quinta-feira, 27 de maio de 2021

A concepção de práxis em Adolfo Sánchez Vázquez: breve nota

maio 27, 2021


         Adolfo Sánchez Vázquez (1915-2011) foi um dos mais célebres filósofos marxistas do século passado. Pensador revolucionário, preocupou-se durante toda a sua trajetória intelectual com a necessidade de vincular a teoria com a prática. Suas ideias ajudaram a depurar o marxismo dos dogmatismos e reducionismos fomentados sobretudo pelo stalinismo e seus consortes. Nasceu em Algeciras, Espanha. Foi para o México em 1939 onde exilou-se e passou a estudar filosofia na UNAM. Publicou inúmeras obras: As ideias estéticas de Marx (1965), Filosofia da Práxis (1967), Estética e marxismo (1970), Do socialismo científico ao socialismo utópico (1975), Ensaios marxistas sobre filosofia e ideologia (1983), Filosofia e circunstâncias (1997), Entre a realidade e a utopia (2000), entre outros.

         Em seu mais importante livro, A filosofia da práxis, Vázquez discute a noção de práxis a partir da tradição do pensamento crítico, enfatizando principalmente as contribuições do marxismo sobre o tema. Nesse sentido, segundo o filósofo espanhol, o marxismo não é uma simples teoria,  tampouco uma mera cosmovisão de mundo, mas fundamentalmente uma prática revolucionária da realidade histórica.

         Em Vázquez a concepção de práxis não está limitada apenas a um âmbito. Ela perpassa a arte, a inventividade teórica, a transformação revolucionária da sociedade, a organização e luta de classes. Estes são exemplos de práxis criadoras na medida em que expressam a unidade entre subjetividade e objetividade, pensamento e realidade, reflexão e ação no contexto dos processos que constituem o movimento concreto do devir histórico, singular, único e irrepetível. O fluxo do tempo configura a gênese, o desenvolvimento, as contradições e a reprodução da vida em sua totalidade.

         “Toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis”, afirma Sánchez Vázquez. Para o filósofo marxista, é necessário distinguir a práxis enquanto uma forma de atividade específica. Dessa maneira: “Por atividade em geral entendemos o ato ou conjunto de atos em virtude dos quais um sujeito ativo (agente) modifica uma matéria-prima dada”. Justamente por sua generalidade, essa caracterização da atividade não especifica o tipo de agente (físico, biológico ou humano) nem a natureza da matéria-prima sobre a qual atua (corpo físico, ser vivo, vivência psíquica, grupo, relação ou instituição social) nem determina a espécie de atos (físicos, psíquicos, sociais) que levam a certa transformação” (Vázquez,  2007, p. 220).

         Nessa acepção ampla, atividade contrapõe-se a passividade, e seu âmbito é a efetividade, portanto não a do simplesmente possível. Toda ação de um agente é concreta, ou seja, sua ação efetiva não é só uma possibilidade. Quem atua, faz isso mediante uma relação em que o todo e as partes constituem uma totalidade processual, pois os atos deslocados, isolados, desarticulados ou justapostos, não representam uma atividade. O que caracteriza especificamente uma atividade humana, é quando os “atos dirigidos” a um objeto determinado visando transformá-lo, se realiza como um resultado ideal, ou uma finalidade posta, o que resulta em um produto efetivo, concreto, real.

         “Esse modo de articulação e determinação dos diferentes atos do processo ativo” distingue radicalmente a atividade especificamente humana de qualquer outra que se encontra em um nível meramente natural. Essa atividade implica a intervenção da consciência, graças à qual o resultado existe duas vezes – e em tempos distintos: como resultado ideal e como produto real” (Vázquez, 2007, p. 221). Em virtude dessa capacidade de antecipar idealmente um resultado real que deseja lograr, a atividade propriamente humana possui, assim, um caráter consciente. Com efeito, para se falar em atividade humana é preciso que se elabore nela um resultado real, uma finalidade a ser cumprida, “como ponto de partida”, e “uma intenção de adequação”, independentemente de como seja plasmado o modelo ideal originário.

         A atividade humana, dessa forma, é uma atividade que se orienta com base nos fins. Estes só existem por causa do homem, como produtos de sua consciência ponente. Nesse sentido, toda ação verdadeiramente humana reside na ideação de um fim, a qual está sujeitada ao curso da própria atividade criadora. O fim constitui a expressão através da qual os indivíduos agem diante da realidade. “Quem se propõe a realizar uma viagem, construir uma cadeira, pintar um quadro ou transformar um regime social, mostra determinada atitude diante de uma situação real, presente. Se  o homem vivesse em plena harmonia com a realidade, ou total conciliação com seu presente, não sentiria a necessidade de negá-los idealmente nem de configurar em sua consciência uma realidade ainda inexistente” (Vázquez, 2007, p. 222).

         Ao prefigurar idealmente em sua consciência um fim a ser alcançado, o homem, necessariamente, nega a realidade concretamente existente. E consequentemente, “afirma outra que ainda não existe”. Os fins são produtos da consciência, portanto, a atividade dirigida pelos homens é consciente. Contudo, não se trata aqui, segundo Vázquez, de uma atividade desenvolvida por uma consciência pura, mas seguramente, por um “homem social” que não pode renunciar à produção de fins em nenhuma forma de atividade concreta, incluindo, decerto, a “prática material”.

