Antonio Marcondes, Pós-doutor em Educação - GPOSSHE/UECE
É na segunda parte da Ontologia, principalmente, que Lukács vai se dedicar aos problemas categoriais mais decisivos, conferindo tratamento sistemático aos complexos do trabalho, da reprodução social, do ideal e da ideologia e do estranhamento. É a reflexão sistemática[1] destes complexos categoriais que fundamentais do ser social que irá permitir a Lukács avançar na adequada sistematização do método de Marx e do “renascimento do marxismo” em bases plenamente materialistas, ontológicas. Foi nesse sentido, que Lukács pensou a “teoria social de Marx” enquanto uma “ontologia do ser social”, ou seja, um estudo sistemático acerca do autodesenvolvimento da vida “material” e “espiritual” dos indivíduos. Assim, são formas de ser, determinações da existência. O fundamento materialista destas formulações de Lukács tem como pressuposto efetivo o fato do ser humano se autoproduzir a partir do trabalho, isto é, o processo de atividade material e espiritual realizada pela unidade sujeito-objeto que cria as objetivações sociais. Essa unidade está fundada na relação entre e teleologia (prévia ideação, os fins projetados pela consciência) e causalidade (o correto conhecimento dos nexos da realidade material), que passa a determinar as possibilidades concretas da liberdade humana.
Com esse fundamento materialista Lukács estabelece um novo sentido, plenamente objetivo (ontológico) da categoria da totalidade, corrigindo assim, a dupla determinação metodológica na qual ela estava fundada em História e consciência de classe. Portanto, na Ontologia, a categoria da totalidade recebe o tratamento adequado, ou seja, ela não é “um fato formal do pensamento, mas constitui a reprodução ideal do realmente existente”, pois, “em toda reprodução ideal de uma conexão concreta, tem sempre em vista a totalidade do ser social” e a partir dela “sopesa a realidade e o significado” concreto de “cada fenômeno singular” (LUKÁCS, 2012, p. 296-297). A totalidade é uma determinação do mundo objetivo em suas sucessões, conexões internas, contradições, processos, relações e movimento. Ela constitui “o eixo correto para a correta compreensão das leis do desenvolvimento objetivo do real, assim como a dialética é o eixo dos nexos entre seus momentos”, como afirma Guido Oldrini (2013)[2].
Para os principais estudiosos desta última obra de Lukács, notadamente aqui no Brasil, Celso Frederico e José Paulo Netto, a Ontologia é um livro que certamente não passa sem problemas, muito embora, é com ele efetivamente que se abrem novos horizontes “teórico-filosóficos” de avanço do marxismo e o seu subsequente “renascimento”. Para nós esse avanço de Lukács na fundamentação adequada da categoria da totalidade enquanto um princípio constitutivo do método dialético de Marx é uma conquista metodológica decisiva para compreensão concreta da nova dinâmica de acumulação, exploração e expansão do capital, bem como, suas inevitáveis contradições no mundo hoje e suas correspondentes tendências de pensamento como o irracionalismo pós-moderno. Seguramente, a dialética marxista em Lukács constitui um método científico de compreensão, formação humana e construção transformadora da realidade. Desse modo, a prioridade ontológica do ser social constitui um critério metodologicamente decisivo para compreender adequadamente os fundamentos da categoria da totalidade enquanto uma determinação do mundo objetivo.
[1] Embora como nos esclarece José Paulo Netto: “[...] toda a documentação disponível revela que Lukács não se deu por satisfeito com a arquitetura da Ontologia. Muito especialmente, a ele desagradou a forma expositiva, em que o tratamento histórico não se articula adequadamente ao tratamento teórico-sistemático. Mas também se lhe afiguram insuficientes algumas ênfases e mesmo desenvolvimentos no cuidado com os ‘complexos de problemas’. Por isso, ele empenhou-se em redigir uma nova versão da obra [...]. Esse novo texto [...], [prolegômenos para uma ontologia do ser social: questões de princípios para uma ontologia hoje tornada possível]” publicado em 1984 em alemão(NETTO, 2012, p. 18, itálico no original, apresentação da Ontologia vol.1) .
[2] Em busca das raízes da ontologia (marxista) de Lukács incluído na edição da Ontologia de Lukács vol. 2, Boitempo 2013.