Nos últimos meses, casos de violência policial
foram registrados dentro e nos entornos da Universidade Estadual do Ceará
contra os estudantes e moradores/as da comunidade. Importante afirmar que a
universidade, está localizada no bairro Serrinha, um dos bairros de menores
IDHs de Fortaleza, onde o Estado penal atua de forma irrestrito. No entanto, é
nesse espaço, também, onde se constrói formas de resistência e de lutas contra
tais violências, tornando-se um território de inúmeras potencialidades para a construção
de novas formas de relações sociais.
É nessa tensão que a universidade deveria se inserir enquanto espaço de princípio ético norteador, que paute a liberdade, a participação popular e o direito ao espaço múltiplo de formação humana. Mas, tendo em vista a realidade concreta em que a mesma se encontra percebemos como é marcada por forte movimento discriminatório racial, geracional, capacitista, patriarcal, onde alguns podem entrar e permanecer na universidade e outros não, dialogando com uma falsa lógica meritocrática onde fortalece a não ocupação da comunidade nesses espaços. Aqui, é interessante ressaltar, que o outro está fortemente atrelado a uma ameaça ao patrimônio, como foi repetidamente dito, escrito e analisado no fórum de segurança universitária.
No mês de junho, depois de um São João
autorizado, realizado pelo Centro Acadêmico de Educação Física, os guardas que
fazem a segurança patrimonial do campus Itaperi usaram da intimidação e força
física para coagir estudantes que aguardavam o transporte para casa, dentro dos
Centros Acadêmicos. O uso da força foi tamanho que promoveram danos aos
patrimônios dos Centros Acadêmicos de Educação Física, Computação e Pedagogia.
Além disso, estudantes foram ameaçados de sofrerem processos administrativos, sendo
criminalizados por, de acordo com a segurança, “infringir as regras”, estas que
foram reforçam estigmas sobre determinados sujeitos.
Na universidade
enquanto espaço social, não deixaria de manifestar violências de gênero, de
raça e classe, assim como aconteceu no último dia da Semana Universitária, após
o fim de um Sarau Estudantil, duas estudantes foram absurdamente agredidas pela
segurança, causando danos físicos e psicológicos.
O caso de agressão contra as estudantes deve ser
duplamente repudiado, visto que se trata de violência contra mulheres,
praticado por homens. Não é de hoje que as estudantes vêm sofrendo diversos
tipos de violência nos campi Itaperi e Fátima, sendo este último prejudicado
pelo distanciamento físico do Núcleo de Acolhimento Humanizado às Mulheres em
Situação de Violência, localizado no Itaperi. Este núcleo, inaugurado em 2017,
até hoje não conta com o suporte necessário para a realização de suas
principais atividades, como equipe exclusiva para plantão de acolhimento às
vítimas e orçamento para eventos, palestras, seminários, minicursos e afins. É
preciso que a Administração Superior desta universidade entenda que violência
contra as mulheres no campus é uma questão de segurança e de assistência
estudantil e que política pública não se faz apenas com boa vontade.
O conjunto de medidas de exceção a fim de
estabelecer a segurança interna se manifesta também dentro das atividades
culturais que estão dentro universidade. A abertura de processos
administrativos contra as entidades estudantis e estudantes, com caráter
punitivo, para estabelecer exemplaridade, se direciona para um caminho
autoritário e seletivo, com o intuito de estabelecer um controle coercitivo
sobre os estudantes. Essa política fere diretamente os princípios de autonomia
dos Centros Acadêmicos e Diretório Central dos Estudantes, que há anos lutam
por respeito e espaço político nas decisões da Universidade, através de
representações democráticas. A determinação da Reitoria da UECE de proibir os
saraus e afins, para nós, representa uma medida autoritária e vertical, que não
contou com a consulta dos estudantes para a aprovação do documento.
