quarta-feira, 26 de junho de 2019

Como nasce e morre o fascismo?




A atualidade de uma revolucionária comprometida com a classe trabalhadora, Clara Zetkin

Conhecemos muito pouco das mulheres revolucionárias que nos antecederam. Clara Zetkin é, certamente, um desses nomes que já ouvimos falar. Provavelmente, Zetkin é mais conhecida por sua participação fundamental nas lutas do movimento de mulheres. Algumas de nós podem até ter ouvido falar sobre a proposta de efetivar uma jornada internacional de mulheres que, hoje, está resgatando o caráter revolucionário que lhe originou. Trata-se do 8 de março.

Clara Zetkin nasceu em 5 de julho de 1857, cursou estudos de magistério em Leipzig. Clara foi militante da ala esquerda do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) até o rompimento com ele devido ao apoio que o partido deu aos gastos de guerra do governo alemão durante a Primeira Guerra Mundial. Clara não rompeu sozinha. Karl Liebkecht, Fraz Mehring e Rosa Luxemburgo, sua grande amiga e camarada de luta que seria brutalmente assassinada. Militando na Liga Espartaquista, que iria compor a fundação do Partido Comunista da Alemanha (KPD), Clara foi presa diversas vezes por seus esforços contra a guerra.

Taber e Riddell, na edição brasileira de Como nasce e morre o fascismo publicado pela Autonomia Literária em colaboração com a Editora Usina, afirmam que “Clara foi muito além do feminismo”. Na verdade, Clara aprofundou o feminismo ao ser uma mulher militante marxista que compreendeu o seu tempo e trabalhou para superar a sociedade capitalista sem perder de vista o papel e a necessidade de dar conta das pautas específicas das mulheres nesse contexto porque elas não estão descoladas da totalidade da realidade nem são secundárias.

Os documentos centrais da edição da Autonomia Literária são o informe e a resolução de Clara Zetkin apresentados no III Pleno do Comitê Executivo da Internacional Comunista, em junho de 1923. Além desses dois documentos, constam no livro o informe e a resolução de Clara Zetkin para a conferência internacional contra a guerra e o fascismo, em Frankfurt entre 17 e 20 de março de 1923. Um relato de John Riddell sobre o ativismo de Zetkin por uma frente única antifascista que manteve até seu último dia de vida.

No informe de junho de 1923, Clara Zetkin afirma que o fascismo encara o proletariado como um inimigo excepcionalmente perigoso e amedrontador, por isso é dever de todo o proletariado fazê-lo cair não só superando o capitalismo, mas lutando pela sobrevivência para qualquer trabalhador. Contra as visões predominantes de que o fascismo era apenas uma expressão do terror burguês expresso em termos de violência extrema, como foi o caso da vingança contra a Revolução na Hungria cujo sujeitos da violência foram uma casta de oficiais feudais, Zetkin defende que o fascismo é “uma punição de que o proletariado não tenha sustentado a revolução que foi iniciada na Rússia”.

Não está nos marcos do presente texto fazer um resumo detalhado da obra, mas indicar aspectos importantes para que o leitor possa interessar-se pela leitura. Vale apontar algumas questões.

Qual a base do fascismo?

A base do fascismo são as amplas camadas sociais, grandes massas, incluindo o proletariado. Essa base é constituída por amplas massas que perderam a segurança sobre a garantia de sua existência e, com isso, a crença na ordem social. Aqui se inserem as camadas burguesas proletarizadas.

Segundo Zetkin, essas camadas seriam os funcionários públicos, intelectuais burgueses, os pequenos e médios burgueses que tiveram alguma simpatia pelo reformismo apesar de não estar enraizada, mas que a política de coalizão afetou o conjunto do proletariado e as camadas médias. Outro aspecto destacado é que essas camadas médias carecem de qualquer educação teórica, histórica ou política. Essas camadas perderam a fé não apenas na direção reformista, mas no próprio socialismo.

