sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Diálogo com um companheiro sobre o "pobre de direita"


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Querido companheiro,


Por que o "pobre" (categoria mais mercadológica do que social, já que não se refere ao lugar das classes na produção) deveria ser naturalmente de esquerda? Sim, porque só faz sentido falar de "pobre de direita" como um ponto fora da curva se você achar que o "pobre" foi "normalmente"/"naturalmente",  ao longo da história, de esquerda.


É uma confusão entre a condição subalterna, explorada, eventualmente excluída do consumo e da produção, com o grau de consciência desta camada como classe. Num velho jargão hegeliano, adotado por Marx, uma confusão entre "classe em si" e "classe para si", isto é, entre sua existência objetiva no mundo e seu reconhecimento desta existência oprimida, que é obviamente sentida, mas não necessariamente entendida.


Este entendimento está sempre em disputa entre as camadas mais conscientes da classe trabalhadora (a classe dos "pobres") e a classe dominante. Aquela buscando explicar a origem da condição de explorado, e esta vendendo a ideia de que a competência, o afinco e, hoje, o empreendedorismo (infelizmente adotado pelos setores majoritários de esquerda) podem leva-lo à ascensão social, sem necessidade de luta nem de reivindicações. 


As classes dominantes detêm os meios materiais e políticos, o Estado, para fazer esta disputa, e as camadas mais conscientes dos "pobres" contam tão somente com sua organização. 


Ora, se a condição de pobre  e a consciência de classe dos pobres fossem a mesma coisa, pra que partido? Pra que Sindicato? A posse do Estado pelas classes proprietárias consiste, em boa parte, na função de tornar aparentemente universal, "de todos", justamente os valores desta classe dominante. 


O que há de novo, desde o final dos anos 70, é a renúncia da direção de nossas organizações, especialmente do PT e da CUT a travar esta disputa, ou de travar a disputa nos mesmos termos da classe dominante, o que no fim dá no mesmo. 


Resta o que, então? Botar a culpa de nossa derrota nos "pobres". Daí a invenção desta figura do "pobre de direita" que, se é "de direita", não é uma consciência a ser conquistada, mas um inimigo nosso. Isso se estende aos chamados crentes, em sua maioria pobres cuja consciência não disputamos aos pastores e padres, estes sim, conscientemente de direita. A esquerda prefere "lacrar", "sambar na cara do crente" com a nefasta "pauta dos costumes" que reforça a retórica dos pastores, esquecendo que o crente é gente como a gente, com carências e necessidades que, sem organização de classe, eles não conseguem transformar em bandeiras de luta e, portanto, acham guarida na igreja. 


Se intelectuais como Jessé de Souza voltassem por um momento a textos como a Ideologia Alemã, de Marx e Engels, tivessem um pingo de perspectiva materialista da história, evitariam passar essa vergonha de apontar o dedo para o "pobre de direita".


Com apreço,


Eudes Baima, Professor da UECE