sexta-feira, 6 de maio de 2022

9 de maio de 1945, o nazismo foi derrotado pelo Exército Vermelho, essa luta continua hoje

 

Todo ser humano que ama a liberdade deve ao Exército Vermelho mais do que conseguirá pagar em uma vida.

Ernest Hemingway


Em de 9 de maio 1945, marca a capitulação da Alemanha para a União Soviética na Segunda Guerra Mundial, após dois meses da Batalha de Berlin entre o Exército Vermelho e o Exército Nazista. O chamado dia “D”, o desembarque das tropas de 13 países comandadas pelos EUA e Inglaterra nas praias francesas da Normandia, ocorreu um ano antes da rendição alemã para a URSS, foi um avanço militar aliado que conquistou a libertação da França, mas não a vitória sobre a Alemanha. A vitória dos EUA sobre o Japão só foi comemorada no dia 15 de agosto de 1945.

A Segunda Guerra Mundial começou com uma disputa entre potências imperialistas em 1939, mas logo, já em 1941, assumiu o caráter de guerra de conquista da URSS pelo Estado nazista alemão.  A guerra deixou uma destruição nunca vista antes. As mortes chegaram a um total estimado de 70 a 85 milhões de seres humanos, contando-se os que morreram por fome e doenças como resultado direto da guerra, ou seja, mais de 3% da humanidade[1]. Dezenas de cidades foram reduzidas a escombros. Recursos capazes de nutrir, vestir, garantir moradas, saúde, educação e trabalho para sanar a pobreza foram usados para fins puramente destrutivos. O meio ambiente, em vários locais, com florestas e campos cultiváveis foi reduzido às cinzas. Tal devastação atingiu o próprio comportamento e subjetividade humanos: com violência generalizada e massacre sistemático de populações. O morticínio desenvolveu-se em escala industrial. Exemplo disso foram os campos de concentração nazistas, o bombardeio da cidade alemã de Dresden e as duas bombas atômicas lançadas no Japão já derrotado.

As raízes estruturais dessa catástrofe estão presentes na própria natureza competitiva do modo de produção capitalista que se acirra com o capitalismo monopolista. O imperialismo eleva a competição para o nível político-econômico tomando uma dimensão crescentemente militar-econômica pela divisão do mundo entre as potências imperialistas. Os Estados e suas forças armadas participam das disputas entre poderosos grupos industriais e financeiros. As guerras mundiais foram produto da tendência do sistema imperialista ao expansionismo agressivo.

Após a primeira guerra interimperialista (1914-1918), os levantes revolucionários que se seguiram foram suficientemente poderosos para impedir a restauração do capitalismo na antiga Rússia czarista. Porém, o fato de não ocorrerem novas vitórias enfraqueceu o proletariado soviético. O Estado operário (expropriação da burguesia, monopólio do comércio exterior e economia planejada) sobreviveu, mas de maneira deformada, com a emergência do domínio da burocracia e de sua expressão política: o stalinismo.

De fato, a Segunda Guerra Mundial não foi uma luta entre democracia e fascismo, mas uma disputa entre potências imperialistas pela hegemonia mundial. O imperialismo alemão não era diferente dos outros imperialismos: sobre todos eles pesam crimes contra a humanidade. Porém, o imperialismo alemão, apesar de submetido ao humilhante Tratado de Versalhes, logo recuperou-se da derrota da I Guerra Mundial, ajudado pelo interesse dos grandes monopólios e dos demais imperialismos ocidentais em esmagar a revolução socialista na própria Alemanha (1919 e 1923) e, em seguida, invadir a URSS. Sob a bandeira do nazismo, o país logo voltou a ser uma potência militar muito mais forte do que no conflito anterior e desencadeou a guerra mundial que começou com a ocupação da Polônia em 1º de setembro de 1939, imediatamente após a assinatura do pacto entre Hitler e Stalin, oito dias antes.

 

O objetivo do imperialismo era destruir o Estado Operário Soviético: 70% das forças armadas nazistas e mais três milhões de soldados foram deslocados contra a URSS

 

Em um segundo momento, Hitler facilmente venceu a guerra no Oeste europeu, com vitórias nos Países Baixos e França em 1940. Foi então que a máquina militar nazista se voltou, em 1941, para seu objetivo central: a destruição do Estado operário soviético, o que significava uma contrarrevolução em grande escala. Em 22 de junho de 1941, iniciava-se a Operação Barbarossa. Para destruir o Exército Vermelho, Hitler arregimentou pelo menos 152 divisões alemãs, incluindo 19 divisões panzer e 15 divisões de infantaria motorizada, além de 15 divisões finlandesas e 14 divisões romenas. Em termos de equipamentos, as forças alemãs somavam cerca de 3.350 tanques, 7.200 peças de artilharia e 2.770 aeronaves que representavam 65% da força aérea de primeira linha (GLANTZ; HOUSE, 2009).

