sábado, 8 de fevereiro de 2020

Preço justo?




Os protestos dos “olivareros” isto é, dos agricultores espanhóis da produção de azeite de oliva, neste dia 30 de janeiro em Jaen, principal província produtora de azeite na Espanha, situada ao noroeste da comunidade autônoma de Andalucía, representam uma reação à política econômica capitalista, sobretudo dos Estados Unidos, que impõem tarifas sobre as importações do azeite de oliva.


De acordo com dados da Eurostat [1], que é o escritório estatístico da Comissão Europeia, 35% das exportações de azeite da União Europeia no primeiro trimestre de 2019 foram para os EUA, com um valor estimado de US$ 339 milhões (301 milhões de euros). A Espanha é o principal país que exporta para o mercado norte-americano, com 35.323 toneladas. Em segundo lugar está a Itália, com 30.898 toneladas, seguida por Grécia (3.506 toneladas) e Portugal (1.410 toneladas).


O movimento, conduzido por algumas organizações agrárias (ASAJA, COAG, UPA, Cooperativas Agro-alimentarias e Infaoliva), protesta contra os baixos preços do azeite que estão muito abaixo dos custos de produção. A reivindicação principal é por “preços justos”, além da revisão do sistema de armazenamento, da eliminação das tarifas com os Estados Unidos, da autorregulação do mercado, entre outros.


A Espanha é dividida geograficamente em 17 comunidades autônomas e 50 províncias e pode-se dizer que a produção de azeite de oliva é predominante no país, já que está presente em 34 províncias de 13 comunidades autônomas [2].



Jaén, que como vimos faz parte da comunidade autônoma de Andalucía, é reconhecida como a capital mundial do azeite de oliva porque além de ser a maior região produtora de azeite de oliva na Espanha, é também a maior produtora do mundo, chegando a superar a Itália, que é o segundo país maior produtor mundial.


A produção do azeite de oliva compreende um longo processo constituído por momentos distintos, começando com um ciclo anual de cultivo, depois com a coleta da azeitona, seguido da extração do azeite oriundo da azeitona. Após estes processos de transformação da natureza, por meio do trabalho, se dá o processo de engarrafamento para a sua comercialização.


O azeite de oliva, como qualquer mercadoria produzida no sistema capitalista, é resultado da venda e compra da força de trabalho, que tem como principal objetivo a obtenção do lucro.


O processo de valorização do valor faz parte da natureza do capital que, sendo uma relação social fundada na venda e na compra da força de trabalho, percorre uma série de metamorfoses: duas destas fases pertencem à circulação e uma à esfera da produção.


O primeiro momento corresponde ao ciclo inicial do capital, em que se realiza um processo de circulação; neste momento, o capitalista comparece como possuidor de dinheiro e comprador de mercadorias, que são a força de trabalho e os meios de produção. Para exemplificar com a produção do azeite de oliva [3], comecemos com o plantio de oliveiras, cujo fruto é a azeitona ou oliva. O capitalista, que possui dinheiro, compra o que é necessário à produção de azeitonas, como a terra, as sementes, a força de trabalho e os meios necessários à produção, como as máquinas, o transporte, entre outros. Mas ele também tem a opção de comprar no mercado a azeitona produzida, matéria-prima [4] fundamental na produção do azeite. Todavia, tanto a plantação de oliveiras como a matéria-prima, a azeitona, além dos meios de produção, necessários à produção de azeite de oliva, resultam da ação humana que transforma a natureza, do trabalho humano, força motriz que impulsiona o processo de produção do capital. 

Após comprar as mercadorias – a força de trabalho e os meios de produção –, o capitalista passa a consumi-las produtivamente, ou seja, como “meios de subsistência do trabalho, da força de trabalho ativa do indivíduo” (MARX, 1996, p. 302). Este é o segundo movimento do capital (a esfera da produção), em que o capitalista realiza o consumo produtivo das mercadorias compradas. Para continuar com o exemplo, após comprar tudo necessário à produção do azeite, segue o processo de produção do trabalho em que se obtém o produto, o azeite de oliva.


