Frederico Costa - Universidade Estadual do Ceará/UECE
O presente texto vincula-se ao esforço contribuir para de formação de pesquisadores na área das ciências sociais, em particular na educação. Há uma carência em relação aos fundamentos da filosofia da ciência para o desenvolvimento intelectual de discentes da iniciação científica, mestrando(a)s e doutorando(a)s. A perspectiva aqui posta é centrada no materialismo histórico fundado por Marx e Engels, que vem sendo enriquecido por vários de seus intérpretes e pela prática social das classes trabalhadoras por sua emancipação social.
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O marxismo é uma filosofia essencialmente intramundana, isto é, está afastada de fantasmas especulativos e contaminações teológicas. Essa postura leva a questões metodológicas importantes para quem utiliza essa "filosofia das coisas humanas" que procura entender e transformar o mundo. Nas coordenadas do materialismo e da ciência, o marxismo busca entender o mundo partindo do próprio mundo. Por isso, Marx e Engels afirmam categoricamente na Ideologia alemã que:
O primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e este é, sem dúvida, um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, assim como há milênios, tem de ser cumprida diariamente, a cada hora, simplesmente para manter os homens vivos (p. 33).
Sem o processo de trabalho não há realidade humana. Isso é um fato comprovado por pesquisas antropológicas e históricas. Mais do que isso, a sociedade, para o materialismo histórico, é produto da atividade humana. Instituições, valores morais, conhecimentos e relações sociais não são criados por forças transcendentais ou fora da história humana. Os seres humanos são os produtores de sua própria história. Desse fato ontológico surge a possibilidade de conhecer (gnosiologia) sua obra. No entanto, isso não ocorre de maneira fortuita ou caótica. O seres humanos podem conhecer seus produtos porque há determinações necessárias, há padrões:
O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da própria constituição dos meios de vida já encontrados e que eles têm de reproduzir. Esse modo de produção não deve ser considerado meramente sob o aspecto de ser a reprodução da existência física dos indivíduos. Ele é, muito mais, uma forma determinada de sua atividade, uma forma determinada de exteriorizar sua vida, um determinado modo de vida desses indivíduos. Tal como os indivíduos exteriorizam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, pois, com sua produção, tanto com o que produzem como também com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção (p. 87).
A existência de legalidade no processo histórico, próprio do marxismo implica em uma orientação metodológica fundamental, que é contrária ao idealismo filosófico e à especulação metafísica:
Totalmente ao contrário da filosofia alemã, que desce do céu à terra, aqui se eleva da terra ao céu. Quer dizer, não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, tampouco dos homens pensados, imaginados e representados para, a partir daí, chegar aos homens de carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida real, expõe-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida. Também as formações nebulosas na cabeça dos homens são sublimações necessárias de seu processo de vida material, processo empiricamente constatável e ligado a pressupostos materiais. A moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, bem como as formas de consciência a elas correspondentes, são privadas, aqui, da aparência de autonomia que até então possuíam. Não têm história, nem desenvolvimento; mas os homens, ao desenvolverem sua produção e seu intercâmbio materiais, transformam também, com esta sua realidade, seu pensar e os produtos de seu pensar. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que deter- mina a consciência. No primeiro modo de considerar as coisas, parte-se da consciência como do indivíduo vivo; no segundo, que corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos reais, vivos, e se considera a consciência apenas como sua consciência (p. 94).
Eis o movimento metodológico básico do materialismo histórico: se elevar da terra ao céu, partindo dos seres humanos realmente ativos de carne e osso, sendo as formas de consciência realidades situadas histórica e socialmente. Nesse sentido, o pesquisador e a pesquisadora que utilizam o materialismo histórico como referencial teórico devem sempre se lembrar dessas coordenadas ontológico-epistemológicas: 1) a história é um processo de autoprodução humana; 2) os seres humanos podem conhecer a realidade que produzem e na qual estão inseridos; 3) o método de conhecer/intervir na realidade social deve partir não de categorias especulativas, mas de conceitos sustentados nas atividades de seres humanos reais e de seus produtos; 4) a consciência sempre é a consciência de indivíduos reais e concretos.
Referências
MARX, Karl e Engels. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.