sábado, 3 de agosto de 2024

O problema da totalidade em Lukács: seu caminho metodológico IV

 


Antonio Marcondes, Pós-doutor em Educação / GPOSSHE-UECE


        O reconhecimento do exame insuficientemente crítico de Hegel em História e consciência de classe, principalmente com relação ao postulado idealista do sujeito-objeto idêntico, leva Lukács a se empenhar no avanço progressivo rumo a uma adequada fundamentação da dialética marxista, e isso começar a ficar evidente a partir do início da década de 1930, quando ele se torna colaborador científico do Instituto Marx-Engels de Moscou. Mas já um pouco antes em 1929 em suas “Teses de Blum” (pseudônimo utilizado por Lukács em suas atividades clandestinas). Essas teses foram elaboradas para o Segundo Congresso do Partido Comunista da Hungria em 1929, e tinham como objetivo compreender concretamente a nova realidade mundial caracterizada pela relativa estabilidade do capitalismo e pelo “refluxo” do movimento revolucionário[1].

     Nessa ocasião Lukács, em parceria com o teórico e crítico soviético Mikhail Lifschitz, teve a oportunidade de ler o original dos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 de Marx. A leitura destes textos direcionou Lukács a romper com todos os preconceitos idealistas de História e consciência de classe. Nas palavras de Lukács (2003, p. 46): “[...] ainda consigo me lembrar do efeito transformador que produziu em mim as palavras de Marx sobre a objetificação como propriedade material primária de todas as coisas e relações”. Essa correta compreensão de que objetificação consiste em um tipo natural, positivo ou negativo, do domínio do homem sobre o mundo e alienação como uma variante peculiar que se realiza sob determinadas circunstâncias sociais, possibilitou Lukács avançar criticamente em relação aos impasses categoriais de História e consciência de classe.

         Embora a crítica de Lukács contida no prefácio de 1967, ao que ele considera como equívocos idealistas seja, inquestionável, para maior parte da tradição marxista hoje, no sentido de se compreender os problemas dos fundamentos do livro de 1923, ela também representa a possibilidade histórica de reconhecer que este livro foi um ponto de partida para Lukács avançar progressivamente em direção a uma adequada fundamentação materialista das categorias decisivas do ser social e da dialética marxistas na sua obra de maturidade.



[1] Em Celso Frederico (1997, p. 20-21, itálico no original): “Esse é o primeiro texto de Lukács voltado para a análise política concreta de uma conjuntura. Nele, Lukács constata que a correlação de forças presentes naquele momento histórico exigia a superação do modelo da ‘República dos conselhos’, o que o leva a defender a ideia de uma ‘ditadura democrática do proletariado e do campesinato’. Na nova conjuntura, a luta revolucionária deveria concentrar-se nas reformas democráticas e não na reivindicação imediata do poder operário [...]. As ideias contidas nas ‘Teses de Blum’ estarão presentes em toda a produção futura de um Lukács empenhado em combater, no campo das artes, qualquer tipo de sectarismo”.