         O fim, com efeito, é a representação do resultado de uma atividade real, prática, e que não é exclusivamente uma pura atividade da consciência. Esse processo possibilita o indivíduo criar uma relação de interioridade com seus diferentes atos e com seus produtos, pois a sua consciência visa estabelecer o fim como leis de suas próprias ações, leis estas que regem e subordinam os próprios produtos da criação humana.

         Desse modo, a antecipação ideal do resultado efetivo, possibilita a conformação dos atos singulares dos indivíduos numa totalidade dirigida pelo fim. Isto é, a capacidade da consciência humana de idealizar o resultado real, é o que diferencia radicalmente os homens de qualquer outra atividade animal, que exteriormente pode ser semelhante a ela. Nas palavras de Vázquez (2007, p. 223): “Levando em conta a semelhança externa que se pode dar entre certos atos animais e humanos, é preciso concluir que a atividade própria do homem não pode reduzir-se à sua mera expressão exterior, e que dela forma parte essencialmente a atividade da consciência”. Ou seja, essa atividade se desenvolve com base na produção de fins que prefiguram idealmente o resultado real que se deseja conseguir, entretanto, esse processo também se manifesta, como produção de conhecimento, na forma de conceitos, conjecturas, teorias e legalidades mediante as quais os indivíduos conhecem a realidade concreta.

         Aqui Adolfo Sànchez Vázquez assinala uma questão sumamente importante, que é a diferença entre a atividade cognoscitiva e a teleológica. A primeira se refere a uma realidade presente que se busca conhecer, a segunda trata de uma realidade futura, e que portanto, ainda não existe. A atividade cognoscitiva se preocupa com a realidade já posta, realizada pela ação dos homens no seu processo de produção e reprodução das condições materiais de existência, já a atividade teleológica visa, sobretudo, criar o novo, engendrar objetivações qualitativamente novas em face de uma realidade que se quer transformar, seja em sentido econômico, político, cultural, moral, estético etc.

         Toda atividade especificamente humana é uma atividade prática. Seja o trabalho humano, a arte, ou a práxis revolucionária, constituem atividades dirigidas por finalidades, cuja realização exige uma certa capacidade cognitiva. Assim, toda atividade prática está radica no caráter real, objetivo, da materialidade da natureza e da realidade do mundo social sobre os quais os indivíduos atuam, se valendo dos meios e instrumentos necessários para a execução de sua ação orientada.

         Segundo Vázquez, existem inúmeras formas de práxis. Nesse sentido, o objeto sobre o qual o indivíduo exerce sua ação pode ser: 1) a materialidade da natureza; 2) os produtos elaborados por uma práxis anterior, que se convertem em matéria de uma nova práxis; 3) o próprio ser humano, isto é, a sociedade como objetividade material “ou objeto da práxis política ou revolucionária”, aqui consiste nos indivíduos concretos e suas relações concretas.

         De modo geral, podemos elencar as seguintes expressões objetivas da práxis em Sánchez Vázquez: A práxis produtiva, que diz respeito a atividade prática produtiva, ou a relação material e transformadora que os homens estabelecem com a natureza pela mediação do trabalho, cuja principal característica é a produção de objetos úteis para a satisfação de determinadas necessidades. A práxis artística, que consiste na produção ou criação de obras de arte, e assim como o trabalho que transforma uma matéria-prima da natureza em um objeto útil para satisfação de necessidades determinadas, ela satisfaz uma necessidade geral humana de expressão e comunicação.

         A práxis experimental, que compreende a atividade científica experimental que satisfaz, originalmente, as necessidades da pesquisa teórica e, em específico, as da comprovação de hipóteses. Essa forma de práxis consiste na atuação de um investigador sobre um objeto material determinado visando modificá-lo de acordo com as condições em que se realiza um fenômeno. Em outras palavras, o investigador reproduz um fenômeno da natureza em laboratório para melhor compreendê-lo, sem as perturbações e intempéries que possam dificultar seu estudo.

         A práxis política, essa forma de práxis expressa o fato de o homem ser sujeito e objeto dela, ou seja, a práxis na qual ele atua sobre si próprio. Essa atividade prática possibilita desenvolver diversas modalidades de ação. No interior dela concorrem diversos atos orientados para sua transformação enquanto ser social e, por isso mesmo, destinados a mudar suas relações políticas, econômicas, sociais, culturais etc. Conforme sua atividade toma por objeto não um indivíduo isolado, mas diferentes grupos e classes sociais, bem como a sociedade em sua totalidade, ela pode ser considerada práxis social. De acordo com Vázquez, no interior de uma sociedade profundamente divida pelo conflito entre as classes sociais, pelo poder, organização, direção e estruturação da sociedade, a política acaba se constituindo numa atividade prática mediada pelas diversas expressões da articulação real de seus membros, vivendo em constante embate de ideias, projetos, programas e uma luta ideológica que exerce uma forte influência na maneira como os indivíduos atuam no cotidiano. A práxis política consiste, desse modo, na participação de amplos segmentos da totalidade da vida social.

         A atividade teórica, essa forma de atividade especificamente humana, considerada do ponto de vista do seu desenvolvimento histórico, existe em função de sua relação com a prática, pois é nela que encontra seu fundamento, suas finalidades e o critério de justificação de sua verdade. Contudo, em si mesma a atividade teórica não é uma forma de práxis. Ainda que “a prática teórica” concorra para transformar percepções, noções, conceitos e representações, e engendre uma forma específica de produtos que são as hipóteses, teorias e leis, em nenhum desses processos se transforma a realidade. Esta ausente aqui, como afirma Vázquez, o lado material e objetivo da práxis, portanto, não pode ser legítimo falar de “práxis teórica”.

