quinta-feira, 18 de março de 2021

Há 150 anos a classe trabalhadora indicava o caminho: a Comuna de Paris vive!

Ouça este texto no final da página.


Frederico Costa[1]


“[...] era uma forma política completamente flexível, ao passo que todas as formas anteriores de governo haviam sido fundamentalmente repressivas. Eis o verdadeiro segredo da Comuna: era essencialmente um governo da classe operária, o produto da luta da classe produtora contra a classe apropriadora, a forma política enfim descoberta para se levar a efeito a emancipação econômica do trabalho” (Karl Marx).


No dia 18 de março de 1871, eclodiu uma insurreição proletária-popular que, segundo Marx, levou a constituição do primeiro “governo operário”: a Comuna de Paris. De certa forma, o processo que levou à Comuna de Paris já estava presente nos levantes de outubro de 1870 e de janeiro de 1871. Suas raízes se situavam na crise econômica, política e nacional acelerada pelo armistício entre França e Alemanha (28 de janeiro), pela paz vergonhosa assinada por Thiers[2] (26 de fevereiro) e ratificada pela Assembleia Nacional em 1º de março.

De fato, a paz com a Alemanha, cujas tropas ocupavam o território francês, não pôs fim à crise econômica gerada pelo desenvolvimento tecnológico e das estradas de ferro, agravada pelas dilapidações do Império de Napoleão III, pela guerra e pelo cerco prussiano. A grande burguesia industrial, comercial e financeira, com o armistício, abandonou Paris. Durante o sítio da capital, a atividade produtiva foi interrompida, o que levou a miséria a crescer exponencialmente.

A pequena burguesia – artesãos, pequenos comerciantes, camadas baixas do funcionalismo e da intelectualidade – sofria também as consequências do domínio burguês, por isso não foi só o proletariado que compôs o exército revolucionário de 18 de março, mas teve como aliado as massas pequeno burguesas.

Foi a 18 de março, às 3 horas da manhã, que soldados ligados ao governo burguês de Versalhes tentaram furtar canhões da Guarda Nacional.

 Com grande composição operária e popular, a Guarda Nacional constituía uma força formidável: 215 batalhões representando 200 mil combatentes; 450 mil fuzis foram distribuídos durante o cerco prussiano de Paris. Além disso, a capital possuía 2.000 canhões e munição em abundância (Luquet, 1968). 

Diante do anúncio do decreto do governo burguês de Versalhes impondo sua interdição, os Comitês da Guarda responderam, desde janeiro de 1871, federalizando-se e elegendo um Comitê Central com os objetivos de defender a República e velar pela manutenção do armamento. 

Eis a essência da polarização social e política: de um lado, a grande burguesia e seu governo, em acordo com os ocupantes prussianos, de outro, o proletariado e a pequena burguesia parisiense unidos pelos sofrimentos, pelo sítio de Paris e exasperados pelas provocações reacionárias, como extinção do soldo da Guarda Nacional e várias represálias contra a democracia.

No amanhecer do dia 18, o pequeno destacamento da Guarda Nacional que custodiava os canhões em Montmartre foi rapidamente dominado. No entanto, o alarme fora dado. As primeiras a chegar foram as mulheres, que interpelaram os soldados, aproximando-se das peças de artilharia e protegendo-as. Ao chegarem os reforços da Guarda Nacional, os soldados do governo reacionário já haviam sido conquistados para causa popular, negando-se a atirar e confraternizando-se com a população.  Os comandantes da operação, generais Lecomte e Clémente Thomas, foram detidos e fuzilados por soldados do exército regular.

Noutros lugares, como Buttes-Chaumont e Belleville, onde não houve confraternização, as tropas de Versalhes recuaram diante do povo em armas. Com isso, abriu-se uma nova experiência para a humanidade: a possibilidade de um governo dos produtores pelos produtores. Durou apenas 72 dias, pois foi afogada em sangue pela repressão burguesa. Mesmo assim produziu medidas emancipatórias que até hoje nenhum Estado ou governo burguês alcançou. A principal lição a ser tirada: somente a auto-organização de trabalhadores e trabalhadoras pode superar os problemas gerados pelo capitalismo.

A Comuna quebrou a máquina do Estado burguês, atacando seu fundamento opressor de classe: a burocracia estatal.  Com medidas extremamente atuais: 1) todos os cargos administrativos judiciais e do magistério foram preenchidos por meio de eleições, tendo os eleitores o direito de revogar a qualquer momento o mandato concedido; 2) mandatos imperativos, isto é, os eleitos deveriam defender o programa de ação definido pelos eleitores; 3) todos os funcionários, graduados ou modestos, passaram a receber salário de operário, com pequena diferença entre os mais altos e os mais baixos. Isso eliminou os fundamentos do carreirismo, do militarismo, da corrupção e da repressão contra os movimentos populares.

Por tudo isso devemos comemorar hoje o 18 de março, os 150 anos da Comuna de Paris. Imaginem o resultado da aplicação de medidas tão simples como essas no Brasil!


Referências

LUQUET, P. A Comuna de Paris. In: TROTSKY, L.; ZINOVIEV, G; MARTOV; LUQUET, Pnv; DUNAIS, A. A Comuna de Paris: textos, documentos e uma análise sobre as repercussões no Brasil. Rio de Janeiro-Guanabara: Editora Laemmert, 1968.



[1] Professor da Universidade Estadual do Ceará – UECE e coordenador do Instituto de Pesquisas do Movimento Operário – IMO.

[2] Marie Joseph Louis Adolphe Thiers (1797-1877), político e historiador francês, monarquista orleanista, ministro de 1832-1834, primeiro-ministro em 1836-1840, deputado da Assembleia Nacional Constituinte em 1848, chefe do Poder Executivo em 1871 e presidente da Terceira República de 1871-1873.


Ouça esse texto: