Este texto é uma singela contribuição para o debate político que urge, em função das contradições do capitalismo hodierno e dos ataques do governo fascista em nosso país. Busco , pois, apenas atiçar os debates políticos que são necessários à preparação intelectual dos camaradas que, como nós, intentam honestamente construir uma sociedade sem classes, a partir do conhecimento da realidade de nosso país, de nosso continente e do planeta, além da história da luta de classes e das teorias que as fundamentam.
1. A
colonização europeia
Habitada
por diversas populações aborígenes, cuja cultura, organização social e domínio
territorial diferiam substancialmente, mas cujo destino convergiu para o mesmo
trágico desfecho: a dominação colonial europeia, o continente latino-americano
vivencia há cinco séculos o drama da opressão política e a exploração econômica
estrangeiras.
O massacre da população nativa
pelos invasores-saqueadores e a inadequação daquela aos interesses destes
impuseram a importação de novos escravos oriundos do continente africano, para
o cultivo agrícola de produtos direcionados ao mercado europeu.
Ao longo dos séculos, uma
população quantitativamente extensa e explorada pelos impérios europeus em
nossa região continental foi gestando ideais libertários de cunho nacionalista,
mas que manteve intacto o sistema de dominação política e econômica sobre os
pobres em cada país do continente. A ruptura política atendeu a interesses de
grupos econômicos locais, que mantiveram o mesmo processo de exploração sobre
os trabalhadores do continente. As elites agrárias, que conduziram as lutas
emancipatórias, não romperam os liames econômicos com o continente europeu, o
que lhes assegurou os privilégios econômicos e as alçou à condição de dirigentes
políticos em cada nação latino-americana.
Heróis libertários como Símon
Bolívar, que dirigiu a luta pela independência da região da Grã-Colômbia (
Colômbia, Venezuela, Panamá e parte do Equador) e do Peru e da Bolívia; José Martí, que inspirou a luta anticolonial
em Cuba e em países do Caribe e Emiliano Zapata, no México não conseguiram
êxito na tentativa de criar nações independentes economicamente dos países
centrais europeus. E essa dependência econômica, cujo marco eram as dívidas
externas para com aqueles países da Europa, consolidou uma relação de
dependência tecnológica e financeira alimentada pelas elites nacionais, que
preferiram associar-se às elites da Europa a confrontá-las, tentando fortalecer
a economia nacional e rompendo com as dívidas de que eram legatárias.
E a única tentativa de
construção de uma economia nacional sólida e independente da Europa,
desenvolvida por Solano Lopez no Paraguai, foi exterminada pela intervenção
estrangeira, capitaneada pela Inglaterra, que promoveu a Guerra do Paraguai, na
qual Brasil, Uruguai e Argentina, para terem parcelas de suas dívidas
perdoadas, aniquilaram o país vizinho, e abortaram aquela experiência que
poderia ser modelo de independização econômica em relação aos países centrais
europeus.
As elites de nosso continente,
portanto, sempre estiveram determinadas a manterem seus privilégios econômicos
e políticos a partir de sua submissão aos interesses das oligarquias
estrangeiras em nosso continente, como o fazem ainda. Seu nacionalismo é só
retórico, pois se subordinam aos ditames forâneos, que ampliam a exploração e a
opressão sobre os povos de cada país da LatinoAmérica.
Assim, a exploração econômica
dos colonizadores foi determinando a gestação de regimes políticos que alicerçavam
o seu controle político-ideológico em todo o nosso continente. Governos títeres
apoiados pela plutocracia europeia alinhavam o terror político com o controle
ideológico, para imporem as diretrizes econômicas que ampliavam a concentração
de riqueza e disseminavam a pobreza e a miséria entre os trabalhadores e a
população pobre nas colônias.
As sublevações dos explorados
eram reprimidas com extrema violência. E foram diversas, em toda a América
Latina.
Uma das mais significativas,
mas pouco conhecida (deliberadamente, aqui pouco se estuda a história dos
países do nosso continente, ao contrário da história dos países colonizadores)
foi a revolução anti-escravocrata e anticolonial haitinana, liderada pelos
escravos africanos, que erigiu a primeira nação dirigida por escravos (em cujo
processo se destacaram os escravos Toussaint Louverture e Jean-Jacques
Dessalines, que liderou o movimento insurrecional) em nosso continente, e que
foi debelada pelo exército de Napoleão Bonaparte ( a região do atual Haiti foi colônia
francesa de São Domingo, conquistada definitivamente pela França pelo tratado
de Ryswick, pelo qual a Espanha cedia àquele país a parte oeste das suas
colônias).
