quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Pedagogo e o mestre no mundo clássico



Carlos Bonfim. Professor-Adjunto de Pedagogia da UECE.


No mundo clássico AEC, o pedagogo (παιδαγωγός/paidagogós) designava uma pessoa com experiência de vida que se responsabilizava diretamente pela educação de um menino dos seis aos dezoito anos, filho de um cidadão; educação realizada conforme os princípios da pedía (Παιδεία/paideía). Contudo, sua tarefa se diferenciava do didaskálos (διδασκάλους), mestre dedicado a ensinar os saberes de seu oficio (τέχνη/techné) aos seus aprendizes, por isso ser chamado didaktiké (διδακτική), mestre do ensino.

 

A tarefa do didaskálos (mestre) não era educar, “forjar um caráter”, mas lecionar saberes acerca de seu ofício aos meninos, ou seja, levá-los a conhecer e a saber tecnicamente a tocar um instrumento, a lutar, a ler, a escrever, a discursar etc. O local em que o mestre trabalhava se chamava didaskaleíon (διδασκαλεῖον), lugar de ensino. 


[Durante a idade média EC, o local de ensino (didaskaleíon) passa a se chamar escola, vocábulo também de origem grega derivada de scholé (σχολή), utilizado no mundo clássico com sentido de tempo livre ou desocupação do trabalho manual, enquanto condição para o cidadão se dedicar aos amigos, aos estudos e aos assuntos do governo da Pólis.]


Quanto ao pedagogo (paidagogós) sua ocupação não era ensinar um oficio (techné), mas em tempo integral forjar um caráter, ou seja, educar (παιδεύω/paideío) física, intelectual, ética e esteticamente o menino sob a sua reponsabilidade. Portanto, a função de educar é mais profunda em relação a de ensinar tecnicamente uma atividade. Apesar disso, o processo de educar abrangia a aprendizagem dos ofícios de ler, escrever, tocar e lutar ensinado pelos didaskálos, com a assistência colada do pedagogo: a aprendizagem da techné pelo menino seria assim o instrumento usado pelo pedagogo a serviço de sua tarefa educativa. Por isso desde tempos remotos da época clássica, dizia-se que o pedagogo exercia a função de educar para toda a vida, e o mestre a de ensinar um ofício em auxílio desse processo. 


Por sua vez, ainda no período clássico, pedagogia (παιδαγωγίας/paidagogías) denotava a educação obtida pelo menino, ou seja, o efeito da aprendizagem de atividades e preceitos, geridos pelo pedagogo, sobre o seu desenvolvimento e comportamento. Em síntese: educação (pedagogia) era o efeito surtido no desenvolvimento do menino (nos aspectos físico, intelectual, ético e estético) oriundo das atividades segundo os preceitos da excelência (αρετή/areté) que ele aprendia por meio da assistência direta de seu pedagogo. 


Mas, desde o século II EC, um novo conceito surge e com ele as tarefas de educar e de ensinar, antes separadas, encontram-se unidas na atividade do pedagogo, agora compreendido enquanto aquele que educa ensinando e ensina educando as pessoas, independentemente de suas faixas etária. Também nessa época observa-se pela primeira vez a palavra pedagogia ser redefinida na forma de um conceito, assumindo a função de um oficio fundamentado em preceitos para regrar as ações, abordando o vínculo entre a educação (παίδευσις/paideusís) e a excelência (ἀρετήν/areté) por objeto, e o exercício da excelência o objetivo principal da educação da pessoa, com os preceitos e ensinamentos conduzidos por um pedagogo. 


[No século XIX EC, contudo, os normalistas fazem uma divisão, sendo o pedagogo um catedrático que faz a crítica e elabora estudos sobre os sistemas de ensino, e a mestra e mestre aqueles que educam crianças e jovens; e somente depois de 2006 no Brasil, educar e ensinar tomam forma no mesmo conceito de pedagogo].