A atualidade de uma revolucionária comprometida com a classe trabalhadora, Clara Zetkin
Conhecemos
muito pouco das mulheres revolucionárias que nos antecederam. Clara Zetkin é, certamente,
um desses nomes que já ouvimos falar. Provavelmente, Zetkin é mais conhecida
por sua participação fundamental nas lutas do movimento de mulheres. Algumas de
nós podem até ter ouvido falar sobre a proposta de efetivar uma jornada
internacional de mulheres que, hoje, está resgatando o caráter revolucionário
que lhe originou. Trata-se do 8 de março.
Clara
Zetkin nasceu em 5 de julho de 1857, cursou estudos de magistério em Leipzig.
Clara foi militante da ala esquerda do Partido Social-Democrata da Alemanha
(SPD) até o rompimento com ele devido ao apoio que o partido deu aos gastos de
guerra do governo alemão durante a Primeira Guerra Mundial. Clara não rompeu
sozinha. Karl Liebkecht, Fraz Mehring e Rosa Luxemburgo, sua grande amiga e
camarada de luta que seria brutalmente assassinada. Militando na Liga
Espartaquista, que iria compor a fundação do Partido Comunista da Alemanha
(KPD), Clara foi presa diversas vezes por seus esforços contra a guerra.
Taber
e Riddell, na edição brasileira de Como nasce e morre o fascismo publicado
pela Autonomia Literária em colaboração com a Editora Usina, afirmam que “Clara
foi muito além do feminismo”. Na verdade, Clara aprofundou o feminismo ao ser
uma mulher militante marxista que compreendeu o seu tempo e trabalhou para
superar a sociedade capitalista sem perder de vista o papel e a necessidade de
dar conta das pautas específicas das mulheres nesse contexto porque elas não
estão descoladas da totalidade da realidade nem são secundárias.
Os
documentos centrais da edição da Autonomia Literária são o informe e a
resolução de Clara Zetkin apresentados no III Pleno do Comitê Executivo da
Internacional Comunista, em junho de 1923. Além desses dois documentos, constam
no livro o informe e a resolução de Clara Zetkin para a conferência
internacional contra a guerra e o fascismo, em Frankfurt entre 17 e 20 de março
de 1923. Um relato de John Riddell sobre o ativismo de Zetkin por uma frente
única antifascista que manteve até seu último dia de vida.
No
informe de junho de 1923, Clara Zetkin afirma que o fascismo encara o
proletariado como um inimigo excepcionalmente perigoso e amedrontador, por isso
é dever de todo o proletariado fazê-lo cair não só superando o capitalismo, mas
lutando pela sobrevivência para qualquer trabalhador. Contra as visões
predominantes de que o fascismo era apenas uma expressão do terror burguês
expresso em termos de violência extrema, como foi o caso da vingança contra a
Revolução na Hungria cujo sujeitos da violência foram uma casta de oficiais
feudais, Zetkin defende que o fascismo é “uma punição de que o proletariado não
tenha sustentado a revolução que foi iniciada na Rússia”.
Não
está nos marcos do presente texto fazer um resumo detalhado da obra, mas
indicar aspectos importantes para que o leitor possa interessar-se pela
leitura. Vale apontar algumas questões.
Qual
a base do fascismo?
A
base do fascismo são as amplas camadas sociais, grandes massas, incluindo o
proletariado. Essa base é constituída por amplas massas que perderam a segurança
sobre a garantia de sua existência e, com isso, a crença na ordem social. Aqui
se inserem as camadas burguesas proletarizadas.
Segundo
Zetkin, essas camadas seriam os funcionários públicos, intelectuais burgueses,
os pequenos e médios burgueses que tiveram alguma simpatia pelo reformismo
apesar de não estar enraizada, mas que a política de coalizão afetou o conjunto
do proletariado e as camadas médias. Outro aspecto destacado é que essas
camadas médias carecem de qualquer educação teórica, histórica ou política. Essas
camadas perderam a fé não apenas na direção reformista, mas no próprio
socialismo.
Vale
lembrar que Zetkin analisa a situação concreta da Itália e analisa os elementos
que já se desenvolvem na Alemanha, por isso ela indica que ele tem características
próprias em cada país devido a cada circunstância específica. Dois traços são
essenciais: programa revolucionário fraudulento e o uso violento e brutal do
terror. O primeiro caso trata das promessas de mudança feitas aos diversos
setores da sociedade em comparação com os atos dos fascistas no poder, por isso
Zetkin afirma que as promessas dos fascistas são hipócritas.