Foi um verdadeiro desastre para os soviéticos. Um desastre plenamente evitável. Mesmo possuindo 39 mil canhões e morteiros, mais de 9 mil aviões e 11 mil blindados, depois da primeira semana de batalhas, restou pouca coisa.

A invasão alemã da União Soviética em junho de 1941, juntamente com a sabotagem stalinista do Exército Vermelho (liquidação de seus generais, recusa em preparar o país para o ataque alemão e o bloqueio da resistência nos primeiros dias da invasão), praticamente levaram à destruição da URSS em 1941 (COGGIOLA, 2015, p. 178-179).

No entanto, depois de uma série de derrotas colossais, os soviéticos detiveram os nazistas às portas de Moscou, numa batalha que oficialmente durou de 30 setembro de 1941 até 20 de abril de 1942, apesar do número excessivo de erros de Stalin. Hitler, num evento em Berlim, no dia 4 de outubro de 1941, chegou a afirmar que o avanço para Moscou estaria em seus estágios finais, sendo a maior batalha da história e que, uma vez morto, o dragão soviético nunca mais se levantaria (NAGORSKI, 2015). O custo foi altíssimo para o Exército Vermelho: 1.896.500 perdas entre mortos, desaparecidos, prisioneiros e hospitalizados. É importante destacar que, devido ao tratamento dispensado pelos nazistas aos prisioneiros soviéticos, a maioria deles foi condenada à morte.

O ponto de virada estratégico se deu com a derrota nazista em Stalingrado, em fevereiro de 1943. Caso vencesse, o imperialismo alemão sairia fortalecido tanto no plano estratégico como econômico, tendo possibilidades para lançar uma ofensiva contra Moscou, o Oriente Médio e, até mesmo, a Grã-Bretanha. No entanto, dos poderosos 6º Exército e 4º Exército de Blindados nazistas de 330 mil homens, restaram apenas 91 mil soldados esfomeados e exaustos, dentre eles 22 generais que se renderam em 2 de fevereiro de 1943. Tal vitória soviética foi consolidada com outra no maior confronto de blindados numa guerra: a Batalha de Kursk, entre julho e agosto de 1943. A partir desse evento, Hitler não reuniu mais condições de uma grande ofensiva contra a URSS, dedicando-se apenas às batalhas defensivas para adiar a derrota final. Do ponto de vista militar, a derrota do exército nazista na União Soviética foi decisiva para a derrocada do III Reich, pois

[...] durante o verão europeu de 1942, o alto comando alemão havia concentrado 70% do contingente de suas forças armadas contra a URSS, ou seja, 179 divisões, sem contar as 71 divisões de seus aliados (22 divisões romenas, 14 finlandesas, 10 italianas, 13 húngaras, 1 eslovaca e 1 espanhola). Assim, naquele verão, 250 divisões – cerca de 3 milhões de homens – lutavam contra as forças soviéticas (WERTH, 2015, p. 16).

As melhores tropas alemãs estavam na Frente Leste e não, na Ocidental, além disso, o Exército Vermelho infringiu 75% das baixas ao exército do Terceiro Reich na guerra (COGGIOLA, 2015). Para tentar desvirtuar a importância fundamental do Exército Vermelho para o fim da barbárie nazista, criou-se a mitologia de que a derrota alemã foi causada pelo número e não pela habilidade, sendo a vitória soviética obtida ao preço de rios de sangue, enquanto os generais e marechais nazistas foram endeusados por terem lutado com poucos recursos e muita inteligência, podendo ter vencido, não fosse a liderança desastrosa de Hitler.

Na verdade, a marcha vitoriosa do Exército Vermelho foi um evento de consequências revolucionárias, indo além do aspecto militar. Vassily Tchuicov, o Marechal que comandou as forças soviéticas no aniquilamento do III Reich, assim retrata esse movimento progressivo.

As vitórias do Exército Soviético ajudaram a luta pela libertação nacional nos países europeus ocupados pelos nazistas. Essa luta foi liderada pelo Partido Comunista e outros partidos operários, que uniram centenas de milhares de patriotas. Com o avanço do Exército Soviético em direção ao Dniestre e à porta de entrada para os Balcãs, o movimento antifascista se tornou mais ativo nos países satélites da Alemanha. Na Bulgária e na Romênia, os exércitos sublevados e de libertação nacional cresceram em número. Naquele verão, as unidades búlgaras de partisans totalizavam cerca de 30 mil combatentes, que imobilizaram o exército monarquista. Em maio a Frente Húngara, foi formada por iniciativa dos comunistas da Hungria e, na Romênia, formou-se um bloco nacional-democrático, que organizou um levante armado antifascista.