         A práxis constitui uma atividade material, capaz de transformar a realidade de acordo com os fins adequados. Fora de sua circunscrição, subsiste apenas a atividade teórica que não se efetiva, na medida em que é apenas uma atividade puramente espiritual. Entretanto, por outro lado, não existe práxis que seja puramente material, isto é, sem a elaboração de fins conhecimentos que caracteriza a atividade teórica.


Antonio Marcondes

GPOSSHE/UECE/GEM/UFC

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

terça-feira, 11 de maio de 2021

Há 76 anos o exército vermelho derrotava o nazismo

maio 11, 2021


Frederico Costa

Professor da Universidade Estadual do Ceará - UECE e Coordenador do instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário - IMO.


Todo ser humano que ama a liberdade deve ao Exército Vermelho mais do que conseguirá pagar em uma vida.

Ernst Hemingway


Há 76 anos, no 8 de maio 1945, ocorreu a derrota formal da Alemanha nazista para os aliados na Segunda Guerra Mundial. Havia um acordo entre os aliados de que o dia 9 de maio de 1945 seria o dia da celebração, no entanto, jornalistas ocidentais divulgaram a notícia da rendição alemã mais cedo do que era previsto, precipitando as celebrações. A URSS manteve as celebrações para a data acordada, por isso o fim do conflito, conhecido na Rússia como a Grande Guerra Patriótica, é celebrado no dia 9 de maio. Já a  vitória aliada sobre o Japão é comemorada no dia 15 de agosto de 1945.

A Segunda Guerra Mundial deixou uma destruição nunca vista até então. As mortes chegaram a um total estimado de 70 a 85 milhões de seres humanos, contando-se os que morreram por fome e doenças como resultado direto da guerra, ou seja, mais de 3% da humanidade[1]. Dezenas de cidades foram reduzidas a escombros. Recursos capazes de nutrir, vestir, garantir moradas, saúde, educação e trabalho para sanar a pobreza foram usados para fins puramente destrutivos. O meio ambiente, em vários locais, com florestas e campos cultiváveis foi reduzido às cinzas. Tal devastação atingiu o próprio comportamento e subjetividade humanos: com violência generalizada e massacre sistemático de populações. O morticínio desenvolveu-se em escala industrial. Exemplo disso foram os campos de concentração nazistas, o bombardeio da cidade alemã de Dresden e as duas bombas atômicas lançadas no Japão já derrotado.

As raízes estruturais dessa catástrofe estão presentes na própria natureza competitiva do modo de produção capitalista que se acirra com o capitalismo monopolista. O imperialismo eleva a competição para o nível político-econômico tomando uma dimensão crescentemente militar-econômica pela divisão do mundo entre as potências imperialistas. Os Estados e suas forças armadas participam das disputas entre poderosos grupos industriais e financeiros. As guerras mundiais foram produto da tendência do sistema imperialista ao expansionismo agressivo.

Após a primeira guerra interimperialista (1914-1918), os levantes revolucionários que se seguiram foram suficientemente poderosos para impedir a restauração do capitalismo na antiga Rússia imperial. Porém, o fato de não ocorrerem novas vitórias enfraqueceu o proletariado soviético. O Estado operário (expropriação da burguesia, monopólio do comércio exterior e economia planejada) sobreviveu, mas de maneira deformada, com a emergência do domínio da burocracia e de sua expressão política: o stalinismo.

De fato, aSegunda Guerra Mundial não foi uma luta entre democracia e fascismo, mas uma disputa entre potências imperialistas pela hegemonia mundial. O imperialismo alemão não era diferente dos outros imperialismos: sobre todos eles pesam crimes contra a humanidade. Porém, o imperialismo alemão sob a bandeira do nazismo desencadeou a guerra mundial com a agressão à Polônia em 1º de setembro de 1939. 

Depois de vencer a guerra no Oeste europeu, com vitórias nos Países Baixos e França em 1940, a máquina militar nazista voltou-se, em 1941, para seu objetivo central: a destruição do Estado operário soviético, o que significava uma contrarrevolução em grande escala. Em 22 de junho de 1941, iniciava-se a Operação Barbarossa. Para destruir o Exército Vermelho, Hitler arregimentou pelo menos 152 divisões alemãs, incluindo 19 divisões panzer e 15 divisões de infantaria motorizada, além de 15 divisões finlandesas e 14 divisões romenas. Em termos de equipamentos, as forças alemãs somavam cerca de 3.350 tanques, 7.200 peças de artilharia e 2.770 aeronaves que representavam 65% da força aérea de primeira linha (GLANTZ; HOUSE, 2009).

Foi um verdadeiro desastre para os soviéticos. Um desastre plenamente evitável. Mesmo possuindo 39 mil canhões e morteiros, mais de 9 mil aviões e 11 mil blindados, depois da primeira semana de batalhas, restou pouca coisa.


A invasão alemã da União Soviética em junho de 1941, juntamente com a sabotagem stalinista do Exército Vermelho (liquidação de seus generais, recusa em preparar o país para o ataque alemão e o bloqueio da resistência nos primeiros dias da invasão), praticamente levaram à destruição da URSS em 1941 (COGGIOLA, 2015, p. 178-179).


