sábado, 28 de setembro de 2024

Pedagogia das ciências: o caso da hesitação pedagógica na ciência

Foto:thinkmovemake.com 


Carlos Bonfim, Professor Adjunto de Pedagogia da UECE.

 

A educação em ciência põe em movimento e justifica a Pedagogia das ciências. Partindo desse campo abordamos aqui o papel da hesitação pedagógica na atividade científica.

 

Costumamos distinguir a ciência enquanto atividade que produz conhecimentos exatos sobre as coisas, e que por isso o pesquisador jamais deve hesitar em suas afirmações: precisa demonstrar que tem certeza, pois fundamentado em evidências.

 

Mas a possibilidade da ‘certeza inquestionável’ em ciências só existe se o pesquisador tiver ‘todos os dados do problema’ disponíveis e analisados em todos os detalhes e dimensões.Caso não se tenha todos os dados, isso indica que não há certeza indubitável, apenas previsão de probabilidades, expressa em uma teoria científica (dizemos ‘teoria cientifica’ porque há ‘teorias’ da conspiração, ‘teorias’ do senso comum’, ‘teorias’ sem ser fundamentadas em evidências etc.). Assim, as “teorias científicas referem-se a possibilidades, e não a fatos”, dizia Werner Heisenberg (1996, p. 98). 


Teoria não é um fato, é descrição de uma impressão (em forma de argumento ou de equação) ‘acerca de um possível fato’. Numa palavra: teorias científicas designam propostas que talvez funcionem (apresente boa aproximação com o real) ou não. 

 

Se uma teoria funciona bem segundo uma perspectiva, podemos confiar, mas nunca nos convencermos de que seja a verdade absoluta. E se no fundo estamos convencidos, mesmo assim a hesitação pedagógica é a prudência recomendada, pois a realidade é sempre surpreendente e mais dinâmica que qualquer teoria.Portanto, o critério de afirmação de uma teoria não é a “verdade” (correspondência fiel com o provável objeto real), e, sim, a probabilidade, o caráter de proposta possível ou provável. A esse respeito, no artigo de Einstein de 1905, que demonstra que a luz é feita de partículas (fato a lhe render o prêmio Nobel em Física), há a frase “parece-me”, a qual representa bem a hesitação pedagógica:


“De fato, parece-me (Es scheint mir) que as observações da radiação de corpo negro, fotoluminescência, produção de raios catódicos por luz ultravioleta e outros fenômenos associados à emissão ou transformação da luz, podem ser mais facilmente entendidos se admitirmos que a luz é distribuída de forma descontínua no espaço...pois consiste em número finito de quanta [grãos, partículas] de energia.” (Einstein, 2005, p. 202).

 

Não sem sentido, cientistas de peso na história das ciências (Newton, Planck, Einstein, Dirac, Darwin, Vigotski...), em suas teorias em vez de proferirem “asseguro com certeza”, usavam expressões de hesitação pedagógica do tipo ‘parece-me que’, ‘penso que’, ‘suponho que’, ‘consideramos’, ‘em estreito acordo com as observações’, ‘é consistente a hipótese’, ‘em primeira aproximação’ etc. Ante a instabilidade do mundo real e o contínuo avanço das pesquisas, o bom pesquisador parece ser aquele que “tem consciência dos passos importantes que está realizando e sempre hesita...” (Rovelli, 2017, p. 113). 

Quando os resultados de uma pesquisa científica passam nos testes, o experimentador dá o laudo: “É, a teoria parece que funciona mesmo”. 


Referências: 


HEISENBERG, Werner. A parte e o todo: encontros e conversas sobre física, filosofia, religião e política. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.


EINSTEIN, Albert. Sobre um ponto de vista heurístico a respeito da produção e transformação da luz. In: EINSTEIN, Albert. O ano miraculoso de Einstein: cinco artigos que mudaram a face da física. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. p. 201-222. 


ROVELLI, Carlo. A realidade não é o que parece: a estrutura elementar das coisas. 1 ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2017.