quinta-feira, 20 de agosto de 2020

O Quinze, uma resenha

 

Provocando um enorme impacto na escrita literária brasileira dos anos 30 do século XX, o romance O Quinze, da escritora cearense Rachel de Queiroz, torna-se um marco obrigatório na história da nossa literatura. Publicado em Fortaleza em 1930, abalou espíritos e provocou alvoroços naqueles, cujas ideias conservadoras e sexistas limitavam-se a, no máximo, reconhecer a possibilidade de simplórios escritos femininos.

Ao referir-se ao ano da grande seca, a autora traduz em palavras precisas e simples, a triste e cruel realidade vivida pelo homem nordestino em busca de sua sobrevivência, descrevendo as angústias e os anseios da região brasileira que sofre secularmente com o drama da terra e de suas agruras nos períodos de estiagem.

O romance aborda uma temática social específica – a seca, dentro de um contexto particular – o drama do retirante nordestino. Contudo, alcança a atemporalidade de um clássico ao construir seu universo ficcional com figuras humanas, dramas sociais e aspectos do cotidiano de pessoas de diferentes classes, de diferentes realidades.

A narrativa se desenvolve em dois planos: a saga da família de Chico Bento, a qual, parte à pé de Quixadá para Fortaleza, em busca de sobrevivência e a relação amorosa entre Conceição e Vicente, um casal cujas diferenças sociais, culturais e morais favorecem a uma incomunicabilidade decisiva para a ruptura de uma relação quase inexistente.

No primeiro plano, as amarguras e desgraças que se sucedem são narradas sem sentimentalismos, porém com uma profunda carga emotiva impressa nas cenas que enriquece enormemente a dramaticidade do trágico destino da família de Chico Bento, a qual representa o povo cearense que é tão castigado e tão sofrido devido as limitações materiais de toda a natureza que lhes são impostas.

No segundo plano, os conflitos e dificuldades do relacionamento de Conceição e Vicente. Este manifesta em seu comportamento e atitudes valores conservadores e machistas que vão de encontro às ideias progressistas e de defesa da liberdade e da autonomia da mulher expressados não apenas por meio de suas palavras, mas também em suas ações e decisões para sua vida, como a de adotar e criar uma criança sozinha.

Linguagem simples, narrativa fluida, cenas descritas de forma realista, que traz à tona o sofrimento humano e o contato íntimo com a morte trazida pela fome, pela seca e pelas tantas outras chagas provocadas pelo martírio vivido pelo retirante em busca de salvar sua vida e a de sua família, a obra O Quinze, ganha universalidade ao ser uma prosa simples no seu enredo, na sua tessitura e, ao mesmo tempo, tão medonha nas provocações e nos impactos que atiça em seus leitores.

M.a Marcilia Nogueira

Professora da Rede Estadual do Ceará, membro do GPOSSHE.

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