Foto: The Intercept
Sobre o pronunciamento do ex-secretário da cultura
de Bolsonaro, Roberto Alvim.
No dia 16 de janeiro, Roberto Alvim, em
pronunciamento oficial da Secretaria de Cultura, copiou o discurso e a estética
do ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels. Como se não fosse suficiente,
ainda utilizou a ópera de Lohengrin de Wagner elogiada por Hitler.
O plágio gerou uma péssima repercussão, tendo sido
criticado até por apoiadores do governo como Olavo de Carvalho. O caso é que o secretário
foi exonerado, neste dia 17, porque não caiu bem sua apologia explícita ao
nazismo, afinal, melhor ser sorrateiro como Damares Alves e Abraham Weintraub.
Disse Alvim:
A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada.
Se o trecho plagiado já assusta, o restante do
discurso apavora. Mas o que significa o pronunciamento de Roberto Alvim?
Significa uma política cultural articulada com o projeto de sociedade
bolsonarista: profundamente antidemocrática, conservadora, reacionária, fundamentalista.
A política do regime nazista subjugava a cultura
estética aos interesses nacionais. “A cultura é a base da pátria. Quando a cultura
adoece, o povo adoece junto”, disse o secretário. A arte incentivada pelos
nazistas era uma arte que deveria destacar a alma do povo e expressar seus
eternos ideais e valores. Aqui, o secretário nos exorta a produzir uma arte “enraizada
na nobreza de nossos mitos fundantes”. Para o nazismo, o único papel da arte
era reproduzir mecanicamente o que a política determinava como caráter eterno
do povo, pregavam a família, a raça e o povo como valores alemães.
Eles exigiam concordância com esses princípios, não
havia espaço para uma arte crítica e livre. Outra semelhança está na defesa da
lealdade e do autossacrifício na luta contra o mal. A política cultural de
Hitler tinha as virtudes militares em alto apreço. Para o nazismo a arte seria
purificada pela eugenia. Da mesma forma, Alvim, denomina o território da arte
de sagrado, fazendo um chamado para o retorno à ideia de harmonia do homem com
sua terra e sua natureza. Se o ex-secretário retirara a palavra romantismo do
plágio, ele o constrói aqui.
Os “mesquinhos interesses particulares”, segundo
Alvim, não podem estar acima dos valores da nação, desta forma, a arte, para os
nazistas, deveria superar a noção individualista e sentimental para expressar
os anseios do povo, mas o povo ansiava o que sua política determinava.
E o trecho abaixo resume tudo.
Ao país a que servimos só interessa uma arte que cria a sua própria qualidade, a partir da nacionalidade plena, e que tem significado constitutivo para o povo para o qual é criada” e ainda “São estas formas estéticas, geradas por uma arte nacional que agora começará a se desenhar, que terão o poder de nos conferir, a todos, energia e impulso para avançarmos na direção da construção de uma nova e pujante civilização brasileira.
Se você está tentado a pensar que tudo acabou com a demissão de Roberto
Alvim, se engana. O site The Intercept
Brasil [1] divulgou, na noite desta sexta-feira, um e-mail
confidencial do assessor de José Paulo Martins, em nome deste, que reproduz os
ideais proclamados no pronunciamento do ex-secretário. O e-mail expõe
parâmetros para “os objetivos e ações para 2020”, são eles: o nacionalismo, a
exaltação à família, a “profunda ligação com Deus” e a “luta contra o que
degenera”.
Em 19 de julho de 1937, na Casa da Arte Alemã, foi inaugurada uma exposição que se chamou “Arte degenerada" [2]. Tratava-se de um termo para difamar toda a arte moderna. “O termo alemão para degeneração é entartet, um termo que insinua um desvio da Art, a palavra alemã para espécie. O significado literal do termo parecia confirmar a posição nazista de que a fonte de degeneração na arte – e em outras áreas da vida – era a impureza racial e o desvio da saudável linhagem nórdica" [3]. O e-mail trazido à público pelo The Intercept Brasil só prova que a política seguirá firme, mesmo sem Roberto Alvim, e permanecerá independentemente de quem vir a sentar na cadeira da secretaria especial de cultura, ou da educação, ou da justiça, enquanto este projeto estiver à frente do país.
