quarta-feira, 21 de agosto de 2024

"Dia dos Pais", Feuerbach e machismo: reflexão sobre criador e criatura

Der deutsche Philosoph Ludwig Feuerbach (1804-1872)

(Imagem / Danita Delimont)



Frederico costa, professor da UECE e coordenador do IMO


 

Na preleção do "Dia dos Pais", ouvi a seguinte afirmação do pastor: "Deus nos ama tanto que deu seu título de pai aos homens". Noutras palavras, o criador, que sempre existiu, sempre foi pai. E, ao criar a humanidade deu esse título a uma parcela de suas criaturas: os homens, indicados como "cabeças da família".


Partindo dessa afirmação machista, farei uma breve análise filosófica sobre a natureza humana do fenômeno religioso. 



Para isso, utilizarei o filósofo alemão Ludwig Feuerbach (1804-1872), filho de missionários cristãos, que realizou uma crítica radical da religião. O cerne de sua crítica, bem atual, foi desenvolvida no livro A essência do cristianismo, sobretudo no seu capítulo I, A essência do homem. O que vale para todas as estruturas religiosas, sejam monoteístas ou politeístas.


Eis o que nos diz Feuerbach.


Deus não existe em si nem por si mesmo, ou seja, como sujeito. Pois, de fato, Deus é um objeto que, em essência, é um predicado humano.  Os seres humanos se objetivam nesse objeto o qual, é ele mesmo: essência humana objetivada. No entanto, os seres humanos, em seu cotidiano, não possuem a consciência de que o objeto da religião - Deus - é um produto seu. E mais, os seres humanos não se reconhecem nele. Portanto, essa relação sujeito (seres humanos) e objeto (Deus) assume uma forma de alienação: a alienação religiosa. Nesse sentido, Feuerbach encontra em Deus a consciência de si mesmo dos seres humanos. 


A alienação religiosa, em última instância, traz consequências negativas para os seres humanos. Além de ser algo estranho, Deus não é reconhecido como um produto humano. E mais, os seres humanos se empobrecem diante de sua criatura (Deus), que se enriquece com as perfeições projetadas nele.


Na alienação religiosa, que ocorre na consciência, se cumpre a característica de toda alienação: 1) o sujeito ativo cria o objeto; 2) o objeto é um produto seu, porém, o sujeito ativo não se reconhece nele, o objeto é algo estranho; 3) o objeto obtém um poder que, por si, não tem e se volta contra o sujeito, dominando-o, convertendo-o em um predicado seu.


Logo, no discurso religioso há um cancelamento do sujeito humano real. Por exemplo, não é o deus cristão que é pai, e que repassa esse atributo aos homens. O que há, na realidade, é a projeção da família patriarcal numa construção teológica. Deus se torna machista, porque há relações machistas. O que o pastor fez, em sua pregação, foi inverter essa realidade, justificando por meio de uma construção humana metafísica ("Deus Pai"), a miséria da opressão cotidiana das mulheres.


Triste.