No entanto, depois de uma série de derrotas colossais, os soviéticos detiveram os nazistas às portas de Moscou, numa batalha que oficialmente durou de 30 setembro de 1941 até 20 de abril de 1942, apesar do número excessivo de erros de Stalin. Hitler, num evento em Berlim, no dia 4 de outubro de 1941, chegou a afirmar que o avanço para Moscou estaria em seus estágios finais, sendo a maior batalha da história e que, uma vez morto, o dragão soviético nunca mais se levantaria (NAGORSKI, 2015). O custo foi altíssimo para o Exército Vermelho: 1.896.500 perdas entre mortos, desaparecidos, prisioneiros e hospitalizados. É importante destacar que, devido ao tratamento dispensado pelos nazistas aos prisioneiros soviéticos, a maioria deles foi condenada à morte.

O ponto de virada estratégico se deu com a derrota nazista em Stalingrado, em fevereiro de 1943. Caso vencesse, o imperialismo alemão sairia fortalecido tanto no plano estratégico como econômico, tendo possibilidades para lançar uma ofensiva contra Moscou, o Oriente Médio e, até mesmo, a Grã-Bretanha. No entanto, dos poderosos 6º Exército e 4º Exército de Blindados nazistas de 330 mil homens, restaram apenas 91 mil soldados esfomeados e exaustos, dentre eles 22 generais que se renderam em 2 de fevereiro de 1943. Tal vitória soviética foi consolidada com outra no maior confronto de blindados numa guerra: a Batalha de Kursk, entre julho e agosto de 1943. A partir desse evento, Hitler não reuniu mais condições de uma grande ofensiva contra a URSS, dedicando-se apenas às batalhas defensivas para adiar a derrota final. Do ponto de vista militar, a derrota do exército nazista na União Soviética foi decisiva para a derrocada do III Reich, pois


[...] durante o verão europeu de 1942, o alto comando alemão havia concentrado 70% do contingente de suas forças armadas contra a URSS, ou seja, 179 divisões, sem contar as 71 divisões de seus aliados (22 divisões romenas, 14 finlandesas, 10 italianas, 13 húngaras, 1 eslovaca e 1 espanhola). Assim, naquele verão, 250 divisões – cerca de 3 milhões de homens – lutavam contra as forças soviéticas (WERTH, 2015, p. 16).


As melhores tropas alemãs estavam na Frente Leste e não, na Ocidental, além disso, o Exército Vermelho infringiu 75% das baixas ao exército do Terceiro Reich na guerra (COGGIOLA, 2015). Para tentar desvirtuar a importância fundamental do Exército Vermelho para o fim da barbárie nazista, criou-se a mitologia de que a derrota alemã foi causada pelo número e não pela habilidade, sendo a vitória soviética obtida ao preço de rios de sangue, enquanto os generais e marechais nazistas foram endeusados por terem lutado com poucos recursos e muita inteligência, podendo ter vencido, não fosse a liderança desastrosa de Hitler. 

Na verdade, a marcha vitoriosa do Exército Vermelho foi um evento de consequências revolucionárias, indo além do aspecto militar. Vassily Tchuicov, o Marechal que comandou as forças soviéticas no aniquilamento do III Reich, assim retrata esse movimento progressivo.


As vitórias do Exército Soviético ajudaram a luta pela libertação nacional nos países europeus ocupados pelos nazistas. Essa luta foi liderada pelo Partido Comunista e outros partidos operários, que uniram centenas de milhares de patriotas. Com o avanço do Exército Soviético em direção ao Dniestre e à porta de entrada para os Balcãs, o movimento antifascista se tornou mais ativo nos países satélites da Alemanha. Na Bulgária e na Romênia, os exércitos sublevados e de libertação nacional cresceram em número. Naquele verão, as unidades búlgaras de partisans totalizavam cerca de 30 mil combatentes, que imobilizaram o exército monarquista. Em maio a Frente Húngara, foi formada por iniciativa dos comunistas da Hungria e, na Romênia, formou-se um bloco nacional-democrático, que organizou um levante armado antifascista.
Na Iugoslávia, na Albânia e na Grécia, sob a liderança dos comunistas, opartisans lutaram com muita bravura contra os invasores fascistas em batalhas que mantiveram 19 divisões fascistas ocupadas e imobilizadas.
O povo polonês, independentemente da política traidora de Mikolajczyk e de seu governo no exílio, intensificou a luta armada contra os invasores nazistas (TCHUICOV, 2017, p. 15).

 

A bandeira da URSS tremulando em Berlim significou a vitória das conquistas da Revolução de Outubro de 1917, apesar da deformação stalinista e da barbárie nazista. A derrota do Terceiro Reich abriu possibilidades emancipatórias para o conjunto da humanidade, desde os movimentos de libertação nacional nas nações oprimidas à luta pelos direitos civis nos países capitalistas avançados. 

Viva os 76 anos da derrota do nazismo! Viva o Exército Vermelho!

 

Referências

COGGIOLA, Osvaldo. A Segunda Guerra Mundial: causas, estruturas, consequências. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2015.

GLANTZ, David M. & HOUSE, Jonathan. Confronto de titãs: como o Exército Vermelho deteve Hitler. São Paulo: C&R Edditorial, 2009.

NAGORSKI, Andrew. A Batalha de Moscou: a luta sangrenta que definiu os rumos da Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Contexto, 2013.

TCHUICOV, Vassily. A conquista de Berlim: 1945: a derrota dos nazistas. São Paulo: Contexto, 2017.

WERTH, Alexander. Stalingrado 1942: o início do fim da Alemanha nazista. São Paulo: Contexto, 2015.