Na Iugoslávia, na Albânia e na Grécia, sob a liderança dos comunistas, os partisans lutaram com muita bravura contra os invasores fascistas em batalhas que mantiveram 19 divisões fascistas ocupadas e imobilizadas.

O povo polonês, independentemente da política traidora de Mikolajczyk e de seu governo no exílio, intensificou a luta armada contra os invasores nazistas (TCHUICOV, 2017, p. 15).

 

A bandeira da URSS tremulando em Berlim significou a vitória das conquistas da Revolução de Outubro de 1917, apesar da deformação stalinista e da barbárie nazista. A derrota do Terceiro Reich abriu possibilidades emancipatórias para o conjunto da humanidade, desde os movimentos de libertação nacional nas nações oprimidas à luta pelos direitos civis nos países capitalistas avançados. A vitória sobre o nazismo não foi obra do nacionalismo russo, mas do proletariado da União Soviética armado contra o maior monstro que o imperialismo já criou contra o comunismo: o nazi-fascismo. A derrota de Hitler foi a segunda maior vitória do proletariado mundial depois da Revolução Bolchevique.

 

A luta contra o nazismo e a expansão do imperialismo contra a Rússia: um ensaio da III Guerra Mundial

 

O imperialismo estadunidense se tonou hegemônico no mundo capitalista após a segunda guerra mundial, criou uma série de organismos financeiros, militares, de espionagem permanentes como o FMI, a OTAN, a CIA contra a URSS e a revolução internacional. Sempre que necessário o imperialismo recorreu aos piores métodos nazistas, torturas, armas químicas, ditaduras contra os povos oprimidos, fossem os palestinos, vietnamitas, latino-americanos, iraquianos ou afegãos.

Após a contrarrevolução social na URSS a expansão da OTAN em direção ao leste, não cessou. A OTAN que possuía 16 membros em 1990 hoje tem 30. A superacumulação de capitais desse processo de expropriação mundial, contraditoriamente provocou uma imensa crise nos EUA em 2008 e na União Europeia em 2010. Países como Rússia e China ocuparam espaços do mercado mundial no vácuo do retrocesso das potências imperialistas e se tornaram jogadores com recursos extraordinariamente grandes, como a massa de força de trabalho chinesa, ou os recursos energéticos, militares e tecnológicos russos. Como dizia Moniz Bandeira, “os impérios são mais perigosos quando declinam”[2].

Desde o fim da URSS, o imperialismo decadente realiza, sob novas formas e ritmos uma outra operação Barbarrossa. Dezenas de novas bases militares foram estabelecidas nos antigos estados operários e ex-repúblicas soviéticas. Toda a região foi conquistada aproveitando-se da insatisfação histórica daquelas populações com as burocracias stalinistas, de guerras fratricidas (Iugoslávia), corrupção de governantes, golpes de Estado, “revoluções coloridas”, guerra híbridas e o uso de mercenários nazistas para reprimir a resistência da Ucrânia a entrar na UE e na OTAN.

Essa ofensiva teve como auge a neoliberal década de 1990. A economia foi profundamente privatizada, desindustrializada e sofreu um grande ataque especulativo em 1998. A Iugoslávia foi despedaçada por uma artificial guerra fratricida que contou com a intervenção militar direta do imperialismo ianque e europeu. Tudo isso não ocorreu sem provocar uma reação crescente de alguns povos e governos da região que foram obrigados a reestatizar, centralizar e planificar frações estratégicas da economia, o que se contrapunha à orientação neoliberal imperialista. Contra essas resistências foi traçada uma estratégia para recolonizar países como a Ucrânia, a Bielorrússia e o Cazaquistão.  

Essa estratégia foi explicitamente documentada. Em maio de 2019, a Rand Corporation, o “think-tank” do complexo militar-industrial dos EUA, havia enumerado seis opções na matéria:  1. Armar a Ucrânia; 2. Aumentar o apoio aos jihadistas na Síria; 3. Promover uma mudança de regime na Bielorrússia; 4. Explorar as tensões no Sul do Cáucaso; 5. Reduzir a influência russa na Ásia central; 6. Rivalizar com a presença russa na Transnístria.

Mas, mesmo a mais sofisticada estratégia, sob a logística mais bem preparada e dispondo de recursos enormes em dólares, armamento e tecnologia de informação, não conseguem reverter as tendências à decadência e ultrapassagem do imperialismo cuja ofensiva dialeticamente fortalece um bloco de países sancionados, apoiados em forças produtivas menos dependentes dos circuitos financeiros especulativos e que estão por criar alternativas de desdolarização de suas economias. Essas contradições interburguesas e entre blocos de nações criaram tensões que fazem da atual guerra na Ucrânia a antessala da terceira guerra mundial.