É
importante destacar o aviso que a autora nos dá de que o fascismo é um fenômeno
internacional.
Como
se dá o caráter de massas do fascismo?
“Essa é a razão pela qual a burguesia oferece a sua mão ao beijo fascista”.
Esse
descontentamento e perda de fé no reformismo da Social-Democracia. As massas
passam a cair no discurso fascista e acreditar que os elementos mais fortes, em
torno da nação fariam o que os reformistas não fizeram. O instrumento para isso
seria o Estado acima de todos os partidos e classes remodelaria a sociedade.
A
burguesia, então, acolhe o fascismo porque ele é um instrumento de manutenção
de seus interesses em meio ao contexto de desintegração da economia e do Estado
burgueses. A burguesia nutre o fascismo porque ele oferece a ela um instrumento
de força extralegal e paramilitar, pois, destaca Zetkin, a situação exige
força, mas o Estado está ruindo.
Quais
as raízes do fascismo?
O
fascismo é uma expressão da decadência e da desintegração da economia
capitalista, um sintoma da dissolução do Estado burguês. Outro fator de
destaque é o que Zetkin aponta como a falha de direção do proletariado que
traíram a classe trabalhadora com o reformismo, bem como aponta que os partidos
comunistas têm sua parcela de responsabilidade pela falta de firmeza e pela
responsabilidade nas iniciativas sem escopo.
Como
(e quem vai) derrubar o fascismo?
“Esses fatos demonstram que a falência ideológica leva à falência política, e que serão, sobretudo, os próprios trabalhadores que irão rapidamente retomar a compreensão de seus interesses e compromissos de classe”.
Para
derrubar o fascismo, aponta Clara Zetkin, não bastam os meios militares, pois é
preciso derrotá-lo político-ideologicamente. O fascismo é contraditório por
natureza, pois agrega forças conflitantes que o levarão a sua decadência interna
e a desintegração. Contudo, isso não pode nos levar à inatividade, ao
contrário, devemos agir para acelerar o processo. Para a burguesia, o fascismo
só pode servir, nos avisa Zetkin, como uma ferramenta de luta de classes temporariamente.
Combater
o fascismo exige superá-lo ideológica e politicamente e uma atividade intensa.
Segundo Zetkin, precisamos disputar as massas, as camadas sociais do fascismo.
Se não as ganhamos, é preciso neutralizá-las, trabalhar entre elas,
mostrar-lhes uma solução que não as faça retroceder. Precisamos ainda, nessa
batalha, apresentar o comunismo e os comunistas como aqueles que lutam pelos
interesses das massas. É tarefa nossa reorganizar os métodos de agitação e
propaganda, produzir uma literatura de acordo com essas tarefas. A autodefesa
da classe deve ser priorizada porque o fascismo ataca com violência e deve ser
respondido como tal, mas a violência da classe trabalhadora não é individual,
mas é a luta de classes.
Não
se pode encerrar esse texto sem falar da tática da frente única proletária,
pois o fascismo não faz distinção, “tudo o que interessa é que ele se defronte
com um proletário com consciência de classe e eles não param até que esteja no
chão”. A frente única foi defendida por Zetkin enquanto, para isso, ela teve
condições. A burocratização estalinista abandona a frente única como tática de
luta antifascista, revogando a Resolução de Zetkin de 1923. A unidade da luta
não significa apagamento das diferenças nem abandono do programa
revolucionário, mas a necessidade da união de todos aqueles que estão sob ameaça.
“O povo trabalhador precisa afirmar-se contra o fascismo”.
Karla Raphaella Costa Pereira
Doutoranda em Educação (PPGE/UECE)
Referências
bibliográficas
ZETKIN, Clara. Como nasce e morre o fascismo. Tradução de Eli Moraes. São Paulo: Autonomia Literária, 2019.
ZETKIN, Clara. Como nasce e morre o fascismo. Tradução de Eli Moraes. São Paulo: Autonomia Literária, 2019.
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Na edição da Autonomia Literária, você encontrará os textos referidos aqui e poderá ler a Resolução de Clara Zektin aprovada no III Pleno Ampliado do Comitê Executivo da Internacional Comunista de junho de 1923.
Na edição da Autonomia Literária, você encontrará os textos referidos aqui e poderá ler a Resolução de Clara Zektin aprovada no III Pleno Ampliado do Comitê Executivo da Internacional Comunista de junho de 1923.