[1] A população mundial, em 1940, era estimada em 2,3 bilhões de pessoas.

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Daniel Bensaïd: um pensamento de combate para o tempo presente

maio 10, 2021

Antonio Marcondes
GPOSSHE-UECE/GEM-UFC

    Michel Löwy, importante marxista brasileiro, em certa ocasião se referiu a Daniel Bensaïd (1946-2010) como um “comunista herético”[1], tal designação é absolutamente oportuna, sobretudo porque se trata de um autêntico pensador marxista-trotskista não dogmático; lúcido, combativo e revolucionário no pleno sentido da palavra, foi um dos mais representativos militantes de uma geração que não sucumbiu aos imperativos do derrotismo político pós 68. Nesse sentido, podemos afirmar que seu pensamento crítico é uma “arma quente” para os combates do tempo presente.

    Daniel Bensaïd foi um dos fundadores da Juventude Comunista Revolucionária (JCR) na França em 1966, agrupamento de jovens revolucionários inspirados no pensamento de Trotsky e Che Guevara. Se tornou uma figura expoente nas revoltas do movimento de Maio de 68. Neste mesmo ano, ele organizou com amigos e estudantes radicalizados o Movimento 22 de Março. E um ano depois, organizou junto com Alain e Hubert Krivine, Janete Habel Catherine Samary e outros, a Liga Comunista Revolucionária (LCR), seção francesa da 4ª Internacional.

    Publicou inúmeros livros na melhor tradição da polêmica marxista, sempre dirigindo seu arsenal teórico inesgotável contra um alvo certo: a sociedade burguesa e suas engrenagens produtoras de misérias e infâmias. Nessa fortuna literária de combate encontramos (no original): Les Dépossédés: Karl Marx, les voleurs de bois et le droit des pauvres; Marx, L’intempestif;  Penser Agir; La Politique Comme Art Stratégique; Moi La Révolution; La Revolution Et Le Pouvoir; La Discordance Des Temps, Le Pari Melancolique.

    O furor dos escritos de Bensaïd é destilado com a pena da poesia, ironia e crítica política espicaçante. Seu pensamento nunca se vergou aos ditames da ordem estabelecida, fui um verdadeiro insurrecto contra os simulacros da sociedade da mercadoria e seus espetáculos de ignomínia. Sua inclemente navalha teórica abriu profundas fissuras na consciência comum, mostrando a necessidade imperiosa de nunca ficarmos desatentos ao jogo de cartas marcadas da democracia burguesa e seus artifícios de conformismo coletivo.

    Para Bensaïd a dignidade de um revolucionário socialista não pode se dobrar ao arbítrio das classes dominantes. Sua sede de luta era insaciável. Sua moral revolucionária, baseada nos próprios princípios de vida de Marx, Trotsky, e tantos outros camaradas de luta, era “não se resignar, não se reconciliar com os vencedores”. Uma de suas principais refregas no campo teórico e ideológico foi não deixar os preceitos do comunismo autêntico se dissolverem no totalitarismo stalinista. Tinha plena consciência da necessidade de rever criticamente os avanços, limites e, sobretudo os erros que debilitaram a Revolução Bolchevique do ponto de vista histórico.

    Sua lúcida e percuciente análise crítica dos desdobramentos históricos nos ajudam a desvelar as obscuridades que envolvem o debate sobre “Partido” e “Estado”, a ameaça do burocratismo, a indispensável democracia socialista, o pluralismo das posições e a autonomia do conjunto dos movimentos sociais face ao Estado. Questões já suscitas, a propósito, por Rosa Luxemburgo em 1918 (LÖWY, 2013).

    O pensamento filosófico de Daniel Bensaïd não se baseia em modelos acadêmicos. Seu inconformismo político e feroz indignação social atravessam as fronteiras do conhecimento, desaguando numa prática absolutamente consequente que toma a reflexão teórica como uma ferramenta para iluminar os caminhos sinuosos que devem ser sobrepujados para deflagrar a aurora da Revolução.

    A crítica à sociedade do “espetáculo” não é uma mera apresentação de ideias sofisticas e grandiloquentes, nas palavras de Bensaïd:


Esta sociedade que consome durante um presente eterno se torna propícia a uma violência que não é mais propriamente histórica, sagrada, ritual, ideológica, mas que explode de maneira esporádica ‘no seio do nosso universo de quietude consumada’ e ‘vem reassumir, aos olhos de todos, uma parte da função simbólica perdida, muito brevemente, antes de desaparecer ela mesma enquanto objeto de consumo’. Desprovida de toda visão estratégica, esta violência urbana […], colocada em imagens televisuais, são ofertadas como espetáculo. Após o espetáculo, estágio supremo do fetichismo da mercadoria, soa a hora do simulacro como estágio supremo do espetáculo (BENSAÏD, 2013, p. 30, itálico nosso).

 

        A negação da historicidade dos processos sociais é igualmente uma possibilidade estratégica de negação da política; de negação das perspectivas históricas de organização das estratégias e ações de mobilização da lutas de classe no seio do capitalismo organizado do pós-guerra.