2. A neocolonização norte-americana
Com o desenvolvimento do
capitalismo, os interesses nacionais foram se impondo às disputas territoriais
entre as nações mais ricas da Europa. E, com a independência e desenvolvimento
dos Estados Unidos, as oligarquias daquele país começaram a disputar a mão de
obra barata e os produtos essenciais ao desenvolvimento econômico no continente
latino-americano junto com os países europeus. E, para demarcar seu domínio
econômico sobre os países vizinhos ou adjacentes, determinaram a Doutrina
Monroe, pela qual o governo daquele país não admitiria a criação de mais
colônias europeias em nosso continente. Começava, naquele período, a mudança da
dominação predatória sobre as colônias do continente Sul.
Após o fim da Segunda Guerra
Mundial, com a decadência da Europa e a ascendência definitiva da economia
americana e seu poderio bélico-militar, e a consolidação da primeira sociedade
de cunho socialista no planeta, a URSS (denominada União Soviética), o
presidente americano Harry Truman impôs a “Doutrina Truman”, sob a alegativa de
impedir o avanço do “comunismo” no planeta, mas que verdadeiramente tencionava
impor ditaduras draconianas no continente latino-americano e alhures, para
preservar os interesses dos grupos econômicos centrais daquele país sobre os concorrentes
europeus. Foi arquitetado, naquele governo, a famigerada “Operação Condor”,
que, sob o controle da recém criada CIA (órgão da inteligência política
americana), unificou os militares e empresários subalternos de Brasil,
Argentina, Chile, Uruguai, Bolívia e Paraguai em torno da criação de ditaduras
cívico-militares no continente sulamericano. A partir da solidificação desses
regimes, foi implementado o ataque às organizações de luta anticapitalista e o
massacre a seus membros, concomitante com políticas de ataque às condições de
vida da classe trabalhadora, cujo objetivo era maximizar os lucros do capital
naqueles países.
Essas ditaduras sanguinárias
deixaram ainda mais submissas ao domínio do imperialismo norte-americano as
nações do nosso continente. E, em função das crises cíclicas do sistema
capitalista, o mais desumano e ameaçador à vida no planeta projeto capitalista
pôde ser aplicado como protótipo no país onde a ditadura militar beirou à
selvajaria: o Chile. Esse projeto, denominado paradoxalmente de neoliberalismo
(quando, na verdade, buscava a concentração absurda e o controle minucioso do
capital, que se opõem à tese do liberalismo clássico), intensificou a
exploração e a precarização do trabalho e ampliou substancialmente o saque às
economias dos países dependentes, o que gerou uma distância abismal entre as
economias dos países mais ricos e os demais países do mundo, e minou as
condições objetivas de desenvolvimento destes.
Assim como impôs ditaduras no
continente, o governo americano, sempre assessorado pela CIA, dominou o
processo de redemocratização dos países do cone Sul. E sua influência nas
determinações dos governos na região se comprova pelas últimas eleições
presidenciais na América Latina. Na América do Sul: No Peru (Martin Vizcara,
2018); na Colômbia (Ivan Duque, 2018);
no Chile (Sebastian Piñeda, 2017); no Equador (Lenin Moreno,2017); na
Argentina (Mauricio Macri,2015) no Paraguai (Mario Benitez, 2018), o golpe
contra Dilma Rousseff e a eleição de Bolsonaro no Brasil. E na América Central:
em Honduras (Juan Hernandez,2018) e na Costa Rica (Carlos Alvareda,2018). Todos
esses governos professam seu inarredável compromisso com a “aliança”
político-econômica com o governo Trump, que significa a subornação das elites
desses países aos interesses imperialistas ianques em casa país.
O único país em que a
influência nefasta norte-americana não se manifesta mais em nosso continente é
a Venezuela, cujo governo resiste bravamente às tentativas de golpe
institucional maquinado pelos USA, com a aval da maioria dos países europeus.
