quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Fundamento ontológico da ciência

 



Frederico Costa, professor da UECE


No ato de trabalho, que funda o existir humano, há dois momentos o pensar e o produzir. No primeiro momento é posto os fins e se buscam os meios para sua realização; no segundo momento o fim posto chega a sua realização. Essa dialética que gera a necessidade é posta da seguinte forma por Lukács:


[...] um projeto ideal alcança a realização material, o pôr pensado de um fim transforma a realidade material, insere na realidade algo de material que, no confronto com a natureza, representa algo de qualitativamente e radicalmente novo. Tudo isso é mostrado muito plasticamente pelo exemplo da construção de uma casa, utilizado por Aristóteles. A casa tem um ser material tanto quanto a pedra, a madeira etc. No entanto, do pôr teleológico surge uma objetividade inteiramente diferente dos elementos. De nenhum desenvolvimento imanente das propriedades, das legalidades e das forças operantes no mero ser-em-si da pedra ou da madeira se pode “deduzir” uma casa. Para que isso aconteça é necessário o poder do pensamento e da vontade humanos que organize material e faticamente tais propriedades em conexões, por princípio, totalmente novas. No entanto, o pôr do fim e a investigação dos meios nada podem produzir de novo enquanto a realidade natural permanecer o que é em si mesma, um sistema de complexos cuja legalidade continua a operar com total indiferença no que diz respeito a todas as aspirações e ideias do homem. Aqui a investigação tem uma dupla função: de um lado evidencia aquilo que em si governa os objetos em questão, independentemente de toda consciência; de outro, descobre neles aquelas novas conexões, aquelas novas possibilidades de funções através de cujo pôr-em-movimento tornam efetivável o fim teleologicamente posto (2013, p. grifo meu).


Eis o locus da atividade que faz jorrar incessantemente a necessidade da ciência. Ao transformar a natureza para produzir seus meios de vida os seres humanos precisam conhecer a realidade em si dos objetos a serem transformados, independentemente de toda consciência; simultaneamente deve descobrir as propriedades e nexos internos dos objetos que possibilitem a produção de novos produtos que foram projetados idealmente. Esse movimento abstrato-ontológico vale tanto para a produção de um arco e flecha como para a construção de uma usina nuclear. Não é possível transformar o mundo sem conhecê-lo como ele é. Dessa maneira, a atividade própria dos seres humanos de produzir seus meios de vida é que exige a necessidade da ciência e de suas características básicas.


LUKÁCS, Guyörgy. Para uma ontologia do ser social II. São Paulo: Boitempo, 2013.