Tudo o que se desvia da ideologia bolsonarista, degenera. Não nos iludamos com o discurso aparentemente elitista. O nazismo não defendeu apenas a arte clássica, mas todas as manifestações artísticas tinham espaço na estética nazista desde que coadunassem com seu projeto social. Estética nazista não é sinônimo de estética burguesa e não é antônimo de arte popular. Não se trata de gêneros, de escolas, de abordagens, de localização social. Trata-se de algo maior: de colocar a cultura à serviço da ideologia bolsonarista.
Clara Zetkin [4] apontou que uma das principais ofensivas do fascismo foi a educacional, moral e cultural. A hegemonia da cultura cria uma coesão social que se estende a todos os âmbitos da sociedade, desde produções artísticas complexas até as mais cotidianas atividades corriqueiras.
Em 19 de julho de 1937, na Casa da Arte Alemã, foi inaugurada uma exposição que se chamou “Arte degenerada" [2]. Tratava-se de um termo para difamar toda a arte moderna. “O termo alemão para degeneração é entartet, um termo que insinua um desvio da Art, a palavra alemã para espécie. O significado literal do termo parecia confirmar a posição nazista de que a fonte de degeneração na arte – e em outras áreas da vida – era a impureza racial e o desvio da saudável linhagem nórdica" [3]. O e-mail trazido à público pelo The Intercept Brasil só prova que a política seguirá firme, mesmo sem Roberto Alvim, e permanecerá independentemente de quem vir a sentar na cadeira da secretaria especial de cultura, ou da educação, ou da justiça, enquanto este projeto estiver à frente do país.
Tudo o que se desvia da ideologia bolsonarista, degenera. Não nos iludamos com o discurso aparentemente elitista. O nazismo não defendeu apenas a arte clássica, mas todas as manifestações artísticas tinham espaço na estética nazista desde que coadunassem com seu projeto social. Estética nazista não é sinônimo de estética burguesa e não é antônimo de arte popular. Não se trata de gêneros, de escolas, de abordagens, de localização social. Trata-se de algo maior: de colocar a cultura à serviço da ideologia bolsonarista.
Clara Zetkin [4] apontou que uma das principais ofensivas do fascismo foi a educacional, moral e cultural. A hegemonia da cultura cria uma coesão social que se estende a todos os âmbitos da sociedade, desde produções artísticas complexas até as mais cotidianas atividades corriqueiras.
O que tudo isso significa?
Significa que a política cultural bolsonarista está
intrinsecamente ligada a seu projeto político, e não poderia ser diferente. O
fascismo e o nazismo são totalizantes. Todas as esferas da sociedade precisam
se articular para dar sustentação ao projeto nacional bolsonarista, por isso,
tenho defendido que as falas de Damares Alves não são cortinas de fumaça, mas
expressam um projeto que abarca a condição da mulher, a configuração da
família, o controle do corpo e da sexualidade, a educação, o pensamento livre,
a arte, a cultura, a vida privada do povo, a religião.
É assim que a ideologia neofascista/neonazista do
bolsonarismo quer entrar na vida do real povo brasileiro, criando uma retórica
de orgulho nacional, de grande nação de enormes possibilidades, criando uma
mitologia romântica de nossas origens e associando um falso elitismo artístico
à nossa grandeza nacional.
Não nos iludamos. Toda essa retórica nazista não
produziu grande arte na Alemanha, ao contrário, produziu artistas medíocres sem
sensibilidade estética, de talento questionável. Principalmente, não confundam
a defesa da grande arte, da arte verdadeira, com o arremedo que produziu o
nazismo cujo bolsonarismo quer imitar.
A Arte verdadeira eleva, enriquece, desnuda a realidade, faz avançar a
consciência. Defendamos a Arte contra o bolsonarismo!
Karla Raphaella Costa Pereira
Militante da Resistência