quarta-feira, 29 de abril de 2020

Eu que apenas me contradigo



Não tinha percebido que o tempo havia decorrido tão rapidamente. E nestas noites de forte calor, tenho refletido sobre coisas que absolutamente ainda me incomodam. Mesmo que eu tivesse usufruído o sabor do último beijo, nunca imaginaria que a primeira despedida seria o fim do que nunca tinha começado. Começado a lhe amar. Qual amor que não se realiza por falta de coragem em dizer: te quero. Isso seguramente, não faz mais nenhum sentido, e ainda que fizesse, para mim seria cheio de vazio e incertezas. Procuro me acostumar com sua ausência, embora minha necessidade de solidão seja mais pungente do que sua lembrança mórbida. E assim, passei o resto da semana subjugado a um passado que se petrificou numa amarga saudade impertinente. Tenho lutado desesperadamente para superar essa aflição, mas toda vez que tento resistir, inevitavelmente, saiu derrotado. Já não consigo mais lutar. Tudo torna-se uma inglória aspiração por uma paixão morta.
         Ando escarnecendo de mim mesmo para aplacar a desolação de minha consciência pesada. Não cometi crime algum, mas padeço de minhas próprias angústias intermitentes. E neste tormento de furor e cansaço, mal vislumbro meu futuro já derrogado. Eu sempre insisti em me manter sóbrio para pensar nas minhas insistentes desilusões. Ainda assim, depois de naufragar num fosso raso, eu me refaço em gestos e atitudes incomuns. Incomuns com o destino e os desafetos. Mas muita coisa pode mudar daqui pra frente, sobretudo com relação àquilo que me faz falta. Na verdade tento me acostumar a não viver exausto de mim mesmo. Em muitas ocasiões prefiro me sentir como se outra pessoa ocupasse meu lugar. Lugar não delimitado onde as fronteiras entre o pensar e o sentir se misturam indistintamente, e isso, decerto, me causa sensações de regozijo e desânimo.
         Nenhuma paz é suficiente para suplantar minha inquietude essencial, meu desejo de discernimento é voraz e não cabe em meias palavras de silêncio ou solidão. Eu mesmo às vezes me sinto impelido a ter que aceitar que sou uma pessoa desprendida de detalhes. Digo o que penso apenas em situações nas quais percebo uma distância necessária entre eu, os outros e meus enganos. Ultimamente tenho me dedicado com afinco a pensar profundamente na imensidade do meu nada, ou seja, naquilo que talvez represente meu aspecto mais singular, meu êxtase em noites prolongadas. A bem da verdade, não suporto fingir meus fracassos. A razão maior que tem me levado a acreditar que nenhuma esperança é razoável, é o fato de saber lucidamente que não há esperança alguma. O universo é infinito, sempre existiu e só há um fim último para a humanidade, de resto, tudo é possível para quem não crê.
         De muitas maneiras obstrui meu destino. E o que posso afirmar é que até agora, minha desolação é um mal necessário. Não um mal que me destroça, mas um ocaso que me joga no covil comum da existência. Não quero uma disputa em vão com a vida. Quero acima de tudo me expressar numa linguagem verossímil. Não quero retardar o presente, quero resgatar um passado possível com todos os seus infortúnios, derrotas e redenções. Talvez tenha escolhido seguir pelos caminhos errados, mas encontrei em amplos desertos minhas veredas imprevistas. E como não me projeto em nenhum abismo visível, só encontro motivos para dizer que a última parada é a primeira estação de inverno. O frio e a saudade constitui uma sinfonia sem hora pra acabar.
         E assim, nada permanece como está. E eu que imaginei por vezes estar longe de toda obsessão de amar, me transcrevi numa tormenta de mil poemas. Rabisquei minha história no derradeiro sol poente, e nas águas turvas de minha memória subterrânea, aniquilei meu indesejável desgosto. Prefiro esquecer o que não me provoca dor. Tenho razões pra querer somente aquilo que suscita em mim paradoxos. E se ando assim meio perplexo, é porque a vida é melhor do que a solidão dos sábios. Eu é que não quero insistir naquilo que não me convém. E toda manhã eu subjugo a mim mesmo. Saboreio um café sem pensamentos e sinto o quanto a vida é fascinante e sem enigmas. Apesar de tudo, eu sinto que este descaso com minhas próprias ideias é uma necessidade inelutável de me reconfortar com o dia que apenas começa.


Por Antonio Marcondes
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