        A “questão foucaultiana”, por exemplo, estaria ligada ao “novo espírito da contrarreforma liberal” e, por uma malícia da razão,


[…] do qual tem o segredo, a invenção conceitual de Deleuze e Fouccault, radicalmente subversiva em relação ao capitalismo estatista […] dos ‘trinta gloriosos’ [30 anos de crescimento capitalista 1945-1975], acabaria assim por perder a hora. Ela entraria em ressonância com o discurso da desregulamentação liberal, da ‘sociedade líquida’, da história em migalhas. Ao isomorfismo entre um capitalismo nacional, centralizado e organizado, se sucederia um novo isomorfismo entre um capitalismo mundializado e desterritorializado e um movimento social reticular ou rizomático. Uma vez mais, o sistema demonstra sua capacidade de se nutrir da crítica e de digeri-la (BENSAÏD, 2013, p. 32, itálico nosso).

 

    Para Foucault, a revolução não seria mais uma necessidade, mas tão somente uma mera desejabilidade subjetiva. Nesse sentido, de acordo com Bensaïd, é todo um paradigma político que é colocado em questionamento, paradigma no qual se articulava uma “concepção de Estado, uma representação das classes e de suas lutas e um pensamento estratégico acerca da revolução. Em Foucault, o poder do Estado se torna substancialmente diluído nas relações de poder, as classes na plebe hirsuta e a revolução nos caprichos de uma subjetividade desejante” (BENSAÏD, 2013, p. 32-33). Tal proposta tem de tudo, menos engajamento consciente e consequente. O postulado segundo o qual é no plano do desejo de revolução que residiria hoje o principal problema contemporâneo  emerge, de fato, como uma capitulação frente as injunções autoritárias e reacionárias da sociedade burguesa; uma conformação passiva às estruturas da ordem vigente. Foucault via na revolução iraniana “uma nova semática dos tempos históricos”, um fator revelador da nova dinâmica da sociedade pós-guerra. Essa visão equivocada e distorcida das possibilidades históricas concretas de uma revolução autêntica em Foucault, tem uma razão de ser:


Ao invés de buscar superar a crise pela extensão no tempo e no espaço da revolução em permanência, Foucault se consola das ilusões perdidas pensando-a ‘não simplesmente como um projeto político, mas como um estilo, um modo de existência, com sua estética, seu ascetismo e formas particulares de relação consigo mesmo e com os outros’. Ou seja, uma revolução reduzida a um estilo e a uma estética sem ambição política. O caminho está aberto às revoltas em miniatura a aos prazeres pós-modernos”(BENSAÏD, 2013, p. 34, itálico nosso).

 

    Sob muitos aspectos, o debate contemporâneo acerca das possibilidades históricas da Revolução Socialista ganha contornos de urgência. Trata-se de pensar como superar concretamente o modelo de sociedade capitalista via insurreição das massas organizadas. Com efeito, Daniel Bensaïd (2008, p. 9) faz uma constatação imprescindível sobre o “esgotamento do debate estratégico na esquerda em geral e na esquerda radical em particular”, pois, a socialdemocracia (no Brasil PT e PSOL) aliada a uma perspectiva liberal moderada reproduz apenas “banalidades apologéticas”. Por outro lado, os partidos de inspiração stalinista deformaram a perspectiva histórica da revolução permanente. Nesse sentido, ficaram reduzidos à incapacidade teórica e a uma debilidade moral e política enormes. Sucumbiram a uma agonia lancinante; sem estratégias revolucionárias, não passam de organizações de cunho reacionário e meramente eleitoreiras.

    Não podemos correr o risco de se contentar com um programa meramente eleitoral. A burguesia e sua sanha de dominação imperialista não nos oferece outra estratégia senão a Revolução  Socialista. As estruturas hegemônicas da sociedade capitalista não cederão nem um palmo de dignidade, muito menos de universalização das riquezas por ela extraída mediante a exploração do trabalho. A agenda neoliberal de destruição dos direitos sociais e conquistas históricas da classe trabalhadora, está a todo vapor, sobretudo no Brasil governado pelo neofascista Bolsonaro, representante da fração mais reacionária e autoritária do exército, apoiado pela extrema direita e o imperialismo estadunidense. Nosso capitalismo dependente é um indisfarçável opróbrio.

    No contexto atual de terra arrasada pela pandemia da Covid-19 e pela crise econômica em curso que atinge de forma avassaladora o conjunto da classe trabalhadora, não resta outra alternativa mais viável para caminharmos rumo a uma sociedade emancipada, senão a Revolução Socialista. O comunismo é uma possibilidade histórica que urge realizar. E aqui duas últimas questões candentes levantadas por Bensaïd (2008, p. 9) para refletirmos sobre o “novo tempo do mundo”:


O que pensar da luta de classes, na época do aumento da força de um individualismo sem individualidade, da desfiliação social e nacional, de seres sociais cujas identidades plurais ameaçam fragmentar-se?

 

A idéia de um futuro comunista da humanidade morreu com o aniquilamento de suas caricaturas burocráticas e com o encerramento do que alguns historiadores definem como o ‘curto século XX?

 

Questões para os combates do tempo presente.

 

 

REFERÊNCIAS

BENSAÏD, Daniel. Os irredutíveis: teoremas da resistência para o tempo presente. São Paulo: Boitempo, 2208.

_______________. Espetáculo, fetichismo, ideologia (um livro inacabado). Fortaleza: Plebeu Gabinete de Leitura /Expressão Gráfica e Editora, 2013.