3. O papel das esquerdas na América Latina
As organizações de esquerda
sempre tiveram destacada atuação no combate às formas de dominação imperialista
em cada país da América Latina. Seja no enfrentamento das forças repressivas
para-militares ou estatais, na luta parlamentar, nas lutas camponesas ou
indígenas ou nas lutas sindicais, esses movimentos refrearam, em alguns
momentos históricos, os interesses imperialistas ou minimizaram os seus efeitos
para o povo explorado em seu país.
Governos eleitos
democraticamente ou que foram gestados por movimentos insurrecionais
disseminaram políticas que, em alguns países, permitiram um abrandamento, ainda
que fugaz, na condição de existência da maioria da população nacional.
O peronismo na Argentina, o
aprismo no Peru, o ptismo no Brasil, o masismo na Colômbia, dentre outros
exemplos da vitória eleitoral da esquerda latino-americana, desenvolveram
políticas econômicas que, em maior ou menor substância, proporcionaram algumas
conquistas sociais (e/ou a manutenção delas) para os explorados em seus países,
mas, por uma adesão à via de conciliação de classes e sabotagem
político-econômica do imperialismo, acabaram sendo destituídos da governança estatal
e permitiram a ascensão de governos abertamente pró-imperialistas. O chavismo
na Venezuela ainda resiste, pelo apoio da Rússia, mas a não ruptura com a
sociedade capitalista e a não formação de comitês de trabalhadores e explorados
em torno de um projeto anticapitalista podem decretar a derrota política
daquela corrente de esquerda naquele país e sua substituição por um governo
títere dos Estados Unidos.
E mesmo os governos
instituídos após a luta revolucionária, como em El Salvador e na Nicarágua,
capitularam ao imperialismo ao não desenvolverem políticas de ruptura com o
capitalismo e a extensão pelo continente das revoluções nacionais.
Como a realidade objetiva de
cada país difere em relação à organização e enfrentamento dos explorados ao Estado
burguês, aos condicionamentos econômicos, políticos, culturais e sociais, não
se pode presumir que haverá uma teoria revolucionária única para a construção
do socialismo em cada nação do continente, mas urge a necessidade de os
movimentos revolucionários se debruçarem de forma enfática na teorização das
táticas e da estratégia que melhor se aplique a cada realidade nacional dele.
4. A efervescência das lutas e
a tarefa dos revolucionários
As
inovações no sistema capitalista suscitaram novos fenômenos sociais que
intensificam o seu caráter predatório, desumanizador e genocida. O desemprego
estrutural, a destruição irretroagível da natureza, a miséria absoluta de
milhões de seres humanos e as doenças derivadas da precarização das condições
de vida são anomalias irreversíveis para a humanidade dentro do capitalismo
putrefato.
Ao
mesmo tempo, a mundialização da informação e das lutas dos explorados começam a
marcar uma nova perspectiva de embate de classes, que tende a suplantar o
espaço nacional.
As
manifestações e lutas dos trabalhadores e demais explorados pelo planeta
repercutem em todos os continentes e se convertem em estímulo para outros
explorados em outros países.
Em
nosso continente, as ebulições sociais sugerem uma reação dos explorados, ainda
que não contra o sistema, mas que potencializam as lutas anticapitalistas. Se,
em nosso país, o proletariado e demais explorados silenciam diante dos
desmandos de um governo assumidamente fascista, devemos lembrar que foram as
manifestações de 2013 no Brasil que serviram de inspiração para as
manifestações recentes em nossos países vizinhos.
Parte
da omissão política dos explorados em nosso país deve-se á política de
contenção desenvolvida pela “esquerda oficial”, que espera a desmoralização do
atual governo, para apresentar uma candidatura à presidência da República em
2022.
Portanto,
urge que nós, comprometidos com o processo de construção do socialismo,
tenhamos a lucidez política de buscarmos o estudo de nossa realidade nacional e
de promover a disseminação de debates políticos que possam nortear a construção
de alternativas de enfrentamento e de construção de organismos políticos que
elevem a consciência e a organização dos explorados, rumo à superação da
sociedade de classes.
Prof. Maurício de Oliveira - Membro do GPOSSHE, é professor da rede estadual do Ceará, da rede municipal de Maracanaú e mestrando em Educação pelo PPGE/UECE.
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