O GPOSSHE entrevistou
uma icônica personagem da luta dos trabalhadores de nosso estado, o camarada
Rui Holanda, que atuou no movimento popular, camponês e sindical, e se
notabilizou pela fidelidade aos princípios revolucionários e pela intrepidez
nas ações que dirigiu ou das quais participou, no embate de classes contra o
Estado burguês.
Sua integridade moral o
credenciou para gerir as finanças de diversos movimentos nos quais teve
participação. E a exemplaridade de sua conduta, em cada um deles, o fez
referência também nessa esfera da luta política.
Ele vivenciou o
ressurgimento dos movimentos sociais em nosso país, após a ditadura militar, e
a decrepitude daqueles, em função da política de conciliação de classes
implementada por suas direções ao longo dos últimos 30 anos.
Caracterizando-se mais
como agitador do que organizador ou propagandista, ele usa de refinada ironia
para expressar sua oposição ao poder do capital e aos que lhe dão
sustentabilidade política.
Aos 80 anos, o camarada
Rui continua firme na esperança de que a unidade e luta dos trabalhadores no
mundo inteiro resulte na destruição do capitalismo e na edificação da sociedade
socialista.
GPOSSHE: Camarada
Rui, como você ingressou no movimento da classe trabalhadora?
Rui Holanda:
Embora minha revolta contra as três
colunas do “capetalismo” – a divisão de classe, a extração de mais-valia e a
propriedade privada dos meios de produção – tenha se manifestado desde a
juventude, foi somente a partir da nona década do século passado que dei os
primeiros passos na luta revolucionária, até o meu ingresso no aguerrido e
competente PLP (Partido da Revolução Proletária).
GPOSSHE: O camarada teve uma
participação nos movimentos sociais. Quais foram eles?
Rui: Sim. Antes mesmo
de minha efetiva participação no PLP, muitas lutas foram por nós organizadas e
dirigidas, através dos movimentos populares e sindicais, isso nos anos 1970, 1980
e 1990, quando aconteceram centenas de saques em grandes mercantis, diversas
ocupações de solo urbano (dos sem-teto) e rural (dos sem-terra). As organizações
de que participamos, nos períodos aludidos, em função das quais foram travadas os
principais embates contra o Estado burguês foram: Conselho de Moradores da
Granja Portugal (da qual éramos presidente); União das Comunidades da Grande
Fortaleza; MST (Movimento dos sem-terra); MLT (Movimento de Luta pela Terra);
sindicato de trabalhadores rurais de Itapiúna, Capistrano de Abreu, Madalena,
Itatira, Pentecoste, Itaitinga, Chorozinho e Choró-Limão.
Dentre as várias lutas de
que participamos, as que mais repercutiram foram os saques em redes de
supermercados de âmbito nacional, saques estes acontecidos com maior força
justamente no período da grande seca de cinco anos, que se deu entre 1979 a
1983, quando foram mortos 3,5 milhões de nordestinos de fome ou de doenças
relacionadas à desnutrição crônica e aguda. Tudo por causa da situação de
abandono a que as populações pobres foram submetidas pelos genocidas
governantes da época. O livro Genocídio Nordeste – da insuspeita Pastoral da
Terra – conta muito bem essa terrível matança de brasileiros.
Mas no setor de ocupação
de áreas urbanas, uma teve maior destaque, devido à magnitude do patrimônio
“esbulhado”: foi a ocupação do Conjunto Jardim Castelão, com 462 casas, situado
em frente ao famoso cemitério Parque da Paz e próximo ao não menos conhecido
aterro do Jangurussu.
A proprietária do
Conjunto era a riquíssima imobiliária Terra que, com a ocupação ocorrida em
2/5/1986, se via a braços com sérios problemas junto a bancos e órgãos
estaduais e federais. O evento em questão ocupou a grande mídia por muito tempo
e serviu de estímulo para muitas outras ocupações promovidas pelos sem-teto.
GPOSSHE: O camarada foi
vítima da repressão seletiva, promovida pela polícia política do Estado contra
as lideranças dos movimentos sociais?
Rui: Devido à nossa
participação e incentivo às lutas no período, que aconteceram não só em
Fortaleza, mas em vários municípios do interior cearense, acabei por ser
identificado como um dos principais articuladores dos saques, das ocupações de
terras urbanas e rurais, além de outros tipos de pressão ao poder público
burguês: acampamentos, invasões de armazéns da COBAL e de cooperativas. Em
razão disso, fui detido e preso pelas polícias civil, militar e federal, tendo
sido até mesmo torturado pela famigerada PF.