[1]  Löwy explica que: “Auguste Blanqui, comunista herético é o título de um artigo que escrevemos juntos em 2006, publicado depois na revista Margem Esquerda. Este conceito se aplica perfeitamente a seu próprio pensamento, teimosamente fiel à causa dos oprimidos, mas alérgico às ortodoxias” (LÖWY, 2013, p. 10, itálico no original).

sábado, 8 de maio de 2021

A ira do Deus-dinheiro sobre o povo negro

maio 08, 2021
Foto: Chitto Cancio

 

Eudes Baima
Professor da Universidade Estadual do Ceará - FAFIDAM/UECE


       Sobre a chacina do Jacarezinho, sinto que as varias teses explicativas acabam obscurecendo o principal: o motivo é o comezinho, o de sempre. Trata-se da forma da burguesia e de seu estado de lidarem com o que consideram o dejeto social, as sobras, cada vez mais multitudinária, do funcionamento do sistema, da massa humana inútil até como exército de reserva. 

 

       Que tem, contudo, o inconveniente de estar viva, multiplicando favelas, filhos, incômodos e a violência, como único instrumento de não se deixar morrer, em face da irresistível máquina de extermínio econômico ou diretamente bélico movida com meios de estado contra ela, numa interminável “solução final”, lembrando o que disse ontem o vice-presidente Mourão por trás da indefectível máscara com o escudo do Flamengo. E, com efeito, é de uma política de extermínio em larga escala que se trata.

 

       A “sociedade de bem”, como diz o já tristemente célebre Delegado Oliveira, precisa lidar com esta massa humana restante, e não pode fazê-lo a não ser mantendo um extermínio em fogo brando e constante, eventualmente manejando as vítimas conforme os interesses dos homens de negócio (este mesmo povo fornece os peões da milícia e do tráfico, controlados por altas e obscuras rodas), com picos de violência que se tornam cada vez mais frequentes, como o do funesto dia 6 de maio.

 

       Ocioso dizer que a imensa massa humana descartada como lixo e, depois, tratada como degradação ambiental ameaçadora, é composta de homens e mulheres negros. Esta percepção elementar das motivações para a ação de extermínio de 5a feira não se opõe às causas imediatas, ação diversionista em face da CPI da Covid, ofensiva miliciana sobre território sob controle do tráfico, entre outras, plausíveis, que circulam por aí. Não parece casual que a carnificina praticada contra jovens negros, e contra toda a comunidade do Jacarezinho, tenha se passado não mais do que 12 horas depois do Presidente genocida te se entrevistado com o Governador Cláudio Castro, do Rio de Janeiro, que depois defendeu integralmente o holocausto na favela.

 

Mas nenhuma delas é razoável sem o motivo primário: a necessidade de manter sob controle demográfico as massas de mão de obra inutilizadas produzidas pelo próprio sistema, não por acaso, uma multidão de homens e mulheres negros e negras, emanada pelo racismo,  e sua prole amaldiçoada pelo Deus-Dinheiro.

sexta-feira, 7 de maio de 2021

Com crise e pandemia, ricos ficam mais ricos e pobres ficam mais pobres

maio 07, 2021

Foto de Mihály Köles


Frederico Costa
Professor da Universidade Estadual do Ceará e Coordenador do instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário


A terceira edição do boletim Desigualdade nas Metrópoles[1] indica a situação cada vez pior da maioria da população brasileira, nesses tempos de crise econômica, pandemia e governo de extrema direita. A publicação é resultado de pesquisa desenvolvida pela PUC-RS, pelo Observatório das Metrópoles e pelo RedODSAL (Observatório da Dívida Social na América Latina), com base em dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) do IBGE, cuja série começa em 2012. O objeto pesquisado foram 20 regiões metropolitanas: Manaus, Belém, Macapá, Grande São Luís, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife, Maceió, Aracaju, Salvador, Belo Horizonte, Grande Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Vale do Rio Cuiabá e Goiânia), além do Distrito Federal e da Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento da Grande Teresina.  A pesquisa considerou apenas a renda do trabalho, não incluindo benefícios emergenciais, como o auxílio que foi pago no ano passado de maio a dezembro. Eis os principais destaques desse estudo elucidativo sobre as contradições atuais da formação econômico-social brasileira:

1 - Houve um aumento significativo e generalizado das desigualdades relativas aos rendimentos do trabalho no interior das metrópoles no último trimestre. A média do coeficiente de Gini[2] para o conjunto das Regiões Metropolitanas era de 0.610 no 1º trimestre de 2020, e, no 2º trimestre de 2020, chegou em 0.640.

2 - Em geral, todos os estratos de rendimento apresentaram queda de sua renda do trabalho, no último trimestre, mas essa queda foi proporcionalmente maior entre os 40% mais pobres. O conjunto dos 10% do topo de cada região metropolitana teve redução de -3.2% em seus rendimentos; para os 40% mais pobres essa redução foi de -32.1%.

3 - Em geral, houve um aumento da distância entre o topo e a base da pirâmide no interior das metrópoles, ao longo dos últimos anos, com aceleração desse crescimento no último trimestre. A razão entre a renda do trabalho no topo (10% superiores) e na base (40% inferiores) vem crescendo de forma permanente desde 2015; e, em 2020, assim como para os outros indicadores de desigualdade, houve um crescimento ainda maior. No 3º trimestre de 2015 essa razão era, em média, de 22.5, subindo para 30.2 no 1º trimestre de 2020, e chegando a 32.6 no último trimestre.

