sábado, 29 de junho de 2024

Vladimir Maiakovski, o poeta da Revolução Russa

junho 29, 2024

 


Élcio Cavalcante, Professor de História

 

  Vladimir Maiakóvski foi um poeta, dramaturgo, teórico e ensaísta russo que viveu durante a Revolução Russa e foi um dos principais representantes do futurismo russo. Sua poesia era marcada por uma linguagem inovadora, uso de metáforas ousadas e uma forte inclinação política. Maiakóvski era conhecido por seu engajamento político e revolucionário e principalmente sua paixão pela causa comunista, o que se refletia em seus escritos. Sua obra abordava temas como a luta de classes, a esperança na construção de um novo mundo e a crítica à sociedade capitalista. Maiakóvski também foi um importante dramaturgo e ensaísta, deixando um legado significativo na literatura russa do Século XX.

  O poeta russo, Vladimir Vladimirovitch Maiakovski, nasceu em 19 de julho de 1893 e faleceu em 14 de abril de 1930. Ele foi um dos principais representantes do futurismo russo, movimento artístico que buscava romper com as tradições estéticas do passado e abraçar a modernidade, a tecnologia e a inovação. Maiakóvski era conhecido por sua poesia revolucionária, que celebrava a revolução e o Socialismo. Sua obra mais famosa, “A nuvem de calças” (1915), reflete sua visão de mundo e seu compromisso com a transformação social. Além disso, Maiakóvski também foi um importante agitador cultural, participando ativamente da promoção da arte revolucionária na Rússia pós-revolucionária. Sua influência na literatura e na cultura russa perdura até os dias atuais.

  Em síntese, Vladimir Maiakóvski foi um poeta revolucionário cuja obra refletia não apenas as mudanças sociais e políticas de sua época, mas também buscava inspirar e mobilizar as massas em prol de um futuro mais justo, fraterno e igualitário. Sua contribuição para a literatura russa e para o movimento artístico do futurismo é inegável, e seu legado permanece como uma fonte de inspiração para aqueles que buscam expressar suas ideias por meio da arte e da poesia. Maiakóvski deixou um impacto duradouro na cultura russa e internacional, sendo reconhecido como um dos grandes poetas do Século XX. Sua coragem, paixão e compromisso com suas convicções o tornam uma figura emblemática da Revolução Russa e um exemplo do poder transformador da arte.


O problema da totalidade em Lukács: seu caminho metodológico II

junho 29, 2024




Antonio Marcondes, Pós-doutor em Educação, GPOSSHE-UECE


A trajetória intelectual de Lukács foi, durante mais de sessenta anos, um gigantesco esforço para conferir ao marxismo o seu adequado fundamento ontológico, materialista. E nesse percurso não foram poucas as influências que marcaram suas principais obras. Desde o seu neokantiano A alma e as formas (1911), o trânsito para o hegeliano A teoria do romance (1914-1915), ao existencialismo de Kierkegaard e à assimilação da filosofia e sociologia alemãs com Dilthey, Simmel, Weber, Lukács, seguramente, pode ser considerado o pensador marxista do século XX que mais mergulhou profundamente no melhor da tradição teórico-filosófica clássica e que manteve com ela uma rica relação de apropriação e superação crítica. Assim, a partir do seu primeiro encontro com as obras de Marx*, o filósofo húngaro empreendeu uma caminhada cheia de percalços, paradoxos, autocríticas, renegações, mas, acima de tudo, de enorme lucidez filosófica e científica, pois, a relação com o pensamento de Marx “é a verdadeira pedra de toque para todo intelectual que leva a sério a elucidação da sua própria concepção de mundo, o desenvolvimento social, em particular a situação atual, o seu próprio lugar nela e o seu próprio posicionamento em relação a ela” (LUKÁCS,1983, p. 1)**.

