quinta-feira, 18 de julho de 2024

Um exemplo de obscurantismo: é preciso divulgar o pensamento racional e crítico

julho 18, 2024

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Frederico Costa, professor da UECE


  Tenho costume de ir com parentes, no final de semana, a cultos em igrejas cristãs protestantes. Frequento, geralmente, uma igreja histórica batista, onde encontro funcionários públicos, profissionais liberais, pequenos empresários e setores populares. Os pastores são formados em seminário e desenvolvem uma mensagem tranquila sobre questões morais permeadas de uma perspectiva sobrenatural. Em síntese, uma típica abordagem asséptica pequeno burguesa.


  Não participo do ritual composto por uma série de comandos como sentar/levantar, baixar a cabeça, orar, cantar hinos ou repetir palavras e frases. Apenas cumprimento as pessoas e fico quieto, lendo algum livro. Pois, não tenho nenhum interesse no roteiro típico da mensagem central dos pastores. Em essência, o preletor retira passagens da Bíblia para dar autoridade a sua ideologia e interesses para os dias atuais. 


  Bem, a fé é um assunto privado. Quem quiser crer, que creia nessas artimanhas discursivas, adornadas com o mito da inspiração do “Espírito Santo”.


  No entanto, no último domingo algo me chamou a atenção. O pastor disse que todos os eventos históricos aludidos na Bíblia eram verídicos, já que seu tema era sobre Noé. Além disso, aludiu a uma pregação anterior em que teria demonstrado a realidade do Dilúvio e da Arca de Noé.


  Na verdade, pesquisadores cristãos, católicos e protestantes, apesar de sua fé já demonstraram que a Bíblia possui uma série de camadas textuais, contradições, interesses políticos e versões diferentes. De fato, a Bíblia é um produto histórico de mãos humanas. Se foi inspirada ou não por algum deus depende da fé ou descrença de cada um.


  Evaristo Eduardo de Miranda, cristão católico do Instituto Ciência e Fé, no livro Bíblia: história, curiosidades e contradições, reconhece que a Bíblia cristã não nasceu pronta, sendo fruto de um longo e até tumultuado processo de elaboração. Ela reúne textos legislativos, históricos, teológicos, poéticos, ficcionais, epistolares, testemunhais e mitológicos, tendo afirmações completamente erradas, equivocadas e sem fundamento. Noutras palavras, a Bíblia não é inerrante.


  O Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) surgiu de vários documentos diferentes, não tendo um redator original. Esses textos foram sucessivamente unificados num conjunto elaborado por redatores e escribas que trabalharam através de cortes, interpolações e colagem, por exemplo.


  A utilização de camelos como animais de transporte ou mesmo a menção da existência de filisteus e arameus do Livro do Gênesis não se encaixam com os períodos históricos descritos no livro. Nada disso existia naqueles dias.


  Já sobre a mitológica Arca de Noé, apenas o contexto cultural da região, as tradições dos povos da Suméria e o Exílio Babilônico explicam a incorporação dele no Pentateuco.


  Mas, por que os pastores não dizem isso aos fiéis? Por que não incentivam o pensamento racional e crítico em suas igrejas? Por que os fiéis não podem conhecer a história de seu livro sagrado e de sua igreja?


  Porque a ideologia da inerrância da Bíblia sustenta o domínio do clero sobre os fiéis. Porque os pastores, tendo consciência disso ou não, passam a ser vistos como inerrantes também.


Vamos pensar nisso.


Bibliografia

MIRANDA, Evaristo Eduardo de. Bíblia: história, curiosidades e contradições. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

sábado, 13 de julho de 2024

Capistrano de Abreu: um legado na Historiografia Brasileira

julho 13, 2024

 



Élcio Cavalcante, Professor de História


  João Capistrano Honório de Abreu foi um importante historiador cearense do final do Século XIX e início do Século XX, conhecido por suas contribuições para a historiografia brasileira. Ele se destacou por sua abordagem crítica e por utilizar fontes variadas em suas pesquisas. Capistrano de Abreu também foi um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Sua obra é fundamental para o entendimento da História do Brasil.

  O renomado historiador Capistrano de Abreu nasceu em Maranguape – Ceará em 23 de outubro de 1853 e faleceu em 13 de agosto de 1927. Além de historiador, ele foi também professor e jornalista. Sua obra mais conhecida é “Capítulos de História Colonial”, onde ele analisa criticamente o período colonial brasileiro. Capistrano de Abreu também se destacou por sua atuação na defesa do abolicionismo e por sua participação no movimento republicano. Sua abordagem inovadora e crítica o destacou como um dos principais historiadores do Brasil.

  Intelectual de alta relevância para a história e a cultura brasileira, ele teve uma educação autodidata, era poliglota, escrevia e falava o francês e o alemão, além de conhecer línguas e dialetos indígenas, posteriormente, estudou direito no Recife. Além de suas contribuições para a historiografia brasileira, Capistrano também teve atuação política, sendo membro do Partido Republicano. Sua obra é vasta e abrange temas como a colonização do Brasil, o período colonial, a escravidão e a história indígena, deixando um legado significativo para o estudo da História do Brasil.