4 - Identificamos um substantivo aumento do percentual de vulnerabilidade relativa (pessoas cuja renda domiciliar do trabalho não chega à metade do perfil mediano) no interior das metrópoles no período mais recente. No 1º trimestre de 2020, tínhamos 23.5 milhões de pessoas nessa situação, correspondendo a 28.4% da população. E, no último trimestre, chegávamos a 25.8 milhões de pessoas, ou 31.3% da população metropolitana.

5 - A desigualdade racial tem se mantido em nível elevado no interior das metrópoles. No geral, o que verificamos é uma tendência de manutenção dos rendimentos relativos dos negros, em relação aos, dos brancos, no interior das metrópoles. Na média das Regiões Metropolitanas, no 2º trimestre de 2020, os negros apresentam um rendimento domiciliar médio correspondente a somente 57.4% do rendimento dos brancos.

De 2019 a 2020, houve uma queda maior dos ganhos daquela parcela da população com menor rendimento. Noutras palavras, os ricos ficaram mais ricos e os pobres mais pobres. Levando-se em conta apenas a média do último trimestre de cada ano, a renda do trabalho para os mais pobres recuou 34,2%, de R$ 237,18 por mês no final de 2019 para R$ 155,95 nos últimos três meses de 2020. Entre os 10% mais ricos, o recuo foi de 6,9%, para R$ 6.356. Para o grupo intermediário, que representa 50% da população, caiu 8,6%, para R$ 1.195.

Esse quadro de empobrecimento, vulnerabilidade, concentração de riqueza e racismo estrutural é síntese de múltiplas determinações. A herança colonial de escravismo, latifúndio e subalternidade na divisão internacional do trabalho, que foram redimensionados num capitalismo periférico alicerçado na superexploração da população trabalhadora. A natureza antidemocrática das classes dominantes brasileiras, que coabitam a dominação com o imperialismo. O salto de qualidade na ofensiva do capital dado com o golpe de 2016 com a destruição do sistema, previdenciário, de direitos trabalhistas e de limites dos gastos sociais (teto dos gastos). Um governo de extrema direita genocida, obscurantista, de programa econômico liberal e com ataques constantes ao movimento organizado dos trabalhadores. Por último, uma vacilação das direções sindicais e políticas de esquerda majoritárias em implementar uma orientação de defesa dos interesses da maioria dos brasileiros e brasileiras na defesa do fim do governo Bolsonaro, de medidas de defesa da vida (vacinação, auxílio emergencial, restaurantes populares, frentes de trabalho, congelamento de gêneros de primeira necessidade, nenhum despejo) e reformas estruturais (agrária, urbana, tributária, estatizações). Sem mobilização, unidade das lutas e uma frente política de esquerda a tendência é um aprofundamento crescente das desigualdades.



[1]https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/wpcontent/uploads/2020/10/BOLETIM_DESIGUALDADE-NAS-METROPOLESl_01v02.pdf

[2] O Coeficiente de Gini mede o grau de distribuição de rendimentos entre os indivíduos de uma população, variando de zero a um. O valor zero representa a situação de completa igualdade, em que todos teriam a mesma renda; e o valor um representa uma situação de completa desigualdade, em que uma só pessoa deteria toda a renda. Dessa forma, é possível comparar a desigualdade de renda entre dois momentos ou locais a partir desse coeficiente.

quarta-feira, 5 de maio de 2021

203 anos de Marx: viva o comunismo!

maio 05, 2021

 

Frederico Costa

Professor da Universidade Estadual do Ceará e Coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário - IMO


Em 5 de maio de 1818, nascia Karl Marx. Um homem odiado pelos poderosos, mas amado e admirado pelos que lutam por dias melhores. Esses não são poucos. Para dizer a verdade, são homens e mulheres que, na diversidade espacial-histórica da Terra, produzem riquezas e sustentam o mundo, como a figura mitológica de Atlas. 

Hoje, salvo raras exceções, o planeta é a imagem e semelhança do capital em sua terceira grande crise em um espaço de uma ou duas gerações (1970, 2007 e 2020), com consequências catastróficas para a humanidade: fome, miséria, doenças, guerras, aprofundamento das desigualdades, vidas sem sentido, alienação, destruição da natureza, opressões e decadência tornaram-se fatos cotidianos. Cada vez mais a desilusão parece superar a esperança.

No entanto, esse jovem de 203 anos é atual e nos traz sementes de um futuro melhor. A partir de Marx, temos a crítica mais consistente, abrangente e radical do capitalismo. Não só uma crítica de ideias, mas uma crítica prática a serviço da superação do capitalismo. Uma crítica revolucionária, classista e internacionalista. Por isso, não se deve confundir marxologia, o simples estudo de Marx e seus intérpretes, com marxismo, isto é, a compreensão da realidade social burguesa com o fito de transformá-la revolucionariamente. 

O legado de Marx é a luta pela emancipação humana, quando os seres humanos tiverem reconhecido e organizado suas próprias forças como forças sociais sem exploração, mercado e Estado. É um longo caminho que começa agora nas resistências cotidianas, nos sindicatos, nos movimentos sociais, nos partidos políticos de esquerda contra o capital e seus agentes.

No Brasil, comemorar o aniversário de Marx passa pelo Fora Bolsonaro, pela vacinação de todos e por um conjunto de medidas contra a fome e o desemprego, isto é, com um programa de independência de classe. Marx sempre teve profunda confiança nas massas proletárias que, mesmo não possuindo meios de produção, têm nas mãos o futuro da humanidade. O proletariado, ao perder suas cadeias expropriando os expropriadores, liberta todos, todas e todes das amarras alienantes do capital. Isso é comunismo!