Provocando
um enorme impacto na escrita literária brasileira dos anos 30 do século XX, o
romance O Quinze, da escritora cearense Rachel de Queiroz, torna-se um marco
obrigatório na história da nossa literatura. Publicado em Fortaleza em 1930,
abalou espíritos e provocou alvoroços naqueles, cujas ideias conservadoras e
sexistas limitavam-se a, no máximo, reconhecer a possibilidade de simplórios
escritos femininos.
Ao
referir-se ao ano da grande seca, a autora traduz em palavras precisas e simples,
a triste e cruel realidade vivida pelo homem nordestino em busca de sua
sobrevivência, descrevendo as angústias e os anseios da região brasileira que
sofre secularmente com o drama da terra e de suas agruras nos períodos de
estiagem.
O
romance aborda uma temática social específica – a seca, dentro de um contexto
particular – o drama do retirante nordestino. Contudo, alcança a atemporalidade
de um clássico ao construir seu universo ficcional com figuras humanas, dramas
sociais e aspectos do cotidiano de pessoas de diferentes classes, de diferentes
realidades.
A
narrativa se desenvolve em dois planos: a saga da família de Chico Bento, a
qual, parte à pé de Quixadá para Fortaleza, em busca de sobrevivência e a
relação amorosa entre Conceição e Vicente, um casal cujas diferenças sociais,
culturais e morais favorecem a uma incomunicabilidade decisiva para a ruptura
de uma relação quase inexistente.
No
primeiro plano, as amarguras e desgraças que se sucedem são narradas sem
sentimentalismos, porém com uma profunda carga emotiva impressa nas cenas que
enriquece enormemente a dramaticidade do trágico destino da família de Chico
Bento, a qual representa o povo cearense que é tão castigado e tão sofrido
devido as limitações materiais de toda a natureza que lhes são impostas.
No
segundo plano, os conflitos e dificuldades do relacionamento de Conceição e
Vicente. Este manifesta em seu comportamento e atitudes valores conservadores e
machistas que vão de encontro às ideias progressistas e de defesa da liberdade
e da autonomia da mulher expressados não apenas por meio de suas palavras, mas
também em suas ações e decisões para sua vida, como a de adotar e criar uma
criança sozinha.
Linguagem
simples, narrativa fluida, cenas descritas de forma realista, que traz à tona o
sofrimento humano e o contato íntimo com a morte trazida pela fome, pela seca e
pelas tantas outras chagas provocadas pelo martírio vivido pelo retirante em
busca de salvar sua vida e a de sua família, a obra O Quinze, ganha
universalidade ao ser uma prosa simples no seu enredo, na sua tessitura e, ao
mesmo tempo, tão medonha nas provocações e nos impactos que atiça em seus
leitores.
M.a Marcilia Nogueira
Professora da Rede Estadual do Ceará, membro do GPOSSHE.
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