Lukács passa por muitos aprendizados e reviravoltas em sua vida política e intelectual, acentuadamente, a partir da eclosão da primeira Guerra Mundial (1914-1918), da conflagração da Revolução Bolchevique em 1917, bem como, seu ingresso no Partido Comunista Húngaro em 1918 e a proclamação da República Húngara dos Conselhos em março de 1921, assim, todos estes fatos históricos implicarão em mudanças decisivas em sua trajetória. Embora neste último contexto momento, ele parta para o exílio na Áustria em virtude da derrota da República para as forças fascistas. É exatamente aí onde iniciaria sua fase de assimilação do marxismo. Em tal circunstância, Lukács superaria a sua “ética voluntarista”, mas se projetaria num “esquerdismo” messiânico e numa concepção epistemológica baseada num “idealismo filosófico”. Nesse sentido, segundo José Paulo Netto (1981, p. 33):

O tempo de Lukács é determinado, por um lado, pela chamada crise geral do capitalismo. A primeira guerra imperialista, a falência de 1929, a emergência do nazifascismo, o capitalismo tardio e manipulador cristalizado após 1945 [...]. De outro lado, figura o aborto da revolução no Ocidente, com o confinamento do socialismo no Leste, e originalmente num país cujas peculiaridades sócio-econômicas propiciaram o clima em que se instituiu um sistema político autocrático e repressivo, encarnado no modelo stalinista.

É na convergência destes acontecimentos traumáticos e seus desdobramentos político-ideológicos que Lukács reelabora teoricamente seu pensamento crítico, pois, é na alternativa socialista que o filósofo magiar encontrará uma saída para estas crises. Entretanto, esta alternativa socialista que Lukács preconizava era mais “desejada” do que “real”. Com efeito, esta conjuntura histórica de “vaga revolucionária”,

[...] exige de Lukács o conhecimento da vida econômica: assim, ele mergulha nas teorias de Rosa Luxemburgo, o que contribui para que reaja duramente ao burocratismo de Béla Kun; esta reação, todavia, não tem nenhum suporte social: só resta a Lukács o apelo a um messianismo utópico – a hipertrofia das suas exigências éticas condu-lo a posições que mais tarde ele classificará como “esquerdistas”. A conclusão da crise se faz, portanto, com a esperança de que a miséria capitalista se resolva na imediata construção da nova sociedade (NETTO, 1981, p. 35, itálico no original). 

É neste contexto histórico e teórico que Lukács irá publicar sua obra mais polêmica no âmbito dos estudos da dialética marxista: História e consciência de classe (1923). Com a publicação deste livro, Lukács irá marcar definitivamente seu nome na constelação do marxismo, para o “bem” ou para o “mal”. Sumariamente, o filósofo marxista caracteriza da seguinte forma este momento: 

As experiências da revolução húngara mostraram-me claramente a fragilidade de todas as teorias sindicalistas (a função do partido na revolução), mas persistiu em mim, ao longo dos anos, um subjetivismo ultraesquerdista (por exemplo, minha posição nos debates em 1920, sobre a ação parlamentar e a minha atitude em relação ao movimento de março de 1921). Tudo isso me impedia de compreender, de modo correto e verdadeiro, o aspecto materialista da dialética no seu significado filosófico mais abrangente. O meu livro História e Consciência de Classe (1923) mostra muito claramente essa transição. Apesar da tentativa, já consciente, de superar e “eliminar” Hegel através de Marx, problemas decisivos da dialética foram resolvidos nesta obra de maneira idealista [...] (LUKÁCS, 1983, p. 2-3, itálico e aspas no original).

Como podemos entender nas palavras de Lukács, a busca por uma correta fundamentação materialista da dialética marxista fora ofuscada em virtude de sua posição subjetivista, ultraesquerdista. Isso contribuiu decisivamente para caracterizar o livro de 1923 como idealista. Nesse sentido, a luta teórica e metodológica do filósofo húngaro para “dominar” a dialética foi árdua e cheia de “acidentes” que se prolongou por muito tempo, mas que teve exatamente em História e consciência de classe seu ponto de partida irrevogável. Lukács reconhece que este livro está imbuído de um “espírito hegeliano”, sobretudo, no que tange o fundamento filosófico conferido ao problema do sujeito-objeto idêntico, que se efetua no processo histórico. Em Hegel esse processo é de tipo “lógico-filosófico”, ou seja, o espírito absoluto ao atingir sua etapa superior no âmbito da filosofia com a “retomada da exteriorização” e com “o retorno da consciência de si mesma”, realiza-se enquanto sujeito-objeto idêntico. Em História e consciência de classe, esse processo ocorre de maneira inversa, isto é, se realiza enquanto um processo histórico-social “que culmina no fato de que o proletariado realiza essa etapa na sua consciência de classe, tornando-se o sujeito-objeto idêntico da história” (LUKÁCS, 2003, p. 24). A crítica de Lukács no prefácio de 1967 em relação a esta questão, é que de fato, não havia como a construção “lógico-filosófica” da Fenomenologia de Hegel ter encontrado uma “autêntica efetivação ontológica” na consciência e no ser do proletariado. Isso parecia oferecer uma justificação de cunho filosófico à possibilidade do proletariado revolucionário transformar historicamente a sociedade burguesa fundando uma sociedade sem classes. Como podemos perceber, em História e consciência de classe pensamento e ser se identificam na consciência do proletariado. Daí o momento predominante da categoria da totalidade no livro de 1923 ser o ponto de vista, o sujeito cognoscente (o proletariado como pensador coletivo).