É cabível reconhecer que,
durante muito tempo, a burguesia e seus acólitos governamentais não tiveram
sossego, mas a repressão se tornou mais intensa, na medida que as ações que
realizávamos recrudesciam e as formas de luta se tornavam mais ousadas, a ponto
de, em certa altura, a ordem dada aos órgãos repressores ser; “Se pegar, mata.”
Por isso tive que fugir e me esconder por dois anos nos grotões do interior
mato-grossense.
GPOSSHE: Como foi a
atuação do camarada no PLP?
Rui: No PLP, atuei na
organização clandestina do partido, e realizamos ações que surpreenderam a
própria esquerda em nosso estado, sendo uma delas a ocupação de uma área de
proteção ambiental, no município de Itaitinga, onde fundamos o sindicato de
trabalhadores rurais do município. Uma outra foi um saque a uma sede de uma
rede de supermercado nacional em Fortaleza.
Eu era responsável pela
autodefesa nas ocupações rurais que realizamos e fui escolhido para gerir as
finanças dos acampamentos. Inclusive organizei uma bodega comunitária em um
assentamento que foi conquista de uma de nossas ocupações. Ela se tornou referência
para outros assentamentos, inclusive.
Emprestávamos também
eventual apoio às lutas populares e às greves da classe trabalhadora em
Fortaleza.
GPOSSHE: Como o camarada
avalia a atual situação da classe trabalhadora em nosso país?
Rui: Infelizmente, devido
ao minguado grau de consciência de nosso povo, aliado ao imutável oportunismo
da nossa esquerda conciliadora, as lutas foram esmorecendo, esmorecendo... A
ponto de hoje não se ver mais nada em termos de lutas consequentes, quer
políticas, quer comunitárias, quer sindicais.
E o PT, principalmente,
teve um papel fundamental nessa apatia, nesse desânimo que se abateu sobre a
classe trabalhadora deste país, em razão da distância abismal imposta ao povo
pela gestão política do Estado por aquele partido que, por 14 anos, esteve em
suas mãos, mas não a aproveitou para fortalecer a consciência e a organização
de nosso povo. Aqui mesmo, no Ceará, vemos a política do Camilo “Santanás”, que
atende fundamentalmente aos interesses da plutocracia.
Dizem que reconstruir é muito mais difícil do
que construir, e a premissa é a de que,
devido aos imensos erros do passado, será muito mais difícil recolocar os
trabalhadores nos trilhos de sua libertação, rumo à nova ordem social livre da
opressão, exploração e tantos outros sofrimentos a que está sujeita a classe proletária
de nosso país.
GPOSSHE: Como o camarada
caracteriza o atual governo de nosso país?
Rui: É um governo que foi imposto ao nosso povo,
por meios fraudulentos e sórdidos e pela ingerência direta dos Estados Unidos,
para destruir as conquistas sociais de nosso povo e atender aos interesses dos
monopólios daquele país. Ele é, na verdade, a volta dos militares entreguistas
ao poder, dentro da democracia burguesa, cujo objetivo precípuo é aplicar as
medidas de cunho neoliberal em nosso país e reprimir a classe trabalhadora, se
ela ousar se opor a esse objetivo.
De certa forma, ele é um
produto dos equívocos da esquerda capitulacionista, que imobilizou os
movimentos da classe trabalhadora em nome da governabilidade de gestões a ela
ligadas, e cuja consequência foi o descrédito de amplos setores do proletariado
em seus próprios organismos de luta.
GPOSSHE: E com relação à
conjuntura internacional, como o camarada avalia a situação do capitalismo
hoje?
Rui: Vemos, na
verdade, a mesma situação de sempre. Os grandes magnatas que impõem as
diretrizes econômicas e políticas para o mundo se esmeram na aplicação de três
princípios fundamentais para consolidar seu poder: a eliminação de populações
depauperadas em todo o planeta, a destruição dos direitos mínimos da classe
trabalhadora e demais explorados e o projeto de bestificação cavalar jumentalizada
para idiotizar o povo, para que nunca veja com clareza as causas de sua
pobreza, e do sofrimento e humilhações a ela adstritos.
GPOSSHE: O camarada ainda
acredita na possibilidade de a classe trabalhadora no mundo conseguir destruir
o capitalismo e gestar o socialismo?
Rui: Sim, claro. O
sofrimento contínuo dos trabalhadores vai impeli-los à luta, e esta vai
requerendo uma adequação de suas organizações às exigências do embate de
classes. A burguesia se impõe também pelos equívocos do movimento do
proletariado, mas este vai aprendendo a superá-los e a buscar formas mais
exitosas de organização e de luta por conquistas sociais até o momento da
conquista do poder político definitivo. Aí então começará o fim da pré-história
da humanidade, como citou Marx.
Entrevista realizada pelo camarada Maurício
Oliveira
Foto: Acervo pessoal Maurício Oliveira
cedido ao Gposshe