A face capitalista da fome: 65 milhões de brasileiros com alimentação insuficiente
Na quinta-feira (15/10), no ciclo de
conferências virtuais “Reflexões sobre o Brasil em Tempos de Pandemia”,
promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, José
Graziano da Silva, agrônomo, professor e ex-presidente da Organização para a
Alimentação e Agricultura (FAO) da Organização das Nações Unidas (ONU), afirmou
: “As projeções mostram que devemos estar em um número hoje, em 2020, no começo
da pandemia, com 15 milhões de pessoas passando fome e 30% da população
brasileira não comendo o suficiente, o que levaria a um número assustador de 65
milhões de pessoas”[1].
Essa tragédia não é só brasileira. Segundo
dados do relatório “State of Food Security and Nutrition – SOFI” (O estado da
segurança alimentar e nutrição no mundo 2020)[2],
“Considerando o total de afetados por níveis moderados ou graves de insegurança
alimentar, cerca de 2 bilhões de pessoas no mundo não tiveram acesso regular a
alimentos seguros, nutritivos e suficientes em 2019”. Ainda acrescenta: “Prevê-se que o COVID-19
piorará as perspectivas gerais para a segurança alimentar e nutricional.
Bolsões de insegurança alimentar podem aparecer em países e grupos
populacionais que não foram tradicionalmente afetados. Uma avaliação preliminar
sugere que a pandemia pode adicionar entre 83 a 132 milhões de pessoas ao
número total de desnutridos no mundo em 2020, dependendo do cenário de crescimento
econômico (perdas que variam de 4,9 a 10 pontos percentuais no crescimento do
PIB global)”.
Os dados foram levantados em 2019, ou seja, a tendência é que
o quadro atual seja pior do que o esperado. O capitalismo agrava exponencialmente
o problema da fome.
É sabido que a fome é
uma chaga que acompanha a história humana. Antes da sociedade moderna a fome explodia na crises
pré-capitalistas, que resultavam da destruição dos produtores diretos ou dos
meios de produção, ocasionada por desastres naturais ou por catástrofes
sociais. A consequência imediata dessas crises era uma carência generalizada
dos bens necessários à vida social, isto é, uma crise de subprodução de valores
de uso que gerava, entre outras mazelas, a fome.
Já
no capitalismo a destruição material dos elementos de produção são consequência
da crise. Há ampliação do desemprego, da miséria e da fome porque há crise. A fome
se instala nos lares porque a crise estala, uma crise de superprodução de
valores de troca. Explica-se tal crise, dentre outras coisas, pela
insuficiência da capacidade de pagamento do comprador. Uma abundância relativa
de mercadorias não encontra seu equivalente no mercado, não pode realizar seu
valor de troca, o que resulta invendável e arrastando seus proprietários à
ruína. Noutras palavras, no capitalismo, passa-se fome em meio a abundância de
alimentos. De fato, há comida para todos, porém os mais pobres não têm
capacidade monetária para comprá-la, gerando insegurança alimentar, má
nutrição, desnutrição, subnutrição e fome[3].
Muitas
vezes, de acordo com Caparrós (2016), o termo técnico “segurança alimentar”,
mascara a realidade concreta de cerca de 2 bilhões de seres humanos, que, às
vezes, comem o suficiente, mas nunca têm certeza se vão conseguir comer – e, às
vezes, não conseguem. Para eles, comer ou não comer é um vaivém: basta que haja
uma mudança ínfima em suas condições de vida, a perda de um trabalho, um
conflito, uma eventualidade climática, para que uma pessoa – ou milhões de
pessoas – fique sem saber se vai conseguir se alimentar no dia seguinte.
No
Brasil, país com raízes no escravismo colonial, no latifúndio e numa posição
subordinada na divisão internacional do trabalho, a insegurança alimentar é
estrutural. O que se agrava na atual crise econômica, acrescida pela pandemia
do Covid-19 e sob o governo de extrema direita de Bolsonaro. Se, ainda
somarmos, por exemplo, a desigualdade social crescente, a concentração absurda de
riqueza, o volume de alimentos exportados, o desperdício e a política de
destruição da agricultura familiar, veremos que uma economia de mercado centrado
no lucro e não na vida humana possui, objetivamente na atualidade, uma
orientação genocida.
Diante
disso, a reversão de tal quadro e a busca de políticas públicas compensatórias devem
estar subordinadas a uma estratégia socialista de tomada do poder político
pelas massas trabalhadoras da cidade e do campo. A história demonstra que a
expropriação da burguesia, a economia planejada e o controle do comércio
exterior, com todas as contradições de regimes burocráticos, trouxeram soluções
efetivas para a superação de problemas em torno de moradia, alimentação, saúde
e educação para as grandes maiorias.
Frederico Costa - IMO/GPOSSHE/UECE
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Referências
CAPARRÓS,
Martín. A fome. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2016.
[1] https://www.brasildefato.com.br/2020/10/16/65-milhoes-de-brasileiros-podem-estar-com-alimentacao-insuficiente, consulta em 17/10/2020.
[2] http://www.fao.org/3/ca9692en/online/ca9692en.html#chapter-1_1, consulta em 17/10/2020.
[3]
Insegurança alimentar, situação de quem não tem garantia de
acesso a quantidades suficientes de comida saudável e nutritiva para seu
desenvolvimento normal, causada pela inexistência de comida à disposição, falta
de poder aquisitivo para a compra de alimentos ou uso inadequado da comida em
casa, podendo ser crônica, temporária ou transitória; má nutrição, condição
fisiológica anormal, causada por consumo inadequado de nutrientes (inclui
desnutrição); desnutrição, condição de absorção deficiente de nutrientes
causada por repetidas doenças infecciosas; subnutrição, estado de incapacidade
em obter comida suficiente para atingir os níveis mínimos de energia
necessários para uma vida saudável e ativa; fome, termo sinônimo de
subnutrição crônica, ou seja, quando o estado de subnutrição dura por mais de
um ano (fonte: https://mpabrasil.org.br/noticias/mundo-produz-comida-suficiente-mas-fome-ainda-e-uma-realidade/, consultado em 17/10/2020).