Uma vez produzida a mercadoria, o capitalista volta ao mercado para vendê-la, convertendo-a assim novamente em dinheiro. Este momento corresponde ao terceiro estágio do capital, completando finalmente o seu movimento que resulta num processo de produção da mais-valia, isto é, o “excedente sobre o valor original”. Neste sentido, o “[...] valor originalmente adiantado não só se mantém na circulação, mas altera nela a sua grandeza de valor” (MARX, 1996, p. 271). Seguindo com o exemplo, quando finalmente o azeite é engarrafado, encontra-se pronto para ser vendido no mercado. Ao vender o azeite, o capitalista obterá uma quantidade de dinheiro maior do que aquela investida no início do processo para comprar todas as mercadorias necessárias para produzir o azeite: matéria-prima, meios de produção e a força de trabalho. Assim como se coloca fermento num bolo para que ele cresça, com o dinheiro do capitalista ocorre o mesmo, no entanto, o “fermento” que faz com que o dinheiro do capitalista cresça é o trabalho.


Portanto, no final do processo, o valor adiantado não apenas é preservado, como é agregado novo valor ao processo, de maneira que ele pode começar o novo ciclo com uma grandeza superior à precedente.


A mais-valia, isto é, este excedente que foi apropriado pelo capitalista, só é possível por causa de uma mercadoria “especial”: a força de trabalho. O valor que a força de trabalho produz no tempo de trabalho em que ela foi comprada é maior do que o valor que ela custa ao capitalista. Sem a compra e venda da força de trabalho não tem mais-valia, capital produtivo. Portanto, a força de trabalho cria valor, isto é, gera um valor superior ao que custa; ela produz mais valor que o necessário para reproduzi-la.


Para melhor esclarecer, vejamos o seguinte exemplo: numa jornada de trabalho de 12 horas, em 8 horas o trabalhador repôs a sua força de trabalho e repôs para o capitalista o valor que ele foi comprado, isto é, o preço pago pelo salário. O valor de 4 horas que ele produz é apropriado pelo capitalista; as 8 horas correspondem ao tempo de trabalho necessário, enquanto as 4 horas são referentes ao tempo de trabalho excedente.


Com base nestes fundamentos, diríamos que sob o sistema do capital, é impossível existir “preço justo”, “salário justo”, ou em outras palavras, uma “relação justa” entre trabalho e capital. A essência do capital consiste numa relação contraditória inconciliável entre trabalhadores e capitalistas, entre trabalho e capital.


A manifestação dos “olivareros” espanhóis é um convite à reflexão acerca da tarefa inadiável de conduzir as lutas dos trabalhadores em geral contra a existência do capital, causa da desigualdade e da injustiça social.

Edna Bertoldo
Professora da Universidade Federal de Alagoas
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Referências Bibliográficas



[2] Disponível em:  www.esenciadeolivo.es/aceite-de-oliva/aceite-de-oliva-en-espana/zonas-productoras-en-espana. Acesso em: 30 jan. 2020.

[3] Os exemplos que seguem para esclarecer melhor a teoria de Marx foram sugeridos por Michele Bertoldo Coêlho, minha filha, que embora tenha formação acadêmica na área da Física, sem que fosse sua intenção ou resultado de seu conhecimento, acabou reafirmando a tese marxiana da prioridade ontológica da objetividade existente tanto na ciência da natureza, quanto na ciência social.


[4] “Todas as coisas que o trabalho só desprende de sua conexão direta com o conjunto da terra, são objetos de trabalho preexistentes por natureza. Assim o peixe que se pesca ao separá-lo de seu elemento de vida, a água, a madeira que se abate na floresta virgem, o minério que é arrancado de seu filão. Se, ao contrário, o próprio objeto de trabalho já é, por assim dizer, filtrado por meio de trabalho anterior, denominamo-lo matéria-prima. Por exemplo, o minério já arrancado que agora vai ser lavado. Toda matéria-prima é objeto de trabalho, mas nem todo objeto de trabalho é matéria-prima. O objeto de trabalho apenas é matéria-prima depois de já ter experimentado uma modificação mediada por trabalho”. Cf. MARX, K. O capital: crítica da economia política. Volume 1, livro primeiro, tomo 1. Trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, p. 298, grifo nosso.