sexta-feira, 28 de março de 2025

março 28, 2025

 

Foto: resistenciapsol50.com.br


CARTA N. 1 SOBRE A CONJUNTURA

 

É difícil imaginar-se começar um texto de conjuntura com uma digressão, mas é assim que principio esta carta.

A esquerda tem em si muitos desafios. Um deles é de como unir análise e prática política. Há quem estabeleça no campo da esquerda – que é vasto – uma relação exclusiva da análise concreta com os desdobramentos teórico-estratégicos, quando, com efeito, a conexão mais imediata é a que se dá entre análise e desdobramentos táticos. Algumas vezes, ao se desprezar esse aspecto da questão, o analista da conjuntura tende a oferecer não mais do que fórmulas gerais.

De fato, os desdobramentos táticos não podem estar separados da teoria, dos princípios, do programa e da estratégia, mas eles não podem ser um mero efeito repetitivo, automático e, portanto, maquinal desses quatro elementos-chave.

Escrevo isso pensando, sobretudo, na situação política nacional e internacional e no agrupamento de forças da atualidade, questões que a esquerda, em suas distintas variantes, é obrigada a enfrentar, exceto se vive em um mundo de fantasias.

Nessa quadra, em escala mundial, qual a tarefa que deve mover centralmente os socialistas senão a de lutar contra a extrema-direita? Isso quer dizer que o movimento socialista/comunista deve desprezar o combate a uma esquerda de pequenas reformas, que, na América Latina e em outras partes do mundo, segue o seu curso de inconsequência com relação ao combate ao neofascismo em suas diferentes configurações?

Seguramente, não! Mas isso não significa colocar um sinal de igual nos dois tipos de embate: o que se faz contra a esquerda das pequenas reformas e o que se faz contra uma extrema-direita feroz que quer esmagar os partidos de esquerda, os sindicatos e os movimentos sociais. Na prática, essa geração nunca havia se deparado com um quebra-cabeças tão complicado.

Mirando o caso do Brasil, observa-se que algumas vertentes políticas que apresentam uma crítica rotunda ao que caracterizam como a “agenda neoliberal do governo Lula”, efetivamente, não conseguem ir além do individualismo da subjetividade neoliberal, ao descolar a sua crítica das “condições e da consciência de amplas camadas da classe trabalhadora”, para tomar de empréstimo as palavras de Trotsky (2017, p. 21).

É verdade que as forças governamentais preferem os bajuladores e não os militantes críticos. E, nesse sentido, é louvável que haja militantes críticos ao governo, e não conformistas que passam pano para os seus erros e as suas contradições. Nesse terreno pantanoso, de certo, não é fácil encontrar um equilíbrio analítico e, muito menos, as táticas justas que disso decorrem.

De minha parte, tenho acordo com o Lênin (1989), particularmente quando ele assinalou que a correta teoria revolucionária só assume forma final em contato estreito com a atividade prática de um movimento verdadeiramente de massas e verdadeiramente revolucionário. Acontece que esse contato estreito se faz inicialmente à luz de incontáveis mediações táticas e, pensando nisso e na conjuntura nacional, entendo que nivelar o lulismo e o bolsonarismo (“Fora todos”) é sugerir a validade da hipótese de que o reformismo não apresenta diferenças importantes com relação à barbárie política do neofascismo.

Nessa perspectiva, ainda que os reformistas vacilem diante do enfrentamento à extrema-direita, isso não é argumento que um marxista possa esgrimir para abdicar do chamado a táticas unitárias diante da escalada da ultradireita, até porque, como já assinalara Lênin (1989), não se deve desprezar os acordos e os compromissos com setores hesitantes que influenciam ou dirigem amplas camadas da classe trabalhadora e do movimento de massas.

A inflexão na correlação de forças no Brasil é realizável, mas a condição necessária para isso é a classe trabalhadora entrar em movimento, e, hoje por hoje, isso é improvável sem o concurso das direções – social e politicamente – reconhecidas por essa classe.

Uns dirão que isso é difícil; outros  que é impossível ou mesmo inadmissível por princípio. A meu ver, isso é renunciar ao combate, até porque é mais confortável falar sempre para o próprio auditório. Contudo, a linha de combate mais acertada nem sempre é a mais convidativa e agradável.


                                           Fábio José de Queiroz, é professor da URCA-CE


 

Referências

LÊNIN, Vladimir. Esquerdismo, doença infantil do comunismo. Tradução de Luiz Fernando. 6. ed. São Paulo: Global Editora, 1989.

TROSKY, Leon. Programa de Transição. Tradução de Ana Luiza da Costa Moreira. São Paulo: Sundermann, 2017.