A resistência crescente por parte do bloco eurásico não deve alimentar ilusões de que as forças burguesas que dirigem essas nações oprimidas serão capazes de oferecer uma resistência consequente na luta anti-imperialista. Pois, essa tarefa apenas o proletariado organizado em uma internacional comunista e revolucionária poderá realizar. Todavia, a construção desse organismo passa hoje pela tática da frente única anti-imperialista, que deve submeter-se à estratégia da revolução permanente diante da incapacidade da luta consequente por parte das direções eurásicas de derrotar o imperialismo.

Hoje, na Ucrânia, é reeditada uma nova luta contra o imperialismo e o nazismo. A URSS não existe mais desde 1991. A Rússia hoje é um país capitalista anômalo, no máximo uma potência regional. Porém, não é um país imperialista. Objetivamente, a Operação Especial Russa em apoio a autodeterminação das repúblicas de Donetsk e Lugansk na região russófona de Donbass (leste da Ucrânia) é uma ação progressiva para os trabalhadores e povos oprimidos do mundo inteiro contra a nova operação Barbarrossa.

Primeiro, por representar um apoio à luta de emancipação nacional de aproximadamente 3,5 milhões de trabalhadores que sofrem ataques de um regime nascido de um golpe militar em 2014, quando os EUA/OTAN investiram esforços para armar a levar a vitória movimentos neonazistas que reivindicam a política de colaboração com a ocupação militar do país por tropas nazistas durante a II Guerra Mundial contra a URSS. Na Ucrânia, logo os EUA se apropriaram dos recursos energéticos do país. O filho de Joe Biden, Hunter Biden, foi posto como dirigente da principal companhia de gás do país. O Pentágono desenvolveu vários laboratórios de armas químicas proibidas por um tratado assinado por 183 países desde 1972 na Convenção sobre Armas Químicas e Biológicas (BWC). As forças militares e policiais da Ucrânia transformaram-se num criadouro de mercenários nazistas, que realizaram vários massacres, como o de Odessa e Mariupol, além de executarem 14 mil pessoas nos últimos oito anos.

Segundo, por expressar uma resistência ativa aos planos do imperialismo em crise de desagregar a Rússia transformando-a em protetorados semicoloniais.

Terceiro, depois da II Guerra Mundial é a maior frente imperialista contra um país: ajuda militar ao governo nazista ucraniano, censura, sanções econômicas, russofobia, cerco estratégico da OTAN, proibição para todos os partidos de oposição ao regime, tortura e perseguição aos sindicalistas, comunistas e todos os que buscam esclarecer os fatos. Mais uma vez o imperialismo utiliza o nazismo contra os povos oprimidos, dessa vez de forma muito mais explícita, através de mercenários, contra os povos oprimidos do leste europeu.

Em resumo, o apoio à autodeterminação de regiões russófonas e à desnazificação da Ucrânia é uma ação anti-imperialista por se chocar contra os interesses do capital financeiro mundial. Nesse 9 de maio, além de comemorar os 77 anos da derrota do nazismo é preciso se colocar incondicionalmente ao lado da Rússia em sua luta contra o imperialismo.

Viva os 77 anos da derrota do nazismo! Viva o Exército Vermelho! Todo apoio à Rússia contra o imperialismo e o nazismo na Ucrânia!

 

Frederico Costa

Professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário (IMO)

Érico Cardoso

Doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará – PPGE/UECE

 

Referências

COGGIOLA, Osvaldo. A Segunda Guerra Mundial: causas, estruturas, consequências. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2015.

GLANTZ, David M. & HOUSE, Jonathan. Confronto de titãs: como o Exército Vermelho deteve Hitler. São Paulo: C&R Editorial, 2009.

NAGORSKI, Andrew. A Batalha de Moscou: a luta sangrenta que definiu os rumos da Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Contexto, 2013.

RAND, Corporation, Extending Russia, Disponível em: < https://www.rand.org/pubs/research_reports/RR3063.html> Acesso em 4 de abril 2022.

TCHUICOV, Vassily. A conquista de Berlim: 1945: a derrota dos nazistas. São Paulo: Contexto, 2017.

WERTH, Alexander. Stalingrado 1942: o início do fim da Alemanha nazista. São Paulo: Contexto, 2015.



[1] A população mundial, em 1940, era estimada em 2,3 bilhões de pessoas.

[2]<https://outraspalavras.net/outrasmidias/moniz-bandeira-imperios-sao-mais-perigosos-quando-declinam/ > Acesso em 5 de abril 2022.