*Lukács nos esclarece sobre seus primeiros contatos com as obras de Marx no seguinte sentido: “Foi ao terminar os meus estudos secundários que se deu o meu primeiro encontro com Marx (com o Manifesto Comunista). A impressão foi extraordinária e, quando estudante universitário, li então algumas obras de Marx e Engels (como, por exemplo, O 18 Brumário, A Origem da Família) e, em particular, estudei a fundo o primeiro volume de O Capital. Esse estudo me convenceu rapidamente da exatidão de alguns pontos centrais do marxismo. Em primeiro lugar, fiquei impressionado com a teoria da mais-valia, com a concepção da história como história da luta de classes e com a articulação da sociedade em classes” (LUKÁCS, 1983, p. 1).

**“Mein Weg zu Marx” foi publicado na revista moscovita Internationale Literatur, n° 2, em 1933, tendo sido reproduzido em G. Lukács zum Siebzigsten Gebeertstag (Berlim, Aufban, 1955). Com tradução para o italiano por Ugo Gemmelli, foi publicado em Nuovi Argomenti, n° 33, 1958. Tradução para o português, a partir do texto integral traduzido por Ugo Gemmelli in Marxismo e politica culturale (Torino, Einaudi Editore, 1977), de Luiza L. S. Sakamoto, Marilene G. Pottes e M. Dolores Prades. Revisão técnica de Thereza Calvet de Magalhães. Notas da Edição Brasileira (publicada originalmente na Revista Nova Escrita/Ensaio especial – Marx Hoje, ano V, n° 11/12, 1983).


sexta-feira, 21 de junho de 2024

O problema da totalidade em Lukács: seu caminho metodológico I

junho 21, 2024

 



Antonio Marcondes Pós-doutor em Educação GPOSSHE-UECE

 

  Em História e consciência de classe e a Ontologia do ser social de György Lukács (1885-1971), a categoria da totalidade assume uma posição metodológica central enquanto um princípio constitutivo do método dialético de Marx. Contudo, o filósofo marxista húngaro realiza uma passagem progressiva, no que diz respeito, a fundamentação teórico-metodológica dessa categoria de uma obra para outra. 

  Em História e consciência de classe, a categoria da totalidade comporta uma dupla determinação metodológica, no sentido de que ela assume um fundamento lógico-ontológico, abstrato-concreta tendo como momento predominante o sujeito cognoscente (no caso o proletariado sujeito-objeto idêntico da realidade, portanto, um produto do pensamento; um ponto de vista) marcado por uma forte influência hegeliana. Essa é a nossa justificativa teórica para tentar explicar essa dupla determinação da categoria da totalidade no livro de 1923. Lukács não havia se apropriado criticamente de Hegel de forma profunda para superá-lo (conservando) e avançar continuamente numa fundamentação adequada do método dialético de Marx, ou seja, em seu fundamento ontológico, materialista.

  Nesse sentido, quando Lukács na Ontologia concebe a totalidade enquanto uma categoria ontológica, uma determinação do mundo objetivo histórico-social, e não mais como uma determinação do sujeito cognoscente (o proletariado sujeito-objeto idêntico da realidade histórico-concreta) em sua dupla determinação metodológica com uma forte inclinação idealista, ou seja, uma representação mental lógico-ontológica, ele de fato avança progressivamente rumo a sua obra derradeira, para explicitar plenamente a categoria da totalidade em bases ontológicas, materialistas. Portanto, é somente na Ontologia que se consolida plenamente a superação crítica do caráter duplamente determinado de fundamento lógico-ontológico e de preponderância subjetivada da categoria da totalidade em História e consciência de classe. Desse modo, o ponto determinante para demarcar a passagem progressiva da categoria da totalidade a partir de História e consciência de classe rumo a Ontologia do ser social, é a questão do adequado tratamento metodológico da categoria da totalidade, ou seja, um avanço progressivo de uma totalidade lógico-ontológica para uma totalidade propriamente ontológica, objetiva, material.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

