Publicamos citação
do clássico República do capital: capitalismo e processo político no Brasil, do
cientista político Décio Saes, sobre um período importante da formação econômico-social
brasileira: a superação do modo de produção escravista colonial, o fim do
Estado escravocrata-monárquico e a estruturação do Estado burguês. Tal processo
deixou marcas no presente e é um tema importante para a pesquisa nas ciências
humanas nacionais, em particular na área da educação.
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Desde logo, coloca-se a pergunta: qual é a natureza dessa revolução? Defini-la implica não só descobrir qual a relação existente entre a Abolição da Escravatura, a Proclamação da República e a Assembleia Constituinte, como também superar caracterizações simplificadas desses episódios, considerados isoladamente: seja a caracterização da Abolição como a conclusão lógica do processo de substituição do trabalhador escravo pelo trabalhador imigrante, seja a caracterização da Proclamação da República e da Assembleia Constituinte como os aspectos centrais de um processo de substituição do regime monárquico por um regime presidencial. Na verdade, a Abolição da Escravatura, a Proclamação da República e a Assembleia Constituinte constituem aspectos e momentos de um processo mais profundo de transformação da natu reza de classe do Estado brasileiro; ou seja, o processo de transformação de um Estado escravista moderno, cujas instituições políticas estão fundadas no privilégio do homem livre com relação ao escravizado (o Estado imperial), num Estado burguês, cujas instituições políticas estão fundadas na concessão, a todos os indivíduos, do atributo formal da cidadania (o Estado republicano). A Abolição do trabalho escravo mina a base escravista do Estado imperial, ao destruir o critério - a distinção entre homem livre e escravizado a partir do qual se organizam todas as instituições políticas imperiais (Executivo, Senado, burocracia, Guarda Nacional, etc.); a Proclamação da República completa a tarefa destruidora da Abolição, ao derrubar, não apenas o regime monárquico, como também todas as instituições políticas de base escravista (= instituições particularistas); a Assembleia Constituinte se define como o momento de construção de novas instituições políticas, formalmente abertas a todos os cidadãos e portanto dotadas de uma aparência universalista. Em suma, a Revolução antiescravista e antimonárquica dos anos 1888-1891 representa a formação de um novo tipo de Estado de classe, o Estado burguês; ou, por outra, a definição de um outro tipo de dominação de classe, a dominação política burguesa (p. 21-22).
SAES, Décio. República do capital: capitalismo e processo político no Brasil. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2023.