Gustave
Flaubert constrói a obra Madame Bovary com uma maestria incomparável. Lançado
em 1857, o romance apresenta caráter psicológico, característica típica do
romance do século XIX. Nesse período, o gênero romance atravessa uma fase de desenvolvimento
que o eleva consideravelmente. Além de apresentar novas técnicas narrativas e
estilísticas, amplia sua temática, passa a preocupar-se com os conflitos
sociais e políticos e, com a psicologia, tornando-se a mais importante e mais
complexa forma de expressão dos tempos modernos.
Imprimindo
sua genialidade no método utilizado na construção das personagens, Flaubert
apresenta um verdadeiro estudo da alma humana e das relações sociais,
possibilitando ao leitor interpretações significativas ao analisar tal estudo
em sua riqueza de detalhes e indícios impregnados nos mais diversos aspectos da
narrativa. A engenhosidade de seu método se torna evidente na trajetória da personagem
Charles Bovary, a qual é constituída de três partes: apresentação, os primeiros
amores e suas aventuras e, por fim, sua ruína.
Como
que compondo um painel, o autor constrói essa personagem a partir de um resumo
da vida do menino, no qual a descrição de seus pais, das condições do lar e da
carreira ulterior como estudante são carregados de dados semânticos que
permitem ao leitor a identificação dos aspectos psicológicos, morais e
culturais da personagem. Través de elementos consistentes e significantes como
a genealogia, a fisionomia, a crônica familiar e a idiossincrasia observa-se
que Carlos é um indivíduo displicente, que não se atenta aos detalhes, ingênuo,
o que justifica sua reação diante de todas as situações pelas quais passa ao
longo de sua trajetória de vida.
Contrapondo-se
à personalidade de Charles, Emma Bovary, a esposa, é uma jovem sonhadora,
romântica e de espírito livre. Numa busca constante por uma satisfação plena de
seu ser, encontra a realização de seus desejos em relacionamentos amorosos e
paixões arrebatadoras nas quais vive fortes e passageiras aventuras. Simultâneo
aos casos fora do casamento, Emma é tomada pela luxúria e por um desenfreado
consumismo que a leva a obter altas dívidas. A jovem é abandonada pelos amantes
e financeiramente arruinada, o que a leva a um profundo desespero.
Envenenamento,
morte como única saída para os problemas. Assim termina a história de Madamy
Bovary, na qual à medida que as descrições vão sendo feitas vão se
estabelecendo relações que configuram um espaço eufórico e idílico que é inseparável
das personagens, dos eventos e da mundividência constituída pela narração. O
espaço, numa mistura de parâmetros físicos, psíquicos e ideológicos, é visto e
colocado como possibilidade de libertação.
Numa
crítica ferrenha à sociedade francesa da época, o autor mostra na personagem
Emma os limites sociais impostos às mulheres. Em sua busca por libertação, a
personagem desloca-se entre as diversas normas que estabelecem e reproduzem a
ordem social vigente, transitando pela fé, a filosofia, as virtudes do
casamento, pelos desejos carnais e materiais. Não encontrando em nenhuma dessas
possibilidades, sua completude e satisfação plena.
Com
seu método inovador e habilidoso, Flaubert produz um efeito e uma impressão
extraordinária ao leitor, colocando a história diante deste por meio de uma
narrativa singela, relatando a sucessão dos fatos de uma maneira bastante comum
e até mesmo descontraída, sem, todavia, diminuir a grandeza de sua criação
literária ao desvelar os valores mesquinhos e medíocres de uma sociedade
baseada em aparências, leviandades e superficialidades materiais.