   Em síntese, Capistrano de Abreu foi um historiador visionário e crítico, cujas contribuições para a historiografia brasileira são inestimáveis. Sua abordagem inovadora, o uso de fontes variadas e seu compromisso com a verdade histórica o tornam uma figura fundamental no estudo da História do Brasil. Seu legado perdura até os dias atuais, influenciando gerações de historiadores e estudiosos. Capistrano de Abreu deixou uma marca indelével na história do país e seu trabalho continuará a ser estudado e admirado por muitos anos pelas gerações do agora e do porvir.

quinta-feira, 11 de julho de 2024

O problema da totalidade em Lukács: seu caminho metodológico III

julho 11, 2024






 Por Antonio Marcondes, Pós-Doutor em Educação - GPOSSHE-UECE


  Com efeito, o proletariado enquanto sujeito-objeto idêntico da autêntica história humana não é, absolutamente, “uma realização materialista” que sobrepuja as “construções do pensamento idealista”, do contrário, isso é muito mais “um hegelianismo exacerbado”, que tinha a intenção de transpor objetivamente o “próprio mestre”, colocando-se, audaciosamente, acima de toda realidade. Como vai dizer Mészáros (2011), Lukács estava sendo mais hegeliano do que Hegel. Como em Hegel, Lukács em História e consciência de classe identificava “alienação” com “objetivação”. Por isso mesmo, o sujeito-objeto idêntico ao superar a alienação, acaba também por superar a objetivação. O problema é que como para Hegel o objeto, a coisa, só existem enquanto “exteriorização da consciência de si”, a “retomada da exteriorização” no sujeito constituiria o fim da realidade objetiva como um todo. Essa “exageração hegeliana” de Lukács no livro de 1923 é corrigida na Ontologia quando ele fundamenta de forma plenamente materialista o fato de que as categorias constitutivas do ser social são determinações do mundo objetivo, portanto, não é a consciência que determina a realidade, mas, a realidade, o mundo objetivo é que determina a consciência do ser social.

  Lukács no esforço de situar criticamente os problemas teórico-metodológicos presentes em História e consciência de classe, reconhece de fato os equívocos intrínsecos deste livro, no entanto, o filósofo marxista húngaro também reconhece que algumas categorias como a mediação e a totalidade, por exemplo, já eram demonstradas em sua “objetividade” e “movimentos ontológicos efetivos”, o que certamente, representa um ponto de partida em direção a uma autêntica “ontologia marxista do ser social”. Assim: “A categoria de mediação como alavanca metódica para a superação do simples imediatismo da experiência não é, portanto, introduzir algo de fora (subjetivamente) nos objetos [...]”, do mesmo modo, esse reconhecimento, no nosso entendimento, vale para a categoria da totalidade, no sentido de que ela constitui uma posição metodológica central do método dialético de Marx e que por isso mesmo, já se configura uma determinação (ainda que duplamente determinada) ontológica quando Lukács se refere a ela enquanto uma totalidade concreta, ou seja, uma categoria que reflete os antagonismos internos da sociedade capitalista, em suas sucessões e interconexões, onde os fatos sociais só ganham sentido quando referidos ao todo enquanto elementos do devir histórico.


quarta-feira, 10 de julho de 2024

Sobre a revolução antiescravista e antimonárquica brasileira de 1888-1891

julho 10, 2024

 



Publicamos citação do clássico República do capital: capitalismo e processo político no Brasil, do cientista político Décio Saes, sobre um período importante da formação econômico-social brasileira: a superação do modo de produção escravista colonial, o fim do Estado escravocrata-monárquico e a estruturação do Estado burguês. Tal processo deixou marcas no presente e é um tema importante para a pesquisa nas ciências humanas nacionais, em particular na área da educação.


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    Desde logo, coloca-se a pergunta: qual é a natureza dessa revolução? Defini-la implica não descobrir qual a relação existente entre a Abolição da Escravatura, a Proclamação da República e a Assembleia Constituinte, como também superar caracterizações simplificadas desses episódios, considerados isoladamente: seja a caracterização da Abolição como a conclusão lógica do processo de substituição do trabalhador escravo pelo trabalhador imigrante, seja a caracterização da Proclamação da República e da Assembleia Constituinte como os aspectos centrais de um processo de substituição do regime monárquico por um regime presidencial. Na verdade, a Abolição da Escravatura, a Proclamação da República e a Assembleia Constituinte constituem aspectos e momentos de um processo mais profundo de transformação da natu­ reza de classe do Estado brasileiro; ou seja, o processo de transformação de um Estado escravista moderno, cujas instituições políticas estão fundadas no privilégio do homem livre com relação ao escravizado (o Estado imperial), num Estado burguês, cujas instituições políticas estão fundadas na concessão, a todos os indivíduos, do atributo formal da cidadania (o Estado republicano). A Abolição do trabalho escravo mina a base escravista do Estado imperial, ao destruir o critério - a distinção entre homem livre e escravizado a partir do qual se organizam todas as instituições políticas imperiais (Executivo, Senado, burocracia, Guarda Nacional, etc.); a Proclamação da República completa a tarefa destruidora da Abolição, ao derrubar, não apenas o regime monárquico, como também todas as instituições políticas de base escravista (= instituições particularistas); a Assembleia Constituinte se define como o momento de construção de novas instituições políticas, formalmente abertas a todos os cidadãos e portanto dotadas de uma aparência universalista. Em suma, a Revolução antiescravista e antimonárquica dos anos 1888-1891 representa a formação de um novo tipo de Estado de classe, o Estado burguês; ou, por outra, a definição de um outro tipo de dominação de classe, a dominação política burguesa (p. 21-22).



SAES, Décio. República do capital: capitalismo e processo político no Brasil. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2023.