sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

A desigualdade provocada pela economia capitalista

Foto: Johnatan Kho
 

Frederico Costa

Professor da Universidade Estadual do Ceará – UECE. Coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO

 

Em 2010, as 388 pessoas mais ricas do planeta eram donas de um patrimônio líquido privado igual ao da metade mais pobre da humanidade. Para se ter uma noção da disparidade numérica, essas 338 pessoas mais rica caberiam num Boeing 777 ou Airbus A340. Em 2014, eram apenas 85 bilionários para atingir esse patamar, o que exigiria um ônibus de dois andares. Já em 2015, a quantidade de bilionários para igualar o patrimônio de 3,5 bilhões de pessoas eram 62, cabendo confortavelmente num ônibus. O 1% das famílias mais ricas detinham, em 2017, um pouco mais da metade do patrimônio líquido mundial, sem contar com os bens que algumas delas escondem em contas no exterior, o que distorceria ainda mais essa distribuição (Scheidel, 2020).

Tal quadro vem piorando com a pandemia, segundo o relatório O vírus da desigualdade (https://www.oxfam.org.br/justica-social-e-economica/forum-economico-de-davos/o-virus-da-desigualdade/), lançado pela Oxfam em 25 de janeiro deste ano, na abertura do Fórum Econômico Mundial realizado em Davos, na Suíça.

No contexto de crise, as mil pessoas mais ricas do mundo recuperaram todas as perdas que tiveram durante a pandemia de covid-19 em apenas nove meses (entre fevereiro e novembro de 2020), enquanto os mais pobres do planeta vão levar pelo menos 14 anos para conseguir repor as perdas, devido ao impacto econômico da pandemia. Isso, mesmo. Em todo o mundo, bilionários acumularam US$ 3,9 trilhões entre 18 de março e 31 de dezembro de 2020 – a riqueza total deles hoje é de US$ 11,95 trilhões, o equivalente ao que os governos do G20[1] gastaram para enfrentar a pandemia. Apenas três dos 50 bilionários mais ricos do mundo viram suas fortunas diminuírem nesse período, perdendo US$3 bilhões entre eles. Dois bilionários que viram os maiores aumentos em sua riqueza nesse período são dos setores de tecnologia e automotivo, produção de baterias e espacial: Elon Musk aumentou sua riqueza líquida em US$128,9 bilhões e Jeff Bezos, em US$78,2 bilhões.

Enquanto as 25 maiores corporações dos EUA estavam em vias de obter 11% a mais de lucros em 2020, em comparação com o ano anterior, as pequenas empresas, naquele país, provavelmente, perderão mais de 85% de seus lucros no segundo trimestre do ano. Entre março e agosto de 2020, bilionários da região do Médio Oriente e Norte da África (MENA, sigla em inglês) aumentaram sua riqueza em 20%, mais que o dobro do financiamento de emergência do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a região no mesmo período e quase cinco vezes o valor do apelo humanitário das Nações Unidas para a covid-19 na região. Na América Latina e Caribe, após a queda dos mercados, a riqueza combinada dos bilionários aumentou 17% entre março e julho de 2020. Isso totaliza US$48 bilhões adicionais, o suficiente para pagar um terço de todos os pacotes fiscais de estímulo introduzidos pelos governos da região em resposta à crise do coronavírus no período. Também foram nove vezes mais do que o crédito emergencial fornecido pelo FMI na região, no mesmo período, e mais de cinco vezes o montante necessário para evitar que 12,4 milhões de pessoas caíssem na pobreza extrema por um ano.

Esses dados expostos pelo relatório O vírus da desigualdade da Oxfam indicam que as pessoas mais ricas além de estarem escapando dos piores resultados da pandemia, estão enriquecendo mais ainda. Enquanto isso, a covid-19, com suas variações adaptativas já matou mais de dois milhões de pessoas pelo mundo (no Brasil, mais de 220 mil), tirando emprego e renda de milhões de pessoas, empurrando-as para a pobreza e a miséria.

A crise provocada pela pandemia expõe a incapacidade da economia de mercado capitalista de manter a vida de bilhões de seres humanos. Nesses últimos anos, políticas de austeridade seguidas por governos de direita, de esquerda reformista e de extrema direita desestruturaram a saúde, a educação e a previdência pública, também, privatizaram estatais, destruíram conquistas trabalhistas, desregulamentaram mercados nacionais e aumentaram a precarização do trabalho. Qualquer mínima dissonância desse roteiro foi combatida com guerras de rapina (Iraque, Líbia Síria) ou com golpes de Estado (Honduras, Paraguai, Brasil). E para quê?

Respondo: para os dez homens mais ricos do mundo conseguirem acumular US$ 540 bilhões desde o início da pandemia – o suficiente para pagar pela vacina contra a covid-19 para toda a população mundial.

Cada vez mais o dilema apresenta-se como: vida ou capitalismo?

 

Referências

SCHEIDEL, Walter. Violência e a história da desigualdade: da idade da pedra ao século XXI. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.



[1] Grupo que reúne as maiores economias do mundo.