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Já pensou uma cidade
inteira transformada em uma gigantesca fábrica têxtil/confecção? Parece uma
imagem de um filme distópico, uma ficção científica, um filme de época, mas é
só Toritama, 2018, cidade do agreste pernambucano que é responsável por 20% do jeans
vendido no país!
Com o título de capital
do jeans, Toritama é "só trabalho", sua riqueza é o "ouro
azul". Esse é o cenário que Marcelo Gomes, diretor deste documentário,
visita contrapondo as lembranças de sua infância (o silêncio, tranquilidade e a
relação dos moradores com o lugar, a terra, os animais) com suas percepções
sobre o presente (barulhenta, acelerada, capitalista, precária, bárbara). São
85 minutos de máquinas funcionando, movimentos repetitivos, uma rotina não convencional
para uma cidade de 40 mil habitantes. Nesse tempo eu fiquei angustiada,
ansiosa, assim como o narrador (Gomes) e cansada/desolada junto com os
depoimentos dos mais variados moradores/trabalhadores/patrões.
Se Engels fosse vivo
era certo que seu livro se chamaria "A situação da classe trabalhadora de
Toritama". Eu vi pessoas sem tempo para olhar para o céu, para ver as
crianças crescerem, para o lazer. Vemos o capitalismo expresso de maneira
precária e bárbara na voz dos moradores: valorização do trabalho precarizado,
da exploração, da ilusão da liberdade. Como tempo é dinheiro, em Toritama não é
diferente: quanto mais se produz, mais dinheiro; os moradores são donos do seu
próprio negócio, do seu tempo, da sua produção e isso, essa
"liberdade" de trabalhar e trabalhar, é um privilégio.
São 85 minutos que
fiquei procurando qualquer imagem desesperada de uma escola, de uma praça, de
um hospital, de calçadas tomadas por crianças brincando e vizinhos batendo papo
vendo o movimento da rua, de uma Igreja, de um lazer... Talvez até tenha e eu
precise assistir novamente prestando mais atenção aos detalhes.
Tem imagens de pessoas
nas calçadas, sobretudo idosos, trabalhando no jeans. O tema dos direitos
trabalhistas, de uma aposentadoria, da saúde do trabalhador (caso fique
doente), religião, não são centrais nos depoimentos dos moradores. Isso é
angustiante porque eu fico procurando o que os difere de máquinas de costura...
Uma parte importante é quando o narrador pergunta sobre os sonhos. Para os
homens (sobretudo os jovens) a resposta é ser rico, dono do seu próprio
negócio. Para as mulheres majoritariamente é cuidar da família, ter uma casa,
prosperar para a família.
A verdade é que há milhares de Toritamas por aí, por aqui... Lembro bem quando convivi com as mulheres do Sindicato da Confecção Feminina (SINDCONFE), as dificuldades do trabalho de base, das negociações laborais com as diversas facções que existe aqui nas periferias...
É preciso muita paciência e pedagogia revolucionária para contrapor essa
lógica da classe dominante, do capitalismo. Eu vi isso na tela, mas também vi
no rosto de dezenas de homens e mulheres das fábricas de moda íntima daqui.
Camila, após assistir esse documentário, me enviou mensagem destacando que eu precisava assistir; que eu precisava levar as companheiras do SINDCONFE.
Ela tem razão. Precisamos todos assistir para ter certo de que isso não
é obra de um Brasil profundo, esquecido num canto do agreste nordestino. É obra
do capital que transforma a todos/as em máquinas desprovidas de futuro e
sonhos, que respira uma vez por ano: no carnaval...
Paula Farias
Doutoranda em Educação (PPGEB/UFC)