Eudes Baiman, professor da UECE
Eu acho comovente a tentativa de acadêmicos de jogar a obra de Marx no lixo, mas sem ter a coragem digna de afirmar seu rompimento com Marx, o que é um direito legitimo e, dependendo da qualidade do intelectual, mais útil às lutas sociais do que o ódio envergonhado ao Velho.
Um exemplo deste ódio envergonhado é o professor da Faculdade de Economia da Universidade Central da Venezuela, Edgardo Lander.
Por dever de ofício, gastei algumas horas de meu bem atualmente mais precioso (o tempo) com quase 40 páginas deste autor, o artigo "Marxismo, Colonialismo e Eurocentrismo", publicado em português numa coletânea da Expressão Popular, "A Teoria Marxista Hoje". Como este texto foi parar num compêndio de artigos sobre teoria marxista é um mistério.
Apesar de, ao fim e ao cabo, dar a entender de que busca salvar a teoria marxista para as lutas sociais contemporâneas, algo como achar no racismo, colonialismo e eurocentrismo de Marx um núcleo saudável, o texto todo é um ataque em regra a Marx e a sua obra.
Sem problemas. A obra de Marx, pela sua própria natureza, reconhece do início ao fim sua condição de fruto de uma época histórica, e, assim, não é de forma alguma inatacável e isento de crítica e refutações. Muito pelo contrário.
Contudo, no afã de caracterizar Marx como incapaz de fazer a crítica realmente radical do capitalismo (sua obra resultando de fato numa narrativa alternativa "sentada" nos mesmos fundamentos da Europa ou do "ocidente" burguês), o autor realiza um amplo trabalho de falsificações, referências impertinentes à obra do autor alemão, confusão voluntária ou involuntária entre as posições de Marx e as deformações stalinistas, e a atribuição a ele de ideias deduzidas "livremente" por Lander de uma suposta leitura do autor. Digo suposta porque Lander é incapaz, ao longo de quase 40 páginas, de fazer sequer uma citação direta de qualquer obra de Marx, obrigando o leitor a acreditar na própria interpretação do professor venezuelano.
Para ilustrar suas críticas a Marx, no máximo, usa passagens de uma única obra de Lenin, "Marxismo e Empiriocriticismo". Uma abordagem aliás muito de passagem e sem aprofundamento.
Ao fim, o que fica no espírito do leitor de Lander é que Marx, e ademais o que o autor venezuelano identifica com o "marxismo", são apenas a extrema-esquerda das narrações europeizantes, colonialistas e racistas hegemônicas nas abordagens do conhecimento, especialmente sobre a América Latina. Mais do que isso, o texto reproduz certas críticas terceiro-mundistas ou, como se diz agora, sulglobalistas, bastante estereotipadas a Marx e ao marxismo, especialmente, horror dos horrores, à ideia da revolução de natureza social proletária.
Não sei se Ingenieros, Mariátegui, Ponce, Pedrosa e outros intelectuais marxistas latino-americanos se deram ao trabalho de se revirar em suas tumbas.
Não sou de "desrecomendar" obras pois acredito que todos devem ler os textos por si mesmos, mas tenho dúvidas se, neste caso, o tempo não pudesse ser usado melhor.