Esse texto é um breve comentário sobre a recente Newsletter do Coletivo Veredas, “As primeiras lições do pleito de 2022”[1]. O referido coletivo é um agrupamento de intelectuais, em sua maioria vinculado à universidade, que faz uma interessante atividade de reflexão teórica e de divulgação de textos clássicos, pesquisas e materiais de propaganda dentro das coordenadas do pensamento crítico ao capitalismo. Seu lema é “estudar para lutar pela emancipação humana”.
Na atual conjuntura da luta de classes, que se expressa de forma distorcida no confronto eleitoral entre a esquerda reformista (Lula) e Bolsonaro (extrema direita) o Coletivo Veredas tirou a posição de voto nulo. O que é um direito. E nisso, não estão sozinhos. Os anarquistas, o Partido Operário Revolucionário (TPOR), a TV A Comuna, o Grupo Fronteira Vermelha, a Organização Transição Socialista e grupos maoístas também gravitam entre o voto nulo e o boicote às eleições. Noutras palavras, o esquerdismo é um fenômeno típico nas margens do movimento operário.
Porém, o destaque aqui é o Coletivo Veredas, que afirma a senilidade da estratégia eleitoreira com base na crítica moral de que a “política burguesa é um campo aberto para manipulações, engodos, mentiras e conchavos inconfessáveis”. O que não é uma descoberta.
Então, “a ausência por tantas décadas de um período revolucionário faz com que a política burguesa de hoje pareça ser a única possível”, confundindo-se “a luta para se manter o poder do capital com as características da luta para destruir este mesmo poder”.
Daí uma citação de Trotsky (de memória e fora do contexto) e um diálogo rápido com Lênin e sua obra “O esquerdismo, doença infantil do comunismo”.
Logo chega-se ao núcleo do texto sobre a impotência da “frente petista”. O início é a afirmação da prática revolucionária do Coletivo Veredas:
Aos revolucionários não resta alternativa: dizer a verdade, expor a essência do capital, trazer à luz do dia as razões últimas das misérias desta civilização burguesa em seu ocaso. Que o futuro não será burguês, é indiscutível: se não nos destruirmos, será porque superamos o capital em direção à uma sociedade comunista, fundada pelo trabalho associado – que nada tem a ver com cooperativas ou fábricas ocupadas, lembremos. Sempre foi assim: a força dos revolucionários, ao contrário das forças burguesas, está em sua capacidade única em expor e escancarar a essência do capital – tudo o que as ideologias conservadoras querem velar.
Bem, toda ideologia esquerdista se sustenta numa fé, num dogma, que justifica sua situação no mundo real, mas também exige uma esperança, uma promessa para os que perseverarem. Nisso, o Coletivo Veredas não foge ao padrão:
Como a existência determina a consciência, em períodos em que a sociedade burguesa se reproduz “normalmente”, as ilusões burguesas parecem mais verdadeiras do que as “verdades” revolucionárias e, então, os revolucionários ficam reduzidos a pequenos agrupamentos isolados em guetos ideológicos. Em períodos de crise, as coisas se alteram. Pois a existência também se altera [...] Nesses momentos de crise, as propostas reformistas perdem espaço e ganham a consciência das massas aquelas propostas que afirmam o óbvio: todo o sistema está podre, do Supremo ao Congresso, dos valores morais à Igreja Católica, tudo precisa ser refeito.
É necessário destacar, por paradoxal que pareça, que em seu idealismo os sectários acreditam que sua consciência determina a existência. Por isso, criam uma realidade paralela, algo tipo creio e logo existe, mesmo quando não movem um dedo para mudar a realidade social, não conseguem fazer a análise concreta da situação concreta nem muito menos agir politicamente para mudar essa situação em favor da classe trabalhadora e de suas lutas também concretas.
Nessa crença quase apocalíptica, é só esperar novos tempos que nascerão da própria dinâmica da crise do mundo burguês, da crise estrutural do capital, que prepara as massas ignorantes para o fermento dos revolucionários. A semente cultivada nos pequenos grupos, que já sabiam da verdade porque não pararam de estudar, florescerá.
Dentro dessa lógica qual é o principal inimigo concreto?
Advinha: o lulopetismo. Depois, é claro, de uma exposição sobre a natureza incontrolável do capital e da tendência do reformismo de ir sempre à direita. O que, também, não é nenhuma novidade.
A conclusão de tudo isso é óbvia: “Por isso a vitória de Lula no segundo turno, caso ela venha, será apenas mais uma derrota para os trabalhadores e operários”.
Isso significa, para o Coletivo Veredas, que a derrota eleitoral de Bolsonaro é algo secundário para os trabalhadores? Tanto faz eleger Lula ou Bolsonaro para milhões de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros? Pior, se a vitória de Lula é mais uma derrota para os trabalhadores e operários, o que significaria a vitória de Bolsonaro, algo positivo?
De novo o velho padrão do esquerdismo: o doutrinarismo abstrato, separado da luta de classes real, levando à passividade diante da extrema direita.
Diante disso tudo, só se pode dizer que a história do movimento operário não confirma a narrativa do Coletivo Veredas. Nem muito menos a intervenção política de Marx, Engels, Lênin, Rosa Luxemburgo, Trotsky e Gramsci. Muito menos a atividade militante de Lukács, mesmo na sua fase mais esquerdista. O marxismo sempre procurou acompanhar e intervir no desenvolvimento político das massas trabalhadoras rumo à ruptura revolucionária com a ordem burguesa. Também, sempre soube identificar as tensões entre direção, vanguarda e massas no movimento operário. Além disso, as diferenciações entre extrema direita e reformismo sempre foi essencial para a elaboração das táticas e estratégias das organizações revolucionárias.
O capital, a democracia burguesa e o Estado são relações sociais e não conceitos abstratos. Devem ser combatidos não apenas nas salas de aulas e grupos de estudos, mas, principalmente, nas ruas, nos bairros populares, nas fábricas e no campo, isto é, onde o sujeito real revolucionário está se construindo nas suas lutas cotidianas.
Por isso, dia 30 de outubro é preciso derrotar Bolsonaro nas urnas. Mas, não só isso, será preciso garantir a posse de Lula Presidente. Simultaneamente as classes trabalhadoras devem partir para a luta por suas reivindicações mais sentidas e necessárias, colocando na defensiva as forças do golpismo, do imperialismo e da burguesia. Esse é caminho que nos levará à emancipação humana.
Frederico Costa
Professor da Universidade Estadual do Ceará – UECE e coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário - IMO
Érico Cardoso
Professor, doutorando em Educação pelo PPGE-UECE e membro do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário - IMO
[1] Para ler o texto completo: https://coletivoveredas.com.br/2022/10/04/as-primeiras-licoes-do-pleito-de-2022/