Um
tio meu faleceu ontem. Francisco era o nome dele. Quinto filho de seis, uma
prole que tem minha mãe como a caçula. Minha família materna sempre se manteve
muito próxima, moramos todos no mesmo terreno deixado por meu avô para os seis
filhos, por isso nunca nos desgarramos, ao contrário, vivemos a felicidade e as
contradições de viver todos assim, muito próximos, acompanhando a vida e os
problemas uns dos outros.
Meus
tios e minhas tias nunca ficaram separados por muito tempo, sempre juntos. Meu
tio Chico foi o único que mais se afastou do ninho. Na década de 1990,
esperançado pela corrida do ouro da Amazônia, foi trabalhar no garimpo de
Rondônia, depois levou a esposa e as duas filhas que tinha. Lá, contraiu
malária, sobreviveu.
A
primeira sólida lembrança que eu tenho do meu tio é muito alegre: quando ele
vinha nos visitar, trazia lembranças, levava coisas do Ceará e eu o imaginava
muito rico numa terra muito distante. Eram dias de alegria, minha mãe e os
irmãos se reuniam. Com a morte do meu avô, ele veio novamente para o velório e,
algum tempo depois, retornou ao Ceará, trouxe minhas primas já crescidas e um
filho mais novo nascido naquele estado. Os seis irmãos se reuniram
definitivamente e nunca mais se separaram. Vivem todos na mesma rua, meu tio Chico
“um pouquinho mais pra lá” do terreno da família.
Quando
descobrimos a doença dele, foi devastador. Ele era um ser humano tão complexo
quanto qualquer outro, longe da perfeição e que cometeu erros, mas também
muitos acertos, por exemplo, criou, junto com a esposa, minha tia Lirene,
quatro filhos de sangue e uma de coração. Meu primo e minhas primas são, em
grande parte, reflexo dos pais: fortes, determinados, justos, bons, possuem o
coração cheio de amor.
A
gente sempre pensa que os pais são eternos e, quando um deles se vai, pesa a
finitude da vida nos nossos ombros, mas o que fica é uma história de coragem e
de luta, de esperança, de determinação que, se não passa pela genética,
transmite-se pela convivência e pelo exemplo. Meu tio Chico foi o aventureiro
da família, aquele que ousou sonhar mais longe e que viajou quilômetros para
realizá-los e proporcionar sonhos maiores para os filhos.
Quero,
com esse texto, homenagear meu tio, mas principalmente, meu primo, Ueslei, e
minhas primas, Zélia, Leiriane, Larissa e Juliana. Dizer a eles que eu sinto
muito, que a do deles é nossa também, mas que o tio Chico nunca será esquecido
que ele deixou muitos exemplos para nossa família e que eles vão se perpetuar
em cada um de nós, mas principalmente na vida de seus filhos e netos. Sempre
veremos o tio no olhar de cada um que o amou.
Neste
ano, muitas famílias velaram seus parentes, o Brasil perdeu mais de cem mil de vidas. Ontem, ao velar meu tio, pensei em cada uma dessas famílias e, por
mais que as circunstâncias sejam diferentes, cada partida é adiantada. Nunca
vivemos o bastante, a morte sempre se precipita.
Karla Costa e Família Costa-Sá
Fotos: acervo pessoal