No dia 17 de julho foi lançado pelo
Ministro da Educação, Abraham Weintraub do governo de Extrema-direita Jair
Bolsonaro, o Programa Instituto e Universidades Empreendedoras e Inovadoras
(FUTURE-SE). De acordo com a minuta encaminhada às universidades e institutos
federais [1], o programa objetiva o "fortalecimento da autonomia
administrativa e financeira das Instituições Federais de Ensino Superior -
IFES, por meio de parceria com organizações sociais e do fomento à captação de
recursos próprio". O Future-se é sistematizado em três eixos: 1) gestão,
governança e empreendedorismo; 2) pesquisa e inovação; e 3) internacionalização.
A suposta “revolução” da matriz das universidades e
institutos federais influenciada por programas e ações empreendidas no
hemisfério norte implica o aprofundamento da lógica do capitalismo acadêmico
brasileiro. Na obra Academica
Capitalism: politics, policies, and the entrepreneurial, de autoria de Sheila Slaughter e Larry Leslie, foi
analisado a particularidade da realidade da universidade norte-americana,
apontando a reorganização das atividades e práticas rotineiras das
universidades em busca de lucratividade. As instituições de ensino superior se
habilitaram em comercializar suas produções. Esse processo tornou-se exequível
através da organização acadêmica, bem como das práticas individuais de seus
docentes.
Weintraub busca refletir a lógica da New American
University (Silva Jr, 2017) nas universidades brasileiras. Mas é
preciso considerar que as universidade americanas possuem investimentos
privados, mensalidades exorbitantes, além de contar com a cultura que para
garantir a educação dos(as) filhos(as) é necessário, pelas famílias, constituir
a prática do acúmulo de poupança. Some-se a isso a lógica da filantropia e das
elites empresariais que direcionam fundos significativos para o desenvolvimento
de P&D (Pesquisa e desenvolvimento). Desde a década de 1960, as fundações
privadas financiam o ensino norte-americano que dissemina, ideologicamente, as
bases do Acordo
de Bretton Woods.
O estrangeirismo do Future-se é nítido até para o mais
míope quando propõe estabelecer autonomia financeira para Instituições Federais
de Educação Superior (IFES) por meio de capitação de recursos junto ao setor
privado, através de parcerias público-privadas, fundos patrimoniais, de
investimento, imobiliários, e mercantilizando do patrimônio imobiliário da
união. No que diz respeito à gestão, as Organizações Sociais de direito privado
executarão essa função. O MEC, em seu entreguismo ao setor financeiro,
recorrerá ao Naming
Rights, ou seja, as empresas e patrocinadores poderão nomear os campi das
universidades, seguindo exemplo dos estádios de futebol.
O programa apregoa a criação de Fundos de Investimento
em que seu valor aproxima-se de R$ 100 bilhões, no qual será custeado através
da alienação do patrimônio imobiliário das IFES, incentivos fiscais, recursos
da Lei Rouanet, entre outros. Nessa esteira, além do problema da geração de
recursos próprios das IFES, a problemática se localiza na utilização deste,
visto que o governo “contingenciou” o financiamento da educação superior
pública/estatal.
O Secretário de Ensino Superior do MEC, Arnaldo
Barbosa de Lima Júnior, afirmou que, através do Future-se, “o cargo professor
universitário será o melhor emprego do Brasil. Por quê? Ele terá o salário dele
garantido e a receita própria que ele conseguir captar vai ser dele, vai ter natureza
privada, desde que, ele exporte o que a gente tem de melhor o conhecimento”
[2]. Esse discurso está alinhado a lógica do empresariamento da produção do
conhecimento a partir da política de patentes que é muito disseminada na New
American University, com isso, o professor incorpora a função de empreendedor,
buscando recursos privados para financiarem suas pesquisas, bem como a venda
dos produtos delas. Todavia, é lícito ressaltar que para o desenvolvimento, com
excelência, de pesquisa científica é necessário estrutura, material e softwares
atualizados para garantir o trabalho do pesquisador.
É válido
ressaltar que em escala global os recursos engendrados pelas próprias IFES
possuem finalidade complementar. Ora, as atividades de P&D, formação, são mantidas
pelo Estado, até as universidades que ocupam o topo dos rankings internacionais,
como Oxford e Harvard. Esse processo se dá em decorrência à lógica da
diversificação das fontes de manutenção das instituições de educação superior.
Na periferia capitalista esse processo é aprofundado, porquanto a lógica dos
cortes no financiamento das IFES condiciona ao sucateamento das instituições
decorrendo no abocanhamento dos empresários da educação.
Com a implementação do programa todos os espaços da
universidade serão explorados pelos setores empresariais, com liberdade e
direito. Os fundos, constituídos por fundos públicos, serão administrados pelo
setor privado e irão executar suas ações de acordo com as diretrizes do mercado
financeiro. A busca incessante pela rentabilidade implicará na aplicação de
recursos no mercado de ações, prática comum do mercado financeiro que
impulsiona o capital especulativo e parasitário. Esse cenário não é novo no
Brasil, a lógica da financeirização abocanhou os fundos de pensão nos governos
FHC e Lula da Silva buscando impulsionar ainda mais o mercado nacional.
De acordo com Weintraub e o Arnaldo Barbosa de Lima
Júnior, as universidades federais que aderirem o Future-se poderão efetuar
contratações de professores sem necessidade de concurso, pois seriam realizadas
via CLT, através das Organizações Sociais. Com efeito, foi dado início a
consulta pública [3] da proposta do programa, em outubro o governo
neoconservador pretende compilar as propostas e encaminhar para o Congresso. A
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
(ANDIFES), comunicou que os reitores não foram consultados na elaboração do
programa [4]. Nesse contexto, se o MEC alega que a adesão é voluntária, com os
desdobramentos dos processos, o receio da lógica dos Contratos de Gestão se
tratarem de uma imposição é real e perigosa.
O capitalismo acadêmico no Brasil é aprofundado a
passos largos. Não é nenhuma novidade o cenário de mercantilização da educação
superior, a predominância do quantitativo de instituições e concentração de
matrículas por partes do setor privado já é real. Contudo, com a implementação
do Future-se o desmonte da educação superior pública/estatal será consolidado,
portanto é necessário construir um movimento de luta em defesa da educação
pública, laica e democrática. É preciso se opor e resistir as medidas
neoconservadoras, privatistas e subserviente deste governo.
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[1] https://ufla.br/images/arquivos/2019/07-julho/Minuta_Programa_Future-se.pdf
[2] https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/projeto-future-se-mec-quer-parceria-de-universidades-federais-com-iniciativa-privada
[3] https://isurvey.cgee.org.br/future-se
[4] https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/proposta-do-mec-permite-contratar-professor-sem-concurso-em-universidades
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[1] https://ufla.br/images/arquivos/2019/07-julho/Minuta_Programa_Future-se.pdf
[2] https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/projeto-future-se-mec-quer-parceria-de-universidades-federais-com-iniciativa-privada
[3] https://isurvey.cgee.org.br/future-se
[4] https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/proposta-do-mec-permite-contratar-professor-sem-concurso-em-universidades
Alisson Slider do Nascimento de Paula
Doutor em Educação pela Universidade Estadual do Ceará - UECE.