George Orwell: crítico perspicaz da sociedade do poder

junho 17, 2024


Élcio Cavalcante, Professor de História 

  George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, foi um escritor, ensaísta e jornalista britânico conhecido por suas obras distópicas e críticas sociais, exploram questões políticas e éticas. Nasceu em 25 de julho de 1903 e faleceu em 21 de janeiro de 1950, Orwell é famoso por romances como “1984”, onde nesse primeiro livro, ele descreve um estado totalitário que controla todos os aspectos da vida dos cidadãos, incluindo a manipulação dos meios de comunicação e da verdade, a supressão das liberdades individuais, já no seu segundo livro, um romance satírico, “A Revolução dos Bichos”, é uma fábula que critica o totalitarismo soviético (Stalinismo) por meio da história de uma revolta animal em uma fazenda.
    Sua literatura (obra) é marcada por uma inteligência perspicaz e bem-humorada, explora temas como totalitarismo, controle governamental, uso de tecnologias para manipulação da verdade. Sua escrita é marcada por uma linguagem clara e direta, com uma consciência profunda sobre as injustiças sociais da sociedade Capitalista, refletindo seu compromisso com a honestidade e a defesa da liberdade individual. Além de sua contribuição para a literatura, George Orwell teve uma ativa participação política, pois era um Socialista Democrático e foi um crítico feroz de todas as formas de totalitarismo tanto de direita quanto de esquerda, combatendo de forma corajosa o NaziFascismo e as atrocidades do imperialismo yanque e britânico, influenciando gerações de leitores e escritores com sua visão aguda, aguçada e perspicaz da sociedade e do poder.
   Orwell também foi um jornalista ativo e participou ativamente da Guerra Civil Espanhola, experiência que influenciou sua visão política e sua obra. Sua escrita é conhecida por sua clareza, honestidade e engajamento político. George Orwell deixou um legado duradouro na literatura, na filosofia, na sociologia e no pensamento crítico sobre o poder, a política e a sociedade.



   Em síntese, George Orwell foi um escritor e jornalista cujo legado perdura por meio de suas obras distópicas e de suas críticas sociais bastante profunda sobre a natureza humana e as relações sociais. Sua habilidade em abordar questões políticas e morais de forma direta e impactante o tornou uma figura influente no mundo da literatura e do pensamento crítico. Através de seus livros, Orwell alertou a humanidade sobre os perigos das Ditaduras tanto civis como militares, ou seja, o TOTALITARISMO, mostrou através de suas ideias o perigo do controle da mídia e da notícia sem critérios, pois pode acarretar no ataque a perda da liberdade individual, deixando um legado que continua a ressoar com relevância nos dias atuais. Sua escrita clara, sua postura política engajada e seu compromisso com a verdade o tornam uma figura atemporal, cujas obras continuam a inspirar reflexões e debates sobre as complexidades da ideologia, da sociedade e do poder.

domingo, 16 de junho de 2024

MARXISMO E LEIS HISTÓRICO-SOCIAIS TENDENCIAIS

junho 16, 2024


 

Frederico Costa - Professor da UECE


  O marxismo tem como característica básica a busca de leis do desenvolvimento histórico-social. Essas leis tendenciais condicionam para cada organização sócio-histórica concreta os seus fatores invariantes e os seus processos reprodutivos. Nesse sentido, os marxistas compreendem a história como um processo autodinâmico e autodeterminado. O marxismo é radicalmente humanista: a história é um processo de autocriação dos seres humanos. Logo, a história humana não é orientada por entidades ou forças anistóricas, externas à atividade humana, que colocam um sentido ou um roteiro a ser seguido pela humanidade.

  Numa perspectiva mais ampla, história natural e história social são momentos da realidade, cada um sujeito a um desenvolvimento autodeterminado e, ao mesmo, tempo em vinculação recíproca. Não há humanidade sem natureza, embora possa existir natureza sem seres humanos. A espécie humana, Homo sapiens, é produto de uma longa história biológica, condicionada pela aleatoriedade das mutações genéticas e pela seleção natural. Ao mesmo tempo, os seres humanos só podem subsistir num metabolismo constante com a natureza por meio do trabalho.

