A atual intervenção russa na região denominada como Ucrânia deve ser entendida com os olhos da História e também da geopolítica. O reino da Polonia era o maior Estado europeu no século XVI. Logo virou um ninho de jesuítas. A monarquia eletiva entrou em declínio depois da guerra dos 30 anos e em 1667 perdeu pra a Rússia a território ocidental do que hoje é a Ucrânia. A parte oriental recebeu uma leva de migrantes russos que vinham do Norte, num movimento inverso em relação ao anterior. A região ficou conhecida como Nova Rússia ou Donbass.
A Ucrânia (há dúvidas, mas é provável que a palavra signifique fronteira) foi reconhecida dentro do império russo apenas em 1910. Na guerra civil / imperialista que se seguiu (1918-1920) a região contou com movimentos revolucionários e contrarrevolucionários variados. A política de autodeterminação das nacionalidades tornou possível a conformação da Ucrânia. Nos anos 30 foi o centro da resistência camponesa à coletivização da terra e houve desastres naturais de monta (uma grande seca, similar àquela de 1922). Criou-se a lenda do genocídio ucraniano.
A Ucrânia é uma região plurinacional, onde se fala muitas línguas e onde há tradições culturais diversas. Os russos são cerca de ¼ da população. Em 1991 a Ucrânia foi tomada de assalto por uma oligarquia corrupta, assim como a Rússia, o Cazaquistão, etc. que fez negócios com o Ocidente de tal monta a comprometer a estrutura produtiva desses Estados e até a demografia. A Rússia procurou recompor o seu poder econômico político desde 1999, considerando o desastre nacional da década anterior e o cerco que o imperialismo estabelecia. O acordo de a OTAN não se expandir não foi cumprido. A expansão ocorreu em direção a todos os países nos quais o socialismo foi suprimido e até pra países que antes compuseram na URSS, como os bálticos. A expansão da OTAN beneficiava o poder imperial dos EUA e a expansão da União Europeia beneficiava a economia alemã.
As primeiras tentativas imperialistas de ocupar a Ucrânia foram barradas, assim como foi barrada a tentativa de ocupação da Geórgia (em 2008). Em 2014, dentro de uma ofensiva mundial do imperialismo (que afetou inclusive o Brasil), foi executado um sangrento golpe de Estado na Ucrânia de estampado caráter nazista (vise símbolos e bandeiras), que tem no colaboracionista Stepan Bandera a sua principal referencia. De fato, na guerra contra a Alemanha (1941-1945), na Ucrânia se observou a presença significativa de colaboracionistas. O projeto é o de “ucranizar” o país, fazendo do ucraniano a única língua, se aliar a Europa e EUA e contribuir para a destruição da Rússia. A resistência se organizou nas zonas de maior presença dos russos e com os comunistas do KPU. A solicitação na Duma russa para que o governo promovesse a intervenção com urgência partiu da oposição comunista, mas Putin e o exército não tinham mais como postergar, dado que todas as tentativas diplomáticas foram recusadas pelos EUA e seus asseclas.
Para romper com a resistência a Ucrânia pediu ingresso na OTAN e na União Europeia. Em 2021 as forças da OTAN se reforçaram em toda fronteira russa, tentaram golpes na Belarus e no Cazaquistão e deslocaram frota para o Mar Negro. Com a Ucrânia na OTAN, os misseis americanos estariam as portas de Moscou, sem que a Rússia pudesse ter tempo para o revide. A guerra nuclear estaria vencida. Com o cerco estava se apertando e para a Rússia já não restava outra saída senão a intervenção na Ucrânia, não só para salvar os russos, mas principalmente, é claro, evitar que o cerco se fechasse. Outro movimento estratégico da Rússia para se defender, desta vez da sabotagem econômica, foi a aproximação com a China e com os países que antes compunham a URSS.
No entanto, o imperialismo está em serias dificuldades, as quais fazem parte da crise estrutural do capital. O declínio econômico político dos EUA encontra resposta no armamentismo e na tentativa de sabotar o crescimento da China, do qual a aliança com a Rússia é uma parte. Subjugar a Europa é também da maior importância pra impedir a expansão econômica da Eurásia em direção a esse território. O esforço militar investe no reforçamento e ampliação da OTAN e numa aliança global anglo-americana, que inclui Canadá, Grã-Bretanha, Australia e EUA.
O problema é que a sabotagem econômica contra Rússia tem alto preço para a Europa. Os EUA querem uma Europa armada, muito armada, mas querem também dependente de produtos americanos, como gás, petróleo, milho. Claro que isso não interessa a Alemanha e França principalmente, mas enquanto estiverem submetidos a estratégia antirussa dos EUA as coisas só podem piorar, pois o desabastecimento e a inflação já atravessaram as portas.
A intervenção russa avança com facilidade nas regiões habitadas pelos russos e lutam para libertá-los onde estão encurralados pelos nazistas. O cerco está perto de se fechar contra o Batalhão Azov, que ataca as regiões orientais (as repúblicas populares). As saídas para o mar estarão em mãos dos russos muito em breve. Kiev esta sitiada. A intenção da Rússia é eliminar os nazistas armados e prender a cúpula do governo. A intenção da Rússia é ver uma Ucrânia federada, que respeite a diversidade étnica cultural presente no território e neutra no campo internacional. Mas pode ser que isso não se realize completamente, por conta da forte pressão da OTAN, EUA, União Europeia e até da ONU. A Ucrânia pode se desmembrar, pode entrar em guerra civil, pode aparecer uma guerrilha mercenária. O cenário é muito incerto.
De certeza é que o deslocamento populacional já é enorme e afetará gravemente a vida econômica e política dos países da Europa oriental e da própria Ucrânia, todos eles com governo protofascista, de algum modo semelhantes àqueles dos anos 20 e 30, que cercavam a URSS. Importante é saber se a Alemanha resistirá a tentativa americana de colocá-la no tapete junto com toda Europa, pois isso poderia mudar a cena.
Importante também saber como as classes dominadas sob tacão do grande capital financeiro reagirão diante do agravamento das suas condições de vida já tão pioradas pela pandemia. Lutar pelo fim da OTAN e das bases militares americanas espalhadas pelo planeta parece ser a urgência maior. A lição seria a de ver como o capitalismo vive da guerra e da destruição.
Marcos Del Roio
Primeiramente publicado em: https://igsbrasil.org/blog/publicacao/1693643/a-ofensiva-imperialista-e-a-manobra-defensiva-da-russia