Não tinha percebido que o tempo havia decorrido tão
rapidamente. E nestas noites de forte calor, tenho refletido sobre coisas que
absolutamente ainda me incomodam. Mesmo que eu tivesse usufruído o sabor do
último beijo, nunca imaginaria que a primeira despedida seria o fim do que
nunca tinha começado. Começado a lhe amar. Qual amor que não se realiza por
falta de coragem em dizer: te quero. Isso seguramente, não faz mais nenhum
sentido, e ainda que fizesse, para mim seria cheio de vazio e incertezas.
Procuro me acostumar com sua ausência, embora minha necessidade de solidão seja
mais pungente do que sua lembrança mórbida. E assim, passei o resto da semana
subjugado a um passado que se petrificou numa amarga saudade impertinente.
Tenho lutado desesperadamente para superar essa aflição, mas toda vez que tento
resistir, inevitavelmente, saiu derrotado. Já não consigo mais lutar. Tudo
torna-se uma inglória aspiração por uma paixão morta.
Ando
escarnecendo de mim mesmo para aplacar a desolação de minha consciência pesada.
Não cometi crime algum, mas padeço de minhas próprias angústias intermitentes.
E neste tormento de furor e cansaço, mal vislumbro meu futuro já derrogado. Eu
sempre insisti em me manter sóbrio para pensar nas minhas insistentes
desilusões. Ainda assim, depois de naufragar num fosso raso, eu me refaço em
gestos e atitudes incomuns. Incomuns com o destino e os desafetos. Mas muita
coisa pode mudar daqui pra frente, sobretudo com relação àquilo que me faz
falta. Na verdade tento me acostumar a não viver exausto de mim mesmo. Em
muitas ocasiões prefiro me sentir como se outra pessoa ocupasse meu lugar.
Lugar não delimitado onde as fronteiras entre o pensar e o sentir se misturam
indistintamente, e isso, decerto, me causa sensações de regozijo e desânimo.
Nenhuma paz é
suficiente para suplantar minha inquietude essencial, meu desejo de
discernimento é voraz e não cabe em meias palavras de silêncio ou solidão. Eu
mesmo às vezes me sinto impelido a ter que aceitar que sou uma pessoa
desprendida de detalhes. Digo o que penso apenas em situações nas quais percebo
uma distância necessária entre eu, os outros e meus enganos. Ultimamente tenho
me dedicado com afinco a pensar profundamente na imensidade do meu nada, ou
seja, naquilo que talvez represente meu aspecto mais singular, meu êxtase em
noites prolongadas. A bem da verdade, não suporto fingir meus fracassos. A
razão maior que tem me levado a acreditar que nenhuma esperança é razoável, é o
fato de saber lucidamente que não há esperança alguma. O universo é infinito,
sempre existiu e só há um fim último para a humanidade, de resto, tudo é
possível para quem não crê.
De muitas
maneiras obstrui meu destino. E o que posso afirmar é que até agora, minha
desolação é um mal necessário. Não um mal que me destroça, mas um ocaso que me
joga no covil comum da existência. Não quero uma disputa em vão com a vida.
Quero acima de tudo me expressar numa linguagem verossímil. Não quero retardar
o presente, quero resgatar um passado possível com todos os seus infortúnios,
derrotas e redenções. Talvez tenha escolhido seguir pelos caminhos errados, mas
encontrei em amplos desertos minhas veredas imprevistas. E como não me projeto
em nenhum abismo visível, só encontro motivos para dizer que a última parada é
a primeira estação de inverno. O frio e a saudade constitui uma sinfonia sem
hora pra acabar.
E assim, nada
permanece como está. E eu que imaginei por vezes estar longe de toda obsessão de
amar, me transcrevi numa tormenta de mil poemas. Rabisquei minha história no
derradeiro sol poente, e nas águas turvas de minha memória subterrânea,
aniquilei meu indesejável desgosto. Prefiro esquecer o que não me provoca dor.
Tenho razões pra querer somente aquilo que suscita em mim paradoxos. E se ando
assim meio perplexo, é porque a vida é melhor do que a solidão dos sábios. Eu é
que não quero insistir naquilo que não me convém. E toda manhã eu subjugo a mim
mesmo. Saboreio um café sem pensamentos e sinto o quanto a vida é fascinante e
sem enigmas. Apesar de tudo, eu sinto que este descaso com minhas próprias
ideias é uma necessidade inelutável de me reconfortar com o dia que apenas
começa.
Por Antonio Marcondes