Há 130 anos nascia em Alis, na região italiana da Sardenha, o dirigente comunista italiano Antonio Gramsci.
Gramsci aderiu muito jovem ao Partido Socialista Italiano, vindo a ser um de seus dirigentes na virada dos anos de 1910 para a década de 1920, não por acaso, anos que sucederam à Revolução de Outubro na Rússia. Liderou neste momento a tendência Comunista dentro do PSI, que foi onde a batalha contra o reformismo foi mais prolongada dentre os partidos da social-democracia europeia. O PSI chegou a se filiar à III Internacional (Internacional Comunista), fundada pelos dirigentes internacionalistas que vinham da luta contra o reformismo na II Internacional (Internacional Socialista), sob impulso da Revolução Russa.
É uma experiência praticamente solitária esta da opção de um velho partido social-democrata pela nova Internacional e a ação da Fração Comunista, que Gramsci integrava, foi decisiva neste embate.
O partido, contudo, travado pelo peso da direção burocrática, não esteve à altura da situação revolucionária aberta na Itália entre 1919 e 1920, marcada pela emergência dos conselhos de fábrica, órgãos de mobilização do proletariado com vocação de instrumentos de poder.
Ao contrário de se pôr como direção do movimento, o PSI exerceu um peso oposto à mobilização, desaguando na traição aberta ao processo revolucionário.
Este fato de significado maior, a responsabilidade do PSI na derrota dos Conselhos de fábrica, empurram os comunistas à ruptura e à fundação do Partido Comunista Italiano, Seção da Internacional Comunista.
A derrota dos Conselhos, impedindo uma saída operária para a crise da Itália arruinada pela I Guerra, abriu a via da “solução” fascista. Com efeito, em 1922, os fascistas marcham sobre Roma, abrindo o curso que culminaria na Ditadura de Mussolini.
O enfrentamento do fascismo será um fator importante na elaboração da Internacional Comunista a cerca da luta pela unidade do proletariado (Frente Única Operária) e da luta deste para se colocar à cabeça da nação oprimida contra o imperialismo, no caso dos países semicoloniais (Frente Única Antiimperialista). Esta elaboração se consubstanciou nas Teses do Oriente, escritas por Trotsky e adotadas pelo 4o. Congresso da Internacional Comunista. A formulação das teses teve na base, dentre outros elementos importantes (como a luta de libertação nacional na China), o debate sobre o fascismo italiano. Gramsci participa ativamente da elaboração da linha da Frente Única. A discussão será fundamental na polêmica aberta com o grupo de Amadeo Bordiga, que desenvolvia uma linha ultraesquerdista de nenhum acordo para a ação com setores reformistas, pequeno-burgueses e democráticos no enfrentamento do fascismo.
Gramsci faz prevalecer a linha de Frente Única da Internacional que se consubstanciará nas Teses que o PCI vai adotar em seu congresso de 1926, realizado em Lyon, França, dada a perseguição do Governo fascista. Bordiga findará se separando do PCI, formando o Grupo Prometeo, separação que se tornará irreversível com a decomposição stalinista da Internacional e do PCI sob o controle de Togliatti. Bordiga jamais renunciará ao ultraesquerdismo, o que o distanciará igualmente de Trotsky e da Oposição de Esquerda.
A oposição de esquerda à direção do PCI, conhecida como Grupo dos 3, reivindicará Gramsci, a linha da Frente Única e o essencial das Teses de Lyon. Cabe razão aos que dizem que a expulsão de Pietro Tresso (codinome Blasco) e dos “3” do partido pela camarilha de Togliatti, em 1930, marca o último suspiro de Gramsci no PCI. Blasco seria assassinato por esbirros de Stalin em 43, quando combatia os nazistas como membro da resistência na França.
O lugar de Gramsci na liderança comunista na luta contra o fascismo será amplamente reconhecida inclusive pelo inimigo de classe. Detido pela polícia fascista, Gramsci será condenado ao cárcere. O juiz que pronunciou sua sentença sintetizou numa frase o significado desta prisão para a burguesia e para o regime fascista: “Temos que impedir esse cérebro de funcionar durante 20 anos".
No cárcere, Gramsci acompanhará muito precariamente a luta entre bolchevismo e stalinismo no seio da Internacional Comunista e do Partido Russo. Embora tenha condenado a perseguição a Trotsky, Zinoviev e Kamenev (a Oposição Unificada), em especial numa carta enviada ao Presidium da Internacional Comunista, que o burocrata Togliatti impediu que chegasse ao destino, Gramsci, com informações limitadas da situação soviética, acaba por avalizar a pseudoteoria do “socialismo num só país”.
Curiosamente, Gramsci parece temer no internacionalismo de Trotsky uma tendência ao totalitarismo, perigo que ele deduzia de um debate superado entre o fundador do Exército Vermelho e Lenin sobre o papel dos sindicatos no chamado período do comunismo de guerra. Trotsky defendeu então a militarização dos sindicatos como forma destes se juntarem ao esforço de reconstrução do país depois da I Grande Guerra e da Guerra Civil. Não deixa de ser instigante imaginar como Gramsci reagiria ao regime totalitário instaurado pela burocracia stalinista como produto da liquidação dos sovietes como órgãos do poder operário e a consequente expropriação do poder que o proletariado arrebatara em 1917.
Gramsci também não pôde se posicionar diante da política ultraesquerdista do 3o. Período imposto por Stalin à Internacional e a seus partidos, com trágicas consequências na Alemanha, onde o divisionismo, compartillhado pelos Comunista alemães e pela social-democracia, abriu caminho ao nazismo. Stalin, que Gramsci considerou portador de um realismo necessário à construção do socialismo, rasgava ali as Teses sobre o Oriente e a linha da Frente Única em cuja elaboração Gramsci colaborou decisivamente com Trotsky.
As teses desenvolvidas por Gramsci na prisão, em particular a reflexão acerca da questão da hegemonia no quadro do Estado em sociedades complexas, serão amplamente manipuladas, em especial pela direção stalinista do PCI, para forrar uma política reformista de colaboração de classe que, neste partido, chegará ao paroxismo.
A prisão de Gramsci tinha um sentido preciso para o fascismo. Era preciso decapitar a classe operária! Eliminar seu dirigente mais capaz e influente. Era, portanto, um ato racional, destinado a debilitar cabalmente a resistência dos trabalhadores ao fascismo. Com efeito, em condições de saúde deploráveis, Gramsci é libertado em 1934, mas apenas para morrer sob o peso dos sofrimentos vividos no cárcere de Mussolini.
Eudes Baima
Professor da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos - FAFIDAM/UECE