   A principal contradição dialética identificada pela teoria marxista é a que existe entre sociedades humanas e natureza. Essa contradição é constantemente superada no desenvolvimento das forças produtivas, isto é, no desenvolvimento histórico das capacidades humanas.

  Outras contradições fundamentais são: as que vinculam forças produtivas com relações de produção e a que estabelece a determinação em última instância da base econômica (relações de produção) sobre os níveis da superestrutura (instituições, política, ideologias, formas de consciência social, cultura). Dessas contradições surgem conceitos essenciais como modo de produção, formação econômico social e classes sociais/luta de classes.

  Essas categorias permitem ao marxismo (materialismo histórico) articular o conceito de lei histórico-social, de conteúdo tendencial, pois o objeto das ciências sociais, e da educação em particular, é o ser humano sócio-historicamente determinado, que é portador de consciência.

  O materialismo histórico parte da evidência de que, pelo menos até o presente, o devir histórico da humanidade não se tem caracterizado por ser o resultado de uma planificação consciente, isto é, os seres humanos “fazem” a sua própria história, mas não o fazem de maneira coletiva e consciente. Nesse sentido, Marx, em carta a Annenkov, expressou que os seres humanos não podem escolher com total independência das circunstâncias as suas formas sociais, pois não são livres árbitros das suas forças produtivas – base de toda sua história -, já que toda força produtiva é uma força adquirida, produto de uma atividade anterior. De outra maneira, Engels, em sua obra Ludwig Feuerbach e o da filosofia clássica alemã, afirmou que os choques entre as inúmeras vontades individuais criam no campo da história um estado de coisas muito análogo ao que impera na natureza inconsciente. 

  Portanto, em cada momento histórico as lutas sociais que determinam a configuração de uma sociedade concreta, incluindo os aspectos mais conscientes dessas lutas, não se travam num vazio, livres de determinações, mas, pelo contrário, no contexto de delimitação estrutural, produzida por uma história anterior. O que significa que a realidade de uma determinada formação econômico-social concreta não pode ser transformada radicalmente em sua totalidade por simples atos arbitrários de vontade. 

  É óbvio que a lutas de classes, nas sociedades humanas, podem mudar as estruturas sociais. Se não, como seriam possíveis as revoluções. Mas, elas se dão num contexto definido, que impõe limites ontológicos do que é ou não possível em dada situação histórica. 

  Dessa maneira, o marxismo ao mesmo tempo que reconhece que, na história humana, os participantes têm consciência; considera simultaneamente que, apesar disso, o curso da história obedece a leis tendenciais objetivas e cognoscíveis. Em síntese, os seres humanos fazem a históricas, mas dentro de determinado horizonte posto.

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Rodolfo Teófilo: um legado literário, político e social no Ceará

junho 10, 2024




Élcio Cavalcante, Professor de História


  Rodolfo Marcos Teófilo foi um farmacêutico, jornalista, contista, articulista e escritor brasileiro, nascido em Salvador – Bahia, em 06 de maio de 1853 e faleceu em Fortaleza – Ceará, em 02 de julho de 1932, deixando um legado significativo para a literatura e a história do Ceará, além de sua atuação como médico sanitarista, vacinando a população fortalezense e erradicando a varíola por nossas terras alencarinas. Rodolfo Teófilo foi membro da Academia Cearense de Letras e escreveu obras que abordam temas históricos e culturais do Ceará. Suas obras mais conhecida são a “História da Seca no Ceará”, “A Fome”, “Os Brilhantes”, “Paroara”, “Lyra Rústica”, “A Sedição de Joazeiro”, “Seca de 1915”, “A Seca de 1919”, “Varíola e vacinação no Ceará”, “O Caixeiro”, entre outros livros, na qual ele descreveu e analisou as consequências das secas no Nordeste brasileiro.

      Rodolfo Marcos Teófilo foi um importante jornalista e escritor cearense, apesar de ter nascido na Bahia, com um mês e meio de vida seus pais mudam-se para Fortaleza. Cedo ficou órfão, sua Mãe falece quando ele tinha apenas quatro anos, levando o seu Pai a casa-se com a cunhada, tendo mais três filhos. Quando tinha apenas nove anos, a epidemia de "Cólera Morbus" propaga-se pela capital cearense, ficando todos enfermos em sua casa, exceto Rodolfo Teófilo. Por ser o único que se manteve saudável, tornou-se responsável em manter a casa. O drama familiar continua quando aos onze anos perde seu Pai, não deixando recursos financeiros para Rodolfo Teófilo e familiares, forçando-o a trabalhar como caixeiro para o próprio sustento e de sua madrasta e irmãos.

