicas, ao mesmo tempo favorece a emergência da barbárie humana, como foi o nazismo, o fascismo.

O autor, com esse personagem, ele desenha os sentimentos, as intuições, os desejos e a busca de um indivíduo que não se realiza nesse mundo, capitalista, mas, é necessário pontuar também que o próprio personagem, por exemplo, nesse momento em que ele se reveste do Lobo da Estepe, ele é um autor contraditório, um personagem contraditório, melhor dizendo, porque ao mesmo tempo que ele recusa as convenções do mundo burguês, ele não quer se desligar disso, porque ele ainda assim, por exemplo, já num outro momento da obra, o Harry, ele é um homem que tem família, é casado, depois se separa, tem conta no banco, mantém um círculo de relações ainda que escassas, mas mantém um círculo de relações com, digamos, pessoas da classe média burguesa da Europa, a Alemanha na primeira metade do século XX.

O Harry Haller, na figura do Lobo da Estepe, é esse sujeito contraditório e imerso num mundo cheio impasses, de ambivalências, mas, o Lobo da Estepe busca, sobretudo, a própria independência, ele é um sujeito que quer lapidar o seu destino, não com a expectativa de uma esperança realizável, mas como desejo de vivência do momento, então, é um sujeito que tenta se equilibrar entre os abismos da angústia e as euforias do momento que reserva certas satisfações, como por exemplo, ouvir a música de Mozart, ler os livros de Goethe, então, nessa segunda versão sobre Harry Haller, o Lobo da Estepe se manifesta, como aquele sujeito indômito, selvagem perigoso, que busca, no momento, ali, de imediato, uma certa satisfação que é inescapável para ele, para sua sobrevivência.

Numa terceira versão sobre o personagem temos um momento em que o Lobo se humaniza, ou seja, através da entrada em cena de Hermínia, que tenta reaproxima-lo do mundo, com salas de baile poeirentas e bares pobres, como diz aqui na orelha do livro, então o lobo da Estepe foi um livro escrito quando Herman Hesse tinha 50 anos, e o autor, Harry Haller, tem 50 anos, então, é um pouco disso, o próprio Herman Hesse criou esse personagem para também expressar as angústias dele não apenas como escritor, mas também como sujeito submetido às intempéries políticas, culturais e econômicas do seu tempo próprio, então, quando ele vai dizer:

“A custa da intensidade, consegue, pois, a subsistência e a segurança, em lugar da posse de Deus cultiva a tranquilidade da consciência, em lugar do prazer a satisfação, em lugar da liberdade, a comodidade, em lugar dos ardores mortais, uma temperatura agradável.”

Então, o livro, carrega essa significação da ambivalência, do sujeito que vive as contradições de um mundo em degenerescência moral, ética, política, própria do nazismo, do fascismo, da crise de 29, e consequentemente a segunda guerra mundial, pois as expectativas esperançosas não alimentadas pelo personagem, são como se fossem uma antevisão da tragédia que será, doravante, a segunda guerra mundial, então, o Lobo da Estepe é isso, e para configurar isso que o autor narra, eu concluo essa breve exposição: com mais uma passagem, do livro:

“Além disso, agrada-me o contraste que apresenta minha vida, esta minha vida solitária e sem amor, gasta e inteiramente desordenada em relação ao ambiente familiar e burguês. Agrada-me respirar na escada este cheiro de calma, de ordem, de limpeza, de decência e de domesticidade, o que, apesar de meu desprezo pela burguesia, tem sempre algo de comovente para mim, e me apraz também atravessar o umbral do meu quarto, em cujo interior tudo isso se acaba, onde entre os montões de livros aparecem pontas de cigarro e garrafas de vinho vazias, onde tudo está desordenado e negligente, e onde tudo, livros, manuscritos, pensamentos, está marcado e embebido pela miséria de um solitário pela problemática do ser humano, pelo anseio de dar um novo sentido a uma vida humana que já perde o seu rumo.”

Por fim, pessoal, convido vocês a fazerem a leitura do livro de Herman Hesse, O Lobo da Estepe, um clássico da literatura universal, que seguramente influenciou vários movimentos literários e filosóficos, como o existencialismo, na segunda metade do século XX, e fico aberto pra que pensemos a literatura , a arte que busca compreender as contradições da vida, é isso, um abraço e até outra oportunidade.

Antonio Marcondes dos Santos Pereira
Doutor em Educação (UFC)
Membro do GEM/UFC