quinta-feira, 21 de maio de 2020

O papel do nazifascismo na história I


Muito se tem discutido sobre as origens, consequências e aspectos fenomenológicos do fascismo. Intento, neste texto, abordar o tema com outra perspectiva que, no momento, apenas suponho estar além da multiplicidade de abordagens investigativas já realizadas. Nesse sentido, procuro demonstrar que essa forma de governo foi engendrada como um protótipo de dominação de classe que, universalizada pela eventual vitória na Segunda Grande Guerra, poderia permitir a salvaguarda do capitalismo com a eliminação progressiva da massa humana excedente ao processo produtivo, um efetivo domínio sobre a classe trabalhadora e o rigoroso controle de natalidade que impediria a expansão da miséria e o melhoramento racial da espécie humana.


1 O fascismo

Na Itália, após a Primeira Guerra, o colapso econômico depauperou substancialmente a classe média, que não tinha ainda expressão política importante até então na história italiana. O desemprego e os baixos salários ampliavam o sofrimento dos trabalhadores, cujas organizações eram disputadas pelos partidos social-democrata e comunista, que promoviam agitações frequentes. Paralelo a eles, o partido fascista surge como uma alternativa de poder, que condenava a dispersão das organizações políticas e a fraqueza e equívocos de seus dirigentes, na condução do país.

     A composição social do movimento fascista era majoritariamente a pequena-burguesia, ex-combatentes, camponeses e membros da classe média. Sua ideologia era o antiliberalismo e o anticomunismo, aos quais seus ideólogos atribuíam a crise social e moral que se abatiam sobre o país. Defendiam a união da nação e princípios socialistas (pleno emprego, salários justos e proteção ao trabalho), advogando também uma política econômica que rompesse o liberalismo e conduzisse o país à prosperidade. Mas era intransigente com relação a manutenção da sociedade do capital, dado que aspiravam à sua ascensão social. O radicalismo pequeno-burguês atraiu a burguesia industrial e financeira, posto que viam naquele partido a possibilidade de domesticação dos trabalhadores e de maximização de seus lucros. A burguesia agrária do sul do país também aderiu ao partido, pois aspirava à eliminação dos conflitos agrários que ameaçavam suas propriedades.

A vitória dos bolcheviques na Rússia pairava como uma sombra ameaçadora às burguesias europeias, em função da crise econômica que assolou o continente após a guerra. Por isso, mesmo que, em princípio, a proposta dos fascistas pudesse causar alguma suspeita à burguesia liberal, pela aparente proximidade conceitual do projeto do partido com algumas ideias socialistas, o setor mis reacionário da classe burguesa percebeu a real essência daquele, e passou a financiá-lo e defendê-lo.

Em 1920 ocorre o ápice do movimento operário na Itália, com a ocupação de várias fábricas e manifestações nas ruas dos centros industriais do país. No sul da país, várias propriedades rurais foram ocupadas por camponeses insurretos. Mas faltava uma direção política às manifestações, que conduzisse o movimento à tomada do poder de Estado. O partido social-democrata italiano, que estava à frente do movimento, negava-se a propor as diretrizes políticas que eram exigidas pelo movimento das massas trabalhadoras, e recuou, ante a disposição dos trabalhadores. E o partido comunista italiano não tinha a influência social que lhe permitisse dirigir o movimento da classe trabalhadora. Este vácuo político permitiu a ascensão do fascismo.

Os fascistas criaram o movimento Fasci di Combatimientto (os “camisas-negras”), que começou a atacar as manifestações públicas e os órgãos dos partidos de esquerda. Os enfrentamentos ocorreram com a conivência do Estado. À tática do ataque direto aos partidos de esquerda somou-se o da exaltação do mito fascista, (no caso italiano, o do “Duce” Mussolini), como instrumento de educação das massas que eram seduzidas pelo ideário fascista. O grande líder haveria de impor as ideias propagadas pelo partido ao conjunto da sociedade italiana, superando as diferenças de classe e promovendo o desenvolvimento nacional, o que traria a grandeza da pátria italiana.

Ao ataque sistemático aos partidos de esquerda e aos movimentos dos trabalhadores seguiram-se os ataques ideológicos, através da imprensa e de panfletos, até o assassinato de lideranças trabalhadoras vinculadas ao movimento operário e camponês e aos partidos de esquerda. Esses ataques iniciaram em Bolonha, no dia 21 de novembro de 1920, quando, em um comício da social-democracia, um grupo armado disparou contra vereadores e o prefeito recém-eleitos, matando dez pessoas e ferindo mais de cem. Logo depois, atacaram as redondezas de Bolonha, agredindo camponeses partidários da esquerda, com o apoio da burguesia latifundiária. E, fortalecidos pelo sucesso dessas empreitadas, começaram a agir nos centros industriais do país.  Surge o partido fascista.

Sobre os equívocos da social-democracia italiana naquele período, Leon Trotsky afirmava,

“[...] É verdade que o proletariado, mesmo após a catástrofe de setembro, foi capaz de travar lutas defensivas. Mas a social-democracia objetivava apenas uma coisa: retirar os trabalhadores do combate às custas de uma concessão atrás de outra. A social-democracia esperava que a conduta dócil dos trabalhadores pudesse restaurar a opinião pública da burguesia contra os fascistas. Além disso, os reformistas até apostaram fortemente na ajuda do rei Victor Emmanuel. Até a última hora, eles contiveram os trabalhadores de todas as formas de travarem o combate com os bandos de Mussolini. Isso de nada lhes valeu. A coroa, junto com a elite burguesa, pendeu para o lado do fascismo [...]” (Trotsky, 1932) – Tradução livre. *

 

Para atrair os trabalhadores, o novo partido fascista propunha a centralização e controle rígidos da economia e a superação da luta de classes, com a construção da unidade nacional pelo progresso e pela grandeza da nação, para os quais as concessões e a adesão incondicional de todas as classes eram exigências irrenunciáveis.

Os discursos belicosos, que propunham a inserção da Itália no rol das grandes nações do planeta já antecipavam o desfecho da ascensão daqueles princípios, no final da década seguinte. Esse arroubo de nacionalismo imperialista pode-se mensurar no discurso do deputado fascista Baldo, transcrito no jornal Corriere della Sera, de 12/5/1932,

 “[...]As criações originais da história e da civilização italiana, desde o dia em que ressurgiu da letargia secular até hoje, se deveram ao voluntariado da juventude. O bando sagrado de Garibaldi, o heroico intervencionismo de 1915, os camisas-negras da Revolução Fascista deram unidade e poder à Itália, fizeram de um povo disperso uma nação. Às gerações que hoje se apresentam à vida sob o signo do Litório cabe a tarefa de dar ao século novo o nome de Roma[...]” (Gramsci, 2002, p. 51)

 

A burguesia sabia, pois, da pretensão de conquista militar de novos mercados, postulada pelo fascismo. A ocupação da Etiópia pelo exército fascista recebeu o apoio incondicional de empresas monopólicas italianas, interessadas em novos mercados consumidores.

Nos primeiros anos de governo, o governo fascista adota uma política econômica de privatização e de controle político da atuação das empresas privadas, subsidiadas por ele. Congelou os salários e destruiu os sindicatos, substituídos por corporações, cujos líderes eram indicados pelo governo, por sugestão dos grandes industriais. As greves foram criminalizadas e os partidos políticos foram banidos, com exceção do partido fascista.  A livre iniciativa era apoiada financeiramente, mas tinha que se ajustar à política de desenvolvimento nacional proposta pelo governo. Depois da grande depressão, já nos anos 30, o governo fascista adota uma política de mercado interno, em substituição às importações. Isso alavanca a economia, e o governo cria indústrias estatais ligadas à guerra, para facilitar o poderio bélico do país. Algumas empresas privadas se somam à produção bélica, aumentando seus lucros com os investimentos estatais.

Essa política de privatização, no início do governo fascista, tinha a intenção de assegurar o apoio do grande empresariado italiano, como o demonstra no Abstract de seu artigo o economista Germà Bel:

“[...]O primeiro governo fascista da Itália aplicou uma política de privatização em larga escala entre os anos de 1922 e 1925. O governo privatizou o monopólio de vendas de jogos, eliminou o monopólio estatal de seguros de vida, vendeu a rede estatal de telefonia e serviços para empresas privadas, reprivatizou a maior indústria de máquinas de metal e autorizou concessões para empresas privadas construírem e administrarem estradas. Essas intervenções representam um dos primeiros e mais decisivos episódios de privatização no mundo ocidental. Apesar de que considerações ideológicas possam ter tido alguma influência, as privatizações foram usadas principalmente como instrumentos políticos para gerar confiança entre os industriais e ampliar o apoio ao governo e ao partido nacional fascista. As privatizações também contribuíram para equilibrar o  orçamento, que era o objetivo central da política econômica fascista em sua primeira fase[...]” (Bel, Germà, THE FIRST PRIVATIZATION: SELLING SOEs AND PRIVATIZING PUBLIC MONOPOLIES IN FASCIST ITALY (1922-1925), (disponível em http://www.ub.edu/graap/bel_Italy_fascist.pdf) – Tradução livre*

 

 A política econômica de governo centrou no apoio aos grandes grupos econômicos em atuação no país, consoante com a concepção de darwinismo social, comum à época e adotada também por aquele como política social: os mais fortes sobrevivem; os mais fracos devem perecer. Essa ideologia foi a justificativa para a pilhagem sobre os judeus, que, segundo uma pesquisa da professora Ilaria Pavan, da Scuola Normale Superiore de Pisa, na Itália:

“[...] entre 1943 e 1945, quando o governo italiano estava sob supervisão direta da Alemanha, o roubo de propriedades de cidadãos italianos judeus e refugiados que tinham chegado à Itália na esperança de obter proteção totalizou quase US$ 1 bilhão de dólares, em valores atuais[...]”  (disponível em http://g1.globo.com/mundo/noticia/2010/11/estudiosos-revelam-outra-faceta-da-italia-com-judeus-na-primeira-guerra.html)

 

Portanto, os grandes industriais italianos já conheciam as propostas de governo fascista em sua amplitude e a elas não só aderiram, como foram recompensados por seu apoio. E não apenas sabiam do interesse de conquista militares daquele governo, como esperavam tirar proveito das ações bélicas por ele implementadas.

 Maurício Oliveira

Professor da Secretaria de Educação do Ceará e do Município de Fortaleza

 

BEL, Germà,  THE FIRST PRIVATIZATION: SELLING SOEs AND PRIVATIZING PUBLIC MONOPOLIES IN FASCIST ITALY (1922-1925) Universitat de Barcelona (GiM-IREA) & Barcelona Graduate School of Economics,  disponível em  http://www.ub.edu/graap/bel_Italy_fascist.pdf

GRAMSCI, Antonio, Cadernos do cárcere v.5, Rio de Janeiro, civilização Brasileira, 2002.

TROTSKY, Leon, Selected Writing:  How Mussolini Triumphed, 1932, disponível  em: https://www.marxists.org/archive/trotsky/works/1944/1944-fas.htm