Vale lembrar que Zetkin analisa a situação concreta da Itália e analisa os elementos que já se desenvolvem na Alemanha, por isso ela indica que ele tem características próprias em cada país devido a cada circunstância específica. Dois traços são essenciais: programa revolucionário fraudulento e o uso violento e brutal do terror. O primeiro caso trata das promessas de mudança feitas aos diversos setores da sociedade em comparação com os atos dos fascistas no poder, por isso Zetkin afirma que as promessas dos fascistas são hipócritas.

É importante destacar o aviso que a autora nos dá de que o fascismo é um fenômeno internacional.

Como se dá o caráter de massas do fascismo?

“Essa é a razão pela qual a burguesia oferece a sua mão ao beijo fascista”.

Esse descontentamento e perda de fé no reformismo da Social-Democracia. As massas passam a cair no discurso fascista e acreditar que os elementos mais fortes, em torno da nação fariam o que os reformistas não fizeram. O instrumento para isso seria o Estado acima de todos os partidos e classes remodelaria a sociedade.

A burguesia, então, acolhe o fascismo porque ele é um instrumento de manutenção de seus interesses em meio ao contexto de desintegração da economia e do Estado burgueses. A burguesia nutre o fascismo porque ele oferece a ela um instrumento de força extralegal e paramilitar, pois, destaca Zetkin, a situação exige força, mas o Estado está ruindo.

Quais as raízes do fascismo?

O fascismo é uma expressão da decadência e da desintegração da economia capitalista, um sintoma da dissolução do Estado burguês. Outro fator de destaque é o que Zetkin aponta como a falha de direção do proletariado que traíram a classe trabalhadora com o reformismo, bem como aponta que os partidos comunistas têm sua parcela de responsabilidade pela falta de firmeza e pela responsabilidade nas iniciativas sem escopo.

Como (e quem vai) derrubar o fascismo?

“Esses fatos demonstram que a falência ideológica leva à falência política, e que serão, sobretudo, os próprios trabalhadores que irão rapidamente retomar a compreensão de seus interesses e compromissos de classe”.

Para derrubar o fascismo, aponta Clara Zetkin, não bastam os meios militares, pois é preciso derrotá-lo político-ideologicamente. O fascismo é contraditório por natureza, pois agrega forças conflitantes que o levarão a sua decadência interna e a desintegração. Contudo, isso não pode nos levar à inatividade, ao contrário, devemos agir para acelerar o processo. Para a burguesia, o fascismo só pode servir, nos avisa Zetkin, como uma ferramenta de luta de classes temporariamente.

Combater o fascismo exige superá-lo ideológica e politicamente e uma atividade intensa. Segundo Zetkin, precisamos disputar as massas, as camadas sociais do fascismo. Se não as ganhamos, é preciso neutralizá-las, trabalhar entre elas, mostrar-lhes uma solução que não as faça retroceder. Precisamos ainda, nessa batalha, apresentar o comunismo e os comunistas como aqueles que lutam pelos interesses das massas. É tarefa nossa reorganizar os métodos de agitação e propaganda, produzir uma literatura de acordo com essas tarefas. A autodefesa da classe deve ser priorizada porque o fascismo ataca com violência e deve ser respondido como tal, mas a violência da classe trabalhadora não é individual, mas é a luta de classes.

Não se pode encerrar esse texto sem falar da tática da frente única proletária, pois o fascismo não faz distinção, “tudo o que interessa é que ele se defronte com um proletário com consciência de classe e eles não param até que esteja no chão”. A frente única foi defendida por Zetkin enquanto, para isso, ela teve condições. A burocratização estalinista abandona a frente única como tática de luta antifascista, revogando a Resolução de Zetkin de 1923. A unidade da luta não significa apagamento das diferenças nem abandono do programa revolucionário, mas a necessidade da união de todos aqueles que estão sob ameaça. “O povo trabalhador precisa afirmar-se contra o fascismo”.

Karla Raphaella Costa Pereira
Doutoranda em Educação (PPGE/UECE)

Referências bibliográficas
ZETKIN, Clara. Como nasce e morre o fascismo. Tradução de Eli Moraes. São Paulo: Autonomia Literária, 2019.
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Na edição da Autonomia Literária, você encontrará os textos referidos aqui e poderá ler a Resolução de Clara Zektin aprovada no III Pleno Ampliado do Comitê Executivo da Internacional Comunista de junho de 1923.