     Uma das características da sua obra literária é o Naturalismo e o Regionalismo mostrando os flagelados da seca no Nordeste, tendo como marca as consequências da seca e da fome na vida do nordestino do sertão e do êxodo para o litoral, através de seus escritos denunciou os impactos desse problema social e político em jornais da capital cearense e também combateu os desmandos e as arbitrariedades de poderosos da época, teve vários embates ideológicos com vários políticos oligarcas, principalmente com o Presidente da Província do Ceará, Antônio Pinto Nogueira Acioli, relatou em seus artigos periódicos, temas relacionados à saúde pública, cultura, história e sociedade do Ceará. Sua atuação na área da saúde e sua participação na vida social e política local também são aspectos relevantes de sua vida.

   Em meados de 1900, até o final de sua vida empreendeu uma batalha pessoal sem recursos contra a varíola, lutando contra o “medo da vacina”, em tempo de seca feroz, fome generalizada, migração em massa, péssimas condições de higiene. Sem apoio do poder público, enfrentou praticamente sozinho, em duas oportunidades, epidemias de varíola que vitimaram milhares de pessoas em Fortaleza e no interior do Ceará, no final do século XIX e início do século XX. Em reconhecimento a esta empreitada hercúlea, merecidamente a este grande ser humano, o Centro Acadêmico de Farmácia da Universidade Federal do Ceará tem o seu nome como homenageado.

     Destarte, Rodolfo Teófilo foi um dos percursores da literatura regional – naturalista brasileira, contribuindo significativamente para a literatura e a história do Ceará. Além disso, foi um dos fundadores de uma agremiação literária chamada de Padaria Espiritual, movimento literário e artísticos criada em Fortaleza, em 1892, cuja característica era o comportamento irreverente de seus membros, antecipando o movimento do Modernismo no Brasil. Não podemos nos esquecer que Rodolfo Teófilo aderiu à causa abolicionista, participando ativamente da campanha abolicionista no Ceará, primeira província brasileira a declarar livres os seus escravos.

    Além de toda a genialidade farmacêutica, inventando uma vacina para combater a varíola, salvando milhares de vidas da doença, Rodolfo Teófilo foi o inventor da deliciosa Cajuína, segundo a escritora cearense Rachel de Queiroz, a "invenção" dessa bebida não – alcoólica é popular no nordeste brasileiro, principalmente nos estados do Piauí, Maranhão e Ceará, esse feito fez com que o boticário – escritor – sanitarista ganhasse a Medalha de Ouro numa exposição nacional do Rio de Janeiro pela sua criação e produção da bebida cajuína, saborosa e de excelente qualidade.

    Finalizando, a marca do autor é a criatividade literária, pois a sua obra, especialmente “A Fome”, revela não apenas sua habilidade literária, mas também seu comprometimento político em combater as injustiças sociais, em retratar aspectos fundamentais da realidade social e ambiental da região nordestina. Sua atuação como farmacêutico demonstra o alcance de sua influência e contribuição para além do campo das letras. Rodolfo Teófilo deixou um legado marcante e é lembrado como um dos grandes intelectuais cearenses do final do Século XIX e início do Século XX. Viva Rodolfo Teófilo

domingo, 9 de junho de 2024

CONCEPÇÃO MARXISTA DA HISTÓRIA: DIACRONIA E SINCRONIA

junho 09, 2024



   Frederico Costa, professor da UECE

    A concepção marxista da história humana parte de um conjunto de coordenadas que podem ser sintetizadas da seguinte maneira:

  • a história é produto da atividade humana, ou seja, não é orientada por nenhuma entidade ou força externa ao processo histórico (deuses, “gênio nacional”, raças, natureza);
  • a realidade social é mutável em todos seus níveis e aspectos;
  • como a história é resultado das ações humanas, as mudanças são regidas por uma legalidade cognoscível;
  • as leis históricas, num mesmo movimento de análise, possibilitam explicar a gênese de uma determinada forma de organização social, suas contradições, suas transformações e sua transição para um novo sistema social qualitativamente distinto;
  • as transformações sociais conduzem a equilíbrios relativos ou instáveis, isto é, a sistemas histórico-sociais cujas formas e relações internas se dão segundo leis cognoscíveis (comunidade primitiva, escravismo antigo, modo de produção asiático, feudalismo, escravismo colonial, capitalismo, estados operários, por exemplo).

    Em síntese, o marxismo possibilita análises de tipo dinâmico (diacrônica) e de tipo estrutural (sincrônica), que estão vinculados num único movimento cognoscitivo que apreende a realidade. Noutras palavras, a concepção marxista da História em seu modelo explicativo une as perspectivas genética e estrutural numa visão integrada do desenvolvimento histórico-social.

    Nesse ponto, reside a complexidade do método marxista, pois existe a possibilidade de visões esquemáticas, ora predominando uma perspectiva unilateral genética, ora uma orientação apenas estrutural, mesmo que o postulado metodológico da unidade genética-estrutural seja reconhecido.

    Os pesquisadores e as pesquisadores, na área das ciências sociais, que escolhem o marxismo como referencial teórico devem sempre estar atentos para não cair nesses reducionismos.

domingo, 2 de junho de 2024

ELEMENTOS SOBRE NEOLIBERALISMO, CAPITALISMO E BARBÁRIE

junho 02, 2024




É comum estudantes perguntarem sobre o neoliberalismo e como ele influencia o cotidiano de nossas vidas. Por isso, produzi este texto, partindo de minhas leituras, indagações e reflexões. 

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Frederico Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará - UECE


   O neoliberalismo, conceito em voga para indicar as coordenadas atuais do capitalismo, implica em várias dimensões e características, como, por exemplo: 

1) o neoliberalismo pode ser associado ao projeto de direita contra trabalhadores e pobres imposto por diversos governos, que teve como marco temporal a ditadura de Pinochet no Chile, seguido por Margaret Thatcher no Reino Unido, Ronald Reagan nos Estados Unidos e em muitos outros países; 

2) o neoliberalismo pode ser entendido como um conjunto de políticas públicas e orientações governamentais inspiradas no denominado “Consenso de Washington”, com o objetivo de “reduzir o Estado” e “abrir mercados”, causando redução de direitos e danos catastróficos para os pobres; 

3) o neoliberalismo pode ser apreendido como um bloco ideológico, mais ou menos coerente, de ideias e práticas associadas a intelectuais conservadores e monetaristas, em particular, Friedrich von Hayek, Ludwig von Mises, Milton Friedman e a frente intelectual articulada pela Sociedade Monte Pèlerin, além de uma variada gama de instituições como think tanks, organizações não governamentais, departamentos universitários, grupos internacionais, lobbies e meios de comunicação; 

4) o neoliberalismo pode ser classificado como a estruturação de uma subjetividade adequada à nova conformação das relações de produção capitalistas centradas no empreendedorismo e na responsabilização maior dos indivíduos, o que vem trazendo um crescimento exponencial de sofrimento psíquico para as classes trabalhadoras;

5) o neoliberalismo pode ser identificado como a forma contemporânea do modo de produção capitalista que se destaca pela financeirização da produção, pelo acirramento das contradições do sistema imperialista e pela subordinação maior do processo de reprodução social à lógica das novas tendências de acumulação do capital.

   É óbvio que, uma dessas determinações não exclui as outras, pois, o que identificamos como neoliberalismo é uma totalidade concreta multidimensional. O neoliberalismo engloba estruturas econômicas, formas do processo produtivo e alocação de recursos, relações entre países imperialistas e nações oprimidas, regimes políticos cada vez mais autoritários, relações de força entre classes sociais, tipos de exploração e dominação social, instituições, ideologias, arquiteturas subjetivas e maneiras de comportamentos dominantes.

   O que não se pode esquecer é do núcleo ao redor do qual giram as engrenagens da totalidade neoliberal: exigências crescentes de lucratividade, força motriz da acumulação do capital, que se sustenta, em última instância, sobre a extração do mais-valor produzido pela força de trabalho assalariada. Por isso, o questionamento e ataques constantes ao valor e aos direitos sociais da força de trabalho assalariada por empresários, governos e ideólogos neoliberais. A roda da acumulação deve continuar girando e o combustível é o trabalho não pago que precisa ser ampliado mais e mais.

   De fato, o neoliberalismo é uma das faces do avanço da barbárie. A hegemonia do neoliberalismo indica que o capitalismo está levando cada vez mais a humanidade para níveis maiores de barbárie: as forças produtivas estão se transformando em forças destrutivas. Alguma dúvida sobre isso?