O neoliberalismo vem sendo uma ideologia bem-sucedida desde a segunda metade do século XX até os dias atuais, representando uma ofensiva do capital contra as forças do trabalho, permeando inúmeros aspectos da totalidade social.
O neoliberalismo orienta a ordem econômica mundial e a estruturação das instituições políticas. As ideias neoliberais transformaram o horizonte cultural contemporâneo, hegemonizando debates teóricos e disciplinas sociais, modificando o panorama intelectual e contribuindo para o fortalecimento de um senso comum cada vez mais alienado.
Mesmo não sendo um projeto simples e monolítico, é possível estabelecer coordenadas fundamentais do neoliberalismo.
Em primeiro lugar, o neoliberalismo é um programa intelectual, isto é, um conjunto de ideias básicas compartilhadas por economistas, filósofos, sociólogos, religiosos, militares entre outros intelectuais orgânicos vinculados ao horizonte da ordem do capital. No fundamental, dizem defender a restauração do liberalismo ameaçado pelas tendências democráticas, populares e coletivistas do século XX.
Em segundo lugar, o neoliberalismo é, também, um programa político, ou seja, uma série de leis, arranjos institucionais, estratégias de política econômica e fiscal, resultantes de ideias liberais com o objetivo de deter e desmantelar conquistas sociais dos trabalhadores e povos.
O sociólogo mexicano Fernando Escalante Gonzalbo em seu livro História mínima do liberalismo (2024) indica um conjunto de teses básicas que formam a coluna vertebral da ideologia neoliberal presente em nossos dias.
Primeira tese, o neoliberalismo se caracteriza por ser diferente do liberalismo clássico do século XIX, inclusive ele faz uma crítica a esse liberalismo anterior. Os neoliberais recuperam, por exemplo, de Adam Smith a metáfora da “mão invisível” do mercado. No entanto, consideram que o mercado não é algo natural, porque não surgiria de maneira espontânea nem se sustentaria sozinho, precisando ser criado, apoiado, defendido pelo Estado. Noutras palavras, não é bastante o laissez-faire (deixar fazer) para que o mercado surja e funcione. Como consequência, para os neoliberais o Estado tem um papel mais ativo do que para os liberais clássicos. O programa neoliberal não pretende eliminar o Estado, nem o reduzir ao mínimo possível, mas transformá-lo para sustentar e expandir a lógica do mercado para todas as esferas da vida social.
Segunda tese, o mercado é, em essência, um mecanismo para processar informação, que por meio do sistema de preços permite saber o que os consumidores querem, o que se pode produzir, quanto custa produzir. Nesse sentido, o mercado é a única possibilidade real para processar toda essa informação, oferecendo a única solução eficiente para os problemas econômicos e a única opção realista para alcançar o bem-estar. A melhor alternativa é a concorrência que permite aos preços se ajustarem automaticamente para que, simultaneamente, garantam o melhor uso possível dos recursos. Além dessa vantagem técnica, há o aspecto moral que permitiria a cada pessoa organizar sua vida em várias dimensões de acordo com seu próprio juízo, seus valores, suas ideias do que é bom e desejável. Logo, o mercado seria a expressão material e concreta da liberdade. Não existindo alternativa. Pior, toda interferência no funcionamento do mercado significaria um obstáculo, seja proibindo alguém trabalhar mais de doze horas ao dia ou buscar petróleo destruindo o meio ambiente. Por isso, os neoliberais tendem a desconfiar da democracia, isto é, da soberania popular. O mercado garantiria, em última instância, a liberdade individual.
Terceira tese, a superioridade técnica, moral e lógica do privado sobre o público. A explicação geral é que, em comparação com o privado, o público é sempre menos eficiente. O público seria, quase por definição, propenso à corrupção, algo inevitavelmente político, desonesto, turvo. Por isso, deve-se preferir, sempre que possível, uma solução privada.
Essas ideias básicas da ideologia neoliberal são enunciadas sob várias formas e implementadas de maneiras diversas, mas o resultado é sempre o mesmo: aumento da desigualdade social, da repressão estatal, das guerras e de inúmeros tipos de opressão.
Frederico Costa, professor da UECE
Referências
GONZALBO, Fernando Escalante. História mínima do neoliberalismo. São Paulo: Veneta, 2024.