Tais medidas como o fim da política de eventos
culturais enquanto um dos eixos centrais e ainda a criminalização de qualquer
espaço de integração, fere o direito de acesso e produção de cultura de
estudantes e moradores da comunidade. Vale ressaltar que a cultura tem suas
múltiplas determinações e não cabe a Reitoria da Universidade definir o que é
cultura e proibir as manifestações presentes no espaço acadêmico. O funk, o
reggae, o forró assim como outros gêneros musicais fazem parte da cultura de
resistência da periferia, e nós devemos reconhecer que a Universidade Estadual
do Ceará além de estar localizada na periferia, também é lugar de Ensino,
Pesquisa, Extensão, mas também de promoção de cultura de resistência, a exemplo
dos projetos de extensão desenvolvidos na Universidade, a partir das relações
culturais, desenvolvidas no bairro Serrinha.
Acreditamos que a criminalização dos Saraus e
Eventos Musicais contribuem para o adoecimento físico e mental dos estudantes,
que sofrem com a rotina exaustiva de produtivismo e exigências curriculares,
como demonstram pesquisas sobre saúde mental de estudantes universitários.
Outro eixo que a Pró-Reitoria de Administração
tem utilizado como finalidade para a proibição dos eventos é o uso de álcool e
outras drogas dentro do campus. Ora, não é nítido para a Administração Superior
que, historicamente a proibição e a criminalização das drogas têm inviabilizado
o acesso dos usuários às políticas de assistência e saúde, além disso, essa
política pouco contribui para o não uso, mas contribui diretamente para o
aumento da violência e da marginalização da população que faz uso recreativo de
substâncias. Acreditamos que essa política de ostensividade policial e/ou
penal, adotada pela Administração superior, também é direcionada às camadas
mais pobres, marginalizadas e racializadas, partindo de forma racista a
juventude negra de periferia. Nos questionamos se a Pró-reitoria de
Administração consultou as pesquisas sobre o uso de drogas ou redução de danos
para a construção dessa norma da UECE, e a falta de diálogo com estudantes,
docentes e profissionais que trabalham/pesquisam na área para elaboração da portaria.
Acreditamos que seja preciso partir da prevenção
com formações continuadas e ou núcleos que facilite de forma técnico-teórica
sobre o consumo de drogas e de redução de danos, de maneira ética e
emancipatória, longe da forma punitiva que contribui e reforça populismos
penais.
Por esses motivos, nós, estudantes de diversos
cursos e representantes de Centros Acadêmicos, exigimos um pronunciamento
oficial da Reitoria, bem como um modelo de segurança universitária que respeite
os estudantes e moradores da comunidade, diferente do modelo adotado pela
Pró-reitoria de Administração, que autoriza a criminalização, a violência, a
coerção e a retirada da autonomia dos Centros Acadêmicos e estudantes em geral
da Universidade Estadual do Ceará. Nós, estudantes, consideramos inadmissível
que um espaço como a universidade seja reprodutora de tanta selvageria e
desrespeito para com as pessoas que ocupam esse espaço: sejam elas estudantes
ou moradores da comunidade, que também são impedidos de transitarem pelos
campi.
Diante
disso, o movimento estudantil da UECE reivindica:
- A revogação do documento que proíbe a
realização de festas, saraus e afins sem autorização prévia da PROAD.
- Uma alternativa à política de criminalização e
coerção de estudantes e da comunidade,
proferidas pela guarda da segurança, autorizada pela PROAD, que respeitem dos
direitos humanos e o livre trânsito e
permanência de pessoas dentro de seus próprios territórios.
- A
construção de Grupos de Trabalho sobre drogas e redução de danos, assim como um
equipamento dentro da universidade onde tenha a realização de pesquisas e
instrumentais técnicos-operativos humanizados para dar trato a questão, com
equipe multidisciplinar de psicólogos/as, assistentes sociais e profissionais
da saúde.
- Ampliação do Núcleo de Acolhimento Humanizado
às mulheres em situação de Violência - NAH UECE, com a contratação de
profissionais com dedicação exclusiva para as atividades de acolhimento, de
modo que estes possam ser realizados também no Centro de Humanidades, no Campus
Fátima.
- A
participação popular nas decisões que dizem respeito ao espaço da universidade,
construindo um espaço não alienado do povo, bem como seu acesso não só nas
entradas, como